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Ana Cláudia Alves Pereira1, Kleber Cunha Clemente2, Bianca Hayashi Borges da Silva3, Vitória Oshiro Orro3
1- Professor adjunto da UFMS, Chefe do Setor de Glaucoma do Hospital de Olhos MS, Preceptor do Setor de Glaucoma da Santa Casa de Campo Grande/MS, Mestre e Doutor em Oftalmologia pela UNIFESP.
2- Residente do 3o ano de Oftalmologia da Santa Casa (MS).
3- Acadêmicas do 4o ano de Medicina da UEMS (MS).
Processo de cicatrização
Classicamente, a Trabeculectomia (TREC) é considerada a cirurgia padrão para o tratamento do glaucoma, no entanto as taxas de sucesso cirúrgico a médio e longo prazo estão relacionadas a cicatrização do sítio operatório, envolvendo principalmente o tecido conjuntival e tenoniano. O processo de cicatrização é divido em 4 fases principais: coagulativa, inflamatória, proliferativa e remodeladora, com uma série de cascatas químicas e fatores bioquímicos liberados na tentativa de restabelecer a hemostasia1.
Nas fases mais precoces, o processo é controlado pela liberação imediata de proteínas plasmáticas, células sanguíneas, plaquetas e hormônios locais selando incialmente os vasos lesionados. Com o ferimento tecidual, há liberação de histamina, serotonina e bradicinina que causam vasodilatação e aumento de fluxo sanguíneo no local2. Nas etapas posteriores, as plaquetas ativadas desempenham um papel fundamental, através da liberação de fatores químicos de crescimento. Estas substâncias servem como potentes quimio-atrativos inflamatórios, e ao mesmo tempo os fatores de coagulação são ativados, progredindo com a primeira fase da cicatrização3,4.
O microambiente com sua composição físico-química alterada inicia o influxo de neutrófilos e monócitos (posteriormente macrófagos teciduais) inaugurando a fase inflamatória. Fatores de crescimento liberados de macrófagos e citocinas secretadas pelos linfócitos T desempenham uma ação estimulatória importantíssima na fase inicial e ação reguladora na fase tardia da cicatrização5,6. 
A fase proliferativa, inicia-se com a proliferação de células epiteliais, na periferia da ferida, concomitante com a angiogênese e a fibroplasia (produção de colágeno pelos fibroblastos) gerando uma nova matriz tecidual. Sua principal função é a restauração da continuidade do tecido lesado, funcionando como um arcabouço para migração celular. O fibroblasto é o grande protagonista deste processo, pois além da produção do principal constituinte da matriz celular, se diferencia em miofibroblasto, o qual é um fenótipo mais contrátil responsável pela tração das margens da ferida.
Com o passar do tempo, este tecido fibrovascular primitivo evolui para uma cicatriz madura na fase final da cicatrização. A degradação da matriz extracelular é mediada por ativadores de plasminogênio e a matriz metalo-proteinases através da remoção de ácido hialurônico e fibronectina do tecido. A apoptose dos fibroblastos é um evento fundamental na fase de remodelação, levando a ferida a tornar-se o mais próximo possível do tecido inicial5,6. Sua maturação caracteriza-se por um aumento da resistência, sem aumento na quantidade de colágeno, pois há um equilíbrio entre produção e destruição das fibras de colágeno neste período, por ação das colagenases. As fases da cicatrização não são mutuamente excludentes, mas sobrepostas no tempo7. 
Moduladores da cicatrização
Para o controle da cicatrização nas cirurgias antiglaucomatosas, especialmente na Trabeculectomia (Trec) e cirurgias Não Penetrantes (EPNP) são utilizados medicamentos antimetabólitos, tais como 5-fluorouracil (5 FU) e mitomicina C (MMC), com o intuito de prevenir a formação de cicatrizes e melhorar a taxa de sucesso das cirurgias. No entanto, estas substâncias estão associadas a aumento nas taxas de complicações, como vazamento de bolhas, hipotonia, descolamento de coróide, blebite, maculopatia hipotônica e endoftalmite6.
A matriz de colágeno Ologen ^TM é um novo agente antifibrótico composto por uma matriz porosa de atelocolageno tipo I e glicosaminoglicano reticulados, que pode ser utilizado como uma alternativa para a modulação da cicatrização nas cirurgias. Por ser altamente poroso e biodegradável, este implante auxilia nos processos de reparação fisiológicos que ocorrem no tecido conjuntivo e epitelial da lesão, sem a formação de tecido fibrótico, o qual acarreta insucesso cirúrgico e elevação da PIO. 
A matriz de colágeno Ologen ^TM é disponível em diferentes formas e tamanhos. A sua biodegradação ocorre num período de 3 a 6 meses, dependendo das condições da inflamação e do grau de infiltração (Figuras 1 e 2). Cria-se um reservatório fisiológico dinâmico para preservar a funcionalidade da cirurgia, através da formação de um espaço subconjuntival. O processo de cicatrização é impedido pela interação entre o tecido e a matriz de colágeno, por otimizar e estabilizar a estrutura e a composição dos tecidos oculares, criando uma fístula madura. 
Desta forma, este novo implante pode ser utilizado como um dispositivo antifibrótico em diferentes cirurgias oftalmológicas, como TREC (Figura 4), EPNP, revisão de fístulas ou implantes de drenagem, com o intuito de criar uma bolha vascular saudável, especialmente nas cirurgias onde o uso de antimetabólitos não é recomendado como em idosos, pacientes com tecido escleral ou conjutival fino, bolha em posição não superior, história de MMC e complicações associadas, entre outros8,9. 
 
Figura 1 (em cima): mulher de 38 anos submetida a TREC com MMC, observa-se uma bolha difusa avascular central com área cística. Paciente 1b (abaixo): homem de 52 anos do grupo TREC com ologen, observa-se bolha difusa com vascularização quase normal. Fonte: Cillino et al.(2016) ^7.
 
 
Figura 2: Pós-operatório (PO) de TREC com OLO implante em olho esquerdo. A: 3 dias de PO, B: 30 dias de PO, C: 5 meses de PO, D: 10 meses de PO e E: 11 meses de PO. Fonte: Anguelov (2013) ^8.
Resultados na literatura
Avaliando-se a segurança e eficácia da TREC com implante Ologen versus TREC com MMC, Ji et al.  ^10 realizaram uma meta-análise com 6 ensaios clínicos randomizados, encontrando uma redução da PIO menor para as cirurgias com o implante de OLOGEN, em relação às cirurgias com MMC, em todos os intervalos estudados, exceto nos estudos que fizeram seguimento por mais de 24 meses. As complicações relatadas foram hipotonia com descolamento coroidal, seidel, câmara anterior rasa, todas com resolução espontânea, semelhantes nos 2 grupos: TREC com implante de Ologen e com MMC. Não houve diferença significativa na redução de medicações para o glaucoma e na taxa de sucesso, comparando-se os 2 grupos.
Em estudo retrospectivo realizado em 24 pacientes (33 olhos) com GPAA, Dada et al.11 avaliou os resultados da TREC com o uso de Ologen subconjuntival combinado com baixa dose de MMC (0.1mg/ml por 1 min). Todos os olhos alcançaram PIO d” 15mmHg, sendo que, apenas na visita de 6 meses, 2 olhos precisaram de colírios hipotensores. Foram relatados 2 olhos com câmara anterior rasa e hipotonia durante a primeira semana, com Seidel sugestivo de vazamento de lesão conjuntival. Houve exposição do implante em 1 olho após a 1a semana de seguimento. Ambos foram tratados com resutura de conjuntiva. Dois outros olhos desenvolveram cisto de Tenon na 8a e 12a semana de pós-operatório com elevação da PIO, sendo tratados com infiltrações de 5mg de 5-fluorouracil. 
Em um estudo prospectivo, comparativo, realizado por El-Saied, Abdelhakim12, em 40 olhos de 40 pacientes com glaucoma secundário não controlado, seguindo de insucesso da TREC com MMC (0,4 mg /ml por 2 min), e três tentativas de agulhamento com um mês de intervalo. A trabeculectomia com implante Ologen foi realizada 1 mês após o último agulhamento. Os pacientes foram divididos em dois grupos: Grupo A, formado por 18 olhos de 18 pacientes com glaucoma secundário de ângulo aberto e grupo B, com 22 olhos de 22 pacientes com glaucoma secundário de ângulo fechado. Os pacientes de ambos os grupos atingiram sucesso cirúrgico, com níveis de PIO variando entre 5 a 18 mmHg. Neste estudo não foram observadas complicações intra ou pós-operatórias, exceto um olho que desenvolveu Dellen.
Dietlein, Lappas, Rosentreter 13, utilizaram o implante de Ologen em 12 pacientes que haviam sido submetidos previamente a TREC com MMC e estavam sofrendo com subsequente hipotonia ocular. Obtiveram melhora nos níveis da PIO no acompanhamento pós-operatório, além disso, 9 pacientes apresentaram melhora na acuidade visual. Entretanto algumas complicações relatadas neste estudo foram:  hipotonia ocular e vazamento de bolha com exposição do implante, após duas semanas da cirurgia. Para resolução foi necessário o fechamento por um retalho conjuntival rotacional. Outro paciente com hipotonia ocular e vazamento desenvolveu Dellen corneal tratado com lágrimas artificiais. Os casos de descolamento coroidal tiveram resolução espontânea, e dois pacientes necessitaram de colírios hipotensores, no final do seguimento. 
Em estudo prospectivo comparativo de 16 pacientes (20 olhos) com glaucoma congênito por Síndrome de Sturge-Weber, os autores Mohamed, Salman, Elshinawy 14 randomizaram os pacientes em dois grupos, sendo que um grupo recebeu MMC (0.3 mg/ml por 2min) e outro Ologen. Foi obtida uma PIO média de 12 mmHg para aqueles tratados com MMC e de 13 mmHg para os tratados com Ologen, entretanto maiores níveis de complicações pós-operatórias foram obtidas no grupo com MMC, como bolha fina com policistos em 6 olhos, blebite em um olho tratado com antibiótico tópico e câmara anterior rasa em 2 olhos, com resolução espontânea. 
Outros estudos, como de Hafez15, obteve resultados similares, com o uso de Ologen em 20 olhos de 15 pacientes com glaucoma congênito.
 
Figura 3: Trabeculectomia com implante de Ologen. A: Retalho escleral trapezoidal de 2.5 x1,5 mm de meia espessura foi confeccionado na área superior. B: A Trec foi realizada com punch. C: o implante de Ologen foi posicionado em cima do retalho escleral sem o uso de qualquer sutura. D: A conjuntiva foi fechada com nylon 10-0. Fonte: Perez et al. (2016) ^9.

 

Conclusão
Os resultados dos atuais estudos com implante de Ologen para o tratamento de glaucoma são encorajadores e promissores. No entanto, ensaios clínicos randomizados futuros com seguimento a longo prazo são necessários para avaliarmos a segurança e a eficácia do novo implante na modulação da cicatrização, alcançando melhores taxas de sucesso cirúrgico. 
Referências bibliográficas
1. Atreides SP, Skuta GL, Reynolds AC. Wound healing modulation in glaucoma filtering surgery. Int Ophthalmol Clin 2004; 44(2): 61-106.
2. Coleman AL. Advances in glaucoma treatment and management: surgery. Invest Ophthalmol Vis Sci 2012; 53(5): 2491-4. 
3. Seibold LK, Sherwood MB, Kahook MY. Wound modulation after filtration surgery. Surv Ophthalmol 2012; 57(6): 530-50.
4. Tazima MFGS, Vicente YAMVA, Moriya T. Biologia da ferida e cicatrização. Medicina. 2008; 41 (3): 259-64.
5. Contran RS, Kumar V, Collins T. Robbins: Patologia estrutural e funcional. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2001; 44-100.
6. Palanca-Capistrano et al. Long-term outcomes of intraoperative 5-fluorouracil versus intraoperative mitomycin C in primary trabeculectomy surgery. Ophthalmology.  2009; 116: 185 190.
7. Cillino et al. Biodegradable collagen matrix implant versus mitomycin-C in trabeculectomy: five-year follow-up. BMC Ophthalmology. 2016; 16: 24.
8. Anguelov B. Clinical cases of surgical revision with OlogenTM implantation in eyes with glaucoma and x-PRESS¨ implant. Bulgarian Forum Glaucoma. 2013; 3(4): 172-82.
9. Perez et al. Trabeculectomy Combined With Ologen. J Glaucoma. 2017; 26(1):54-58.
10. Ji et al. Efficacy and Safety of Ologen Implant Versus Mitomycin C in Primary Trabeculectomy: A Meta-analysis of Randomized Clinical Trials. J Glaucoma. 2015; 24: 88 94.
11. Dada et al. Trabeculectomy With Combined Use of Subconjunctival Collagen Implant and Low-dose Mitomycin C. J Glaucoma. 2013; 22:659 662.
12. El-Saied HMA, Abdelhakim MASE. Ologen with secondary glaucoma. Eye. 2016; 1-9.
13. Dietlein TS, Lappas A, Rosentreter A. Secondary subconjunctival implantation of a biodegradable collagen-glycosaminoglycan matrix to treat ocular hypotony following trabeculectomy with mitomycin C. Br J Ophthalmol. 2013; 0:1-4.
14. Mohamed TH, Salman AG, Elshinawy RF. Trabeculectomy with Ologen implant versus mitomycin C in congenital glaucoma secondary to Sturge Weber Syndrome. Int J Ophthalmol. 2018; 11(2): 251-55.
15. Hafez MI. Trabeculectomy with collagen matrix implantation versus trabeculectomy with mitomycin C application for the treatment of primary congenital glaucoma. Journal of Egyptian Ophthalmological Society. 2015; 108: 26 31.

Fonte: Universo Visual

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