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Paulo Schor é Diretor de Pesquisa e Desenvolvimento Tecnológico da Unifesp e Professor-Chefe do Setor de Óptica Cirúrgica da Escola Paulista de Medicina.
A discussão sobre ensino médico é assunto que vem ganhando destaque no cenário da educação brasileira nos últimos anos, gerando a necessidade de buscar estratégias inovadoras que possam aumentar a compreensão, a retenção dos conhecimentos e o aprendizado dos estudantes, objetivando fomentar a formação de profissional capaz de estruturar melhor os conhecimentos em um contexto específico e com capacidade e motivação para o estudo. Hoje em dia é patente a correlação entre aulas expositivas, que repetem (leitura em grupo) o conteúdo facilmente disponível em plataformas digitais diversas, e a desmotivação dos estudantes.
Então, como melhor utilizar o tempo escasso e custoso, dos estudantes e professores? A partir dessa questão genérica, fizemos uma proposta e aplicamos aos alunos do quinto ano de medicina da Escola Paulista de Medicina.
Nossa última incursão foi no mundo do “fundo de olho”, tema recorrente nas unidades curriculares (antigas matérias, ou disciplinas) de oftalmologia. Nós aproveitamos o avanço tecnológico e acessibilidade das câmaras retinográficas, aliados à motivação dos jogos, e propusemos mais um “jogo humano” na área médica.
Vale a pena lembrar aqui que a retinografia digital consiste num exame oftalmológico definido por uma fotografia do fundo de olho (retina) que pode ser observada diretamente no computador, permitindo a escolha e o processamento das imagens em tempo real. A imagem apresenta um padrão característico que possibilita a observação de estruturas diferenciadas do fundo de olho, como o disco óptico, a mácula e a árvore vascular, tornando-se capaz de detectar mudanças no padrão regular da pigmentação e mudança abrupta no trajeto dos vasos da retina, que podem ser compatíveis com doenças sistêmicas, como a retinopatia diabética e doenças cardiovasculares, ou outros problemas oftalmológicos.
A gamificação veio, então, com o objetivo de estimular e instigar o aluno pela busca ativa do conhecimento, ao dinamizar o ensino em relação à fundoscopia, com a manipulação, por eles mesmos, de um retinógrafo convencional (os estudantes obtiveram todas as imagens, com mínimo auxílio) e obtenção de imagens das retinas de cada um e, posteriormente, a “desidentificação” de cada imagem. Para avaliar a capacidade dos alunos e a concretização de aprendizagem em relação à retinografia, optou-se por uma estratégia educacional que avaliasse o desempenho e a retroalimentação dos estudantes da seguinte forma: as imagens capturadas pelo retinógrafo digital eram expostas sem a identificação e, então, a partir do exame de fundo de olho com um oftalmoscópio, o aluno deveria dizer qual imagem era mais compatível com o que ele tinha visualizado na fundoscopia.
Dividimos a turma em três grupos, de 4 ou 5 estudantes cada, e de posse de 14 imagens (e de um oftalmoscópio direto), em 40 minutos, solicitamos a identificação de cada participante do grupo. A Figura ilustra as retinografias e a busca pelo seu “dono”.
Cada grupo conseguiu, ao final da atividade, correlacionar corretamente mais de 75% das imagens. O resultado nos surpreendeu bastante, devido à dificuldade inerente ao uso do oftalmoscópio, pelos estudantes pouquíssimo treinados, e da sutileza nas diferenças de cada imagem. Todos ganharam 0,6 pontos a mais na média final do curso.
A seguir uma das manifestações que pareceram exprimir o espírito da turma: “A ideia da dinâmica de fundo do olho foi sensacional, professor”. “Foi muito proveitoso e serviu como forma de testarmos o conhecimento, nos divertirmos e melhorarmos nossas notas”. Essas e outras dinâmicas podem tornar o lugar do conhecimento, que ainda se identifica com as instituições de ensino (fundamental, médio e superior), sustentável. As gerações futuras já lidam com habilidades e tecnologia de um modo que não passa pela lógica que ainda praticamos. Estar junto desses jovens e ser motivado por eles é uma celebração de vida.
Nesse contexto, surgiu a implantação da aprendizagem baseada em problemas (PBL) em vários cursos de Medicina, a qual é baseada e desenvolvida a partir do melhor conhecimento do modo de aprendizado do adulto e da compreensão do funcionamento da memória humana e tem quatro propósitos básicos: a motivação para o aprendizado, o desenvolvimento do raciocínio clínico, a estruturação do conhecimento em contexto clínico e o desenvolvimento de habilidades de autoaprendizado.
Em várias instituições se instituiu o método baseado em problemas parcialmente, mantendo-se uma base teórica ampla (apelidada de aprendizado “just in case”), que permite aprofundamento e aquisição de saberes nas diversas condições humanas, e não somente nas que tiverem seu “problema” elencado para discussão.
Talvez pela formatação departamental tradicional, com fragmentação e autonomia didática, há dificuldade na introdução de inovações no ensino médico, especialmente referente àquelas especialidades que contam com pequena participação no currículo, como a Oftalmologia. Com intuito de romper com essa barreira em relação às inovações no ensino, já apresentamos iniciativas de ensino mais dinâmico, baseadas em raciocínio logico e stroryteeling (Chamon, Wallace; Schor, Paulo. Ensinando oftalmologia ao estudante de medicina: uma nova abordagem. Arq. Bras. Oftalmol., São Paulo, v. 75, n. 1, p. 5-7, Feb.  2012.   Available from <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0004-27492012000100001&lng=en&nrm=iso>. access on  10  June  2018.  http://dx.doi.org/10.1590/S0004-27492012000100001).
Colaboraram nessa publicação o Professor Mauricio Maia e os estudantes Juliana Trevizo, Henrique Cunha e Caio Augusto de Souza.

Fonte: Paulo Schor

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