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Pacientes que estão há meses em uma fila de espera para conseguir uma consulta com um médico oftalmologista, crianças que vão mal na escola porque não enxergam direito e pessoas que moram longe de grandes centros e não têm fácil acesso à atendimento médico. Este cenário, comum no Brasil, começa a ganhar novos contornos no Sul do país.   
Era julho de 2017. Da parceria entre a Secretaria Estadual de Saúde do Rio Grande do Sul, o Hospital Moinhos de Vento, por meio do PROADI-SUS do Ministério da Saúde (MS), serviço que oferece exames para problemas oftalmológicos, e a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) surge o TeleOftalmo – Olhar Gaúcho. 
O projeto do Núcleo de Telessaúde da UFRGS surgiu com o objetivo de oferecer telediagnóstico em oftalmologia aos médicos da Atenção Primária, que podem solicitar a avaliação aos seus pacientes. “Como projeto de pesquisa, investigamos a acurácia do diagnóstico prestado à distância, o impacto da estratégia de teleoftalmologia sobre as filas de espera no Sistema Único de Saúde (SUS) e a avaliação econômica da iniciativa”, explica Aline Lutz de Araújo, oftalmologista e responsável técnica do TeleOftalmo – TelessaúdeRS – UFRGS.
Na prática, os médicos da Atenção Primária solicitam o telediagnóstico em oftalmologia para seus pacientes por meio de uma plataforma online (Plataforma de Telessaúde). O paciente é submetido a uma avaliação oftalmológica à distância que inclui acuidade visual, tonometria por jato de ar e retinografia. O oftalmologista também pode realizar a refração subjetiva do paciente através de refrator e tela de acuidade que são operados remotamente. “O oftalmologista então emite um laudo de telediagnóstico, que é acessado pelo médico solicitante na Plataforma de Telessaúde. O paciente, após a avaliação no TeleOftalmo, poderá ser encaminhado ao oftalmologista com a prioridade adequada para tratar alguma condição identificada ou poderá ser mantido na comunidade caso não apresente problema ocular ou condição passível de manejo na Atenção Primária , conta Aline. 
O programa está disponível para todo o estado do Rio Grande do Sul. Nos primeiros dois anos de funcionamento, o TeleOftalmo emitiu cerca de 20 mil laudos. Em 70,6%, ou seja, 7 a cada 10 pacientes avaliados por telemedicina não precisaram de encaminhamento para avaliação presencial em serviço terciário. Segundo a responsável técnica do projeto, a maioria dos diagnósticos compreenderam erros de refração, seguidos por alterações de superfície ocular e catarata.
Uma iniciativa como essa, além de reduzir o tempo de espera por uma consulta, também reduz custos do sistema de saúde. Durante o evento de saúde digital Global Summit Telemedicine & Digital Health, Tobias Zoebel, da Erlanger University, comentou que cerca de 80% dos casos que chegam às emergências de clínicas e hospitais do Brasil não são, de fato, emergenciais e que a adoção de um suporte digital anterior ou a comunicação automatizada poderiam reduzir bastante os custos com a saúde. 
Ou seja, a interação médico-paciente, marcada por muito tempo pela relação pessoal, tende a mudar. Em um artigo, Daniel Oran e Eric Topol, do centro de pesquisas Scripps Research Translational Institute, na Califórnia, afirmam que provavelmente a prática da maioria dos médicos evoluirá para integrar elementos de relacionamento virtual, com menos pessoas atendidas pessoalmente. “Neste cenário, a educação médica precisará mudar, preparando os médicos de amanhã para novos desafios: como desenvolver o relacionamento com pacientes que só se conhece por meio de uma tela; e como gerenciar uma equipe virtual para o atendimento mais eficaz ao paciente , consideram. 
Outro ponto apontado no artigo é que, junto com o atendimento ambulatorial, os virtualistas serão responsáveis pelo monitoramento remoto de pacientes gravemente doentes. Além disso, o modelo de atendimento virtual abre novas possibilidades para a educação e o coaching do paciente. “Em vez de compactar informações cruciais sobre a saúde em alguns minutos de consulta no consultório, o virtualista poderia oferecer um tutorial multimídia para ser visualizado da maneira mais conveniente para o paciente. Usando um aplicativo, a pessoa receberia instruções quanto à dieta, exercícios e adesão à medicação”, ressaltam.  Essa consultoria traz outro aspecto fundamental do atendimento virtual: o médico virtualista lidera uma equipe que pode incluir um profissional de enfermagem, nutricionista e fisiologista, todos conectados em uma plataforma digital.
Pontos de atenção
Se por um lado a tecnologia facilita o relacionamento entre médicos e pacientes, por outro pode causar ruídos na comunicação. “O beneficio é obvio. O relacionamento virtual é utilizado todos os dias quando trocamos WhatsApp ou atendemos ligação dos pacientes seja para tranquilizá-los, para pedir que vão ao consultório ou para repetir a prescrição com base no histórico que já temos. A questão agora é como lidar com o ruído na comunicação. Isso tem sido bastante discutido na comunidade médica e oftalmológica, afirma Paulo Schor, professor e ex-chefe do Departamento de Oftalmologia e Ciências Visuais da Escola Paulista de Medicina/Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). 
De acordo com ele, é preciso avaliar cada caso individualmente. “O que eu vejo, e que é uma leitura bastante pessoal, é que isso deveria ser visto caso a caso com o maior bom senso possível e não por meio de uma legislação muito restritiva, mas sim que contasse, eventualmente, com o auxílio das especialidades para saber o que em cada subespecialidade, ou talvez até em cada local da subsespecialidde, fosse mais adequado”, ressalta.
Uma questão que Schor coloca quando o assunto é o médico virtualista é se a receita que o paciente leva de um atendimento remoto seria a mesma de quando fosse a um atendimento presencial. É um ponto a ser pensado. Para o oftalmologista, o que falta hoje, não só no Brasil, mas no mundo todo, é apoio em dados concretos e identificação em outros cenários internacionais ou mesmo nos nossos nacionais de como isso está dando certo. “Tem de analisar o que isso traz, quão bom isso é, para quem isso é bom, como isso pode ser e onde é que está o ruído”, comenta o professor. 
Ele conta sobre uma experiência que teve recentemente na Holanda. Lá, tanto os médicos de família, que são muito atuantes no país, quanto os oftalmologistas têm a rotina de no começo do expediente ligar para os pacientes para tirar algumas dúvidas eventuais ou repetir receitas que foram prescritas e que os pacientes precisam repor. “Isso é teleconsultoria. O que precisamos perguntar é o que a sociedade acha disso e, principalmente, qual o benefício ou malefício que isso realmente traz para os pacientes. Não é o que eu acho, mas quais são os indicadores publicados e relevantes neste tipo de ação. Isso é importante”.
O oftalmologista ressalta que não existe relação melhor do que a real, com o tempo necessário para ouvir o paciente, com todos os equipamentos e com o melhor médico. “Aquele que tem maior experiência, de preferência que teve maior envolvimento crítico no desenvolvimento da tecnologia – ou seja, que faz pesquisas, teoricamente, e entende como ler as pesquisas, que tem algum envolvimento em complicações, que faça cirurgias e saiba conter as complicações cirúrgicas, ou seja, um médico completo”, aponta. A questão é que esse médico completo é muito caro, ou seja, uma parcela mínima da população tem acesso a ele. “Será que dentro dessa limitação não seria possível extrair um pouco mais deste médico ideal e distribuir um pouco dele para mais pacientes com o auxílio da tecnologia?”, levanta o médico. 
Seja virtual ou presencial, o foco da conversa tem de ser exatamente o mesmo: o paciente. “Não estamos falando o que é melhor para a classe médica, mas sim para o paciente. Este é o juramento que fazemos no final da graduação e que deve permanecer também no mundo virtual”, finaliza Schor.
Pesquisa APM
Uma pesquisa da Associação Paulista de Medicina (APM) e da Global Summit Telemedicine & Digital HealthMais revela que 82,65% dos médicos paulistas usam tecnologias no dia a dia para a assistência aos pacientes. O levantamento, feito com 1.614 médicos, aponta que a maioria, 78,69%, é favorável à utilização do WhatsApp e ferramentas semelhantes na relação com os pacientes. Já 84,57% dos entrevistados são favoráveis que as informações de saúde dos pacientes sejam disponibilizadas em nuvem digital, com proteção de dados. 

Fonte: Universo Visual

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