Por Tatiana Ferrador
São inegáveis os avanços da medicina ano após ano. Doenças que até uma década ou mais eram consideradas fatais ou com tratamentos paliativos, hoje contam com técnicas avançadas para a cura ou pelo menos para a melhora na qualidade de vida do paciente. Muito foi conquistado até agora, é inegável. No entanto, há um abismo que, por mais especializações, estudos e teses que existam, não conseguiu ser rompido pela medicina convencional: a prevenção das doenças. Afinal, impedir que elas surjam é tão importante quanto tratá-las. Eis o grande desafio atual.
Em busca de um equilíbrio, ganha força a medicina integrativa, que se baseia na junção de avanços científicos com diferentes formas de terapia, onde o ponto focal é a relação mais estreita entre médico e paciente. Ou seja, a medicina integrativa propõe uma parceria do médico e seu paciente para a manutenção da saúde. Dessa forma, o paciente atua como seu próprio agente de saúde em que deixa de receber passivamente o tratamento para uma doença e passa a participar ativamente da própria saúde.
Na oftalmologia, a prática também vem ganhando cada vez mais força e adeptos. Como explica o professor da disciplina de Oftalmologia da Faculdade de Medicina do ABC (FMABC) e coordenador das disciplinas eletivas de Medicina Integrativa e Nutrologia com Prática Ortomolecular, Renato Leça, a oftalmologia integrativa tem por objetivo trazer para a especialidade conhecimentos de outras áreas, abordando aspectos clínicos de outras especialidades e suas conexões com os olhos , enfatizando os conhecimentos das áreas básicas, como bioquímica, fisiologia e farmacologia e suas conexões comas doenças oftalmológicas. “Também objetiva trazer novas formas de terapêutica e propedêutica baseados em modernas tecnologias já usadas em outras especialidades; ou seja, de modo geral a ideia é integrar os olhos ao resto do organismo, e não pensar apenas como um órgão isolado do corpo humano”, revela Leça.
Para o especialista, as evidências científicas são fundamentais para a área, ou seja, tudo o que é trazido de “novos” conhecimentos precisam apresentar evidências científicas, caso contrário há o risco do descrédito. No entanto, ele ressalta que é crescente o interesse pela medicina integrada, que se foca no indivíduo e que é cada vez mais bem vista pelos pacientes. “Estamos falando de um tratamento mais completo e direcionado, em que o oftalmologista tem uma atuação mais ampla, como a de um clínico também, o que faz com que o paciente se sinta mais acolhido pelo profissional médico”, explica.
Quem também endossa a prática integrativa é o especialista em medicina ortomolecular e autor de vários livros, Artur Lemos, que dá mais detalhes sobre seus benefícios. “Há muitas doenças que podem ser diagnosticadas pelo fundo do olho e que não são, necessariamente, oftalmológicas, como diabetes, hipertensão, entupimento arterial, entre outras, pela facilidade que o médico tem ao olho para a identificação de uma patologia sistêmica”, diz.
Para Lemos, a oftalmologia também responde por uma visão integrativa, que procura tratar o paciente olhando todo o sistema e tratando os aparelhos cômpitos dos órgãos, bem como a integração que existe entre cada um deles. “Não se pode tratar uma doença do coração ou do fígado, olhando apenas esses órgãos isoladamente, já que todos os órgãos têm repercussões de várias áreas do corpo humano. O obeso, por exemplo, pode ter pressão alta, ficar diabético e ser mais suscetível a uma resposta inflamatória muito intensa. O médico com a visão integrativa procura avaliar todos os componentes de uma doença, não só a repercussão num determinado órgão que está estudando, mas também quais são os fatores extra órgão, mas que podem prejudicar ou acelerar esse tratamento”, enfatiza.
O médico exemplifica, ainda, que no caso de um paciente com pressão alta, apenas o uso de um hipertensivo não resolve, pois há muitas vitaminas e minerais essenciais que devem ser consumidas e que auxiliam a manter a temperatura do corpo normal. Ou seja, quando se faz o uso dessas informações e conceitos, há a aplicação na prática da medicina mais integrada, enfatiza ele que diz que muitas vezes o stress está ligado à pressão alta, assim como o excesso de cortisol no corpo está ligado a essa e muitas outras doenças, e precisa ser avaliado. O distúrbio hormonal, por exemplo, pode causar pressão alta e precisa ser avaliado. Em suma, a administração de um medicamento não trata sua causa e também não previne a doença. Há muitos outros fatores que precisam ser considerados, prevenidos e, posteriormente, tratados.
A maior causa de cegueira entre os idosos é a degeneração macular senil, que é a degeneração macular relacionada à idade (DMRI), uma patologia muito ligada ao stress oxidativo. A oxidação é um estado que ocorre no corpo, pois como respiramos oxigênio, nosso corpo tende a oxidar, ou popularmente, “enferrujar”. Com base nesse princípio, é sabido que muitas doenças estão ligadas a essa oxidação não combatida e não regulada pelo corpo, que pode levar a várias doenças. “A melhor maneira de tratá-las é combatê-las, impedindo sua manifestação”, diz Lemos. “A maioria dos oftalmologistas ainda não têm essa visão global, da prevenção, de recomendar, por exemplo, antioxidantes, vitaminas E e C, betacaroteno, entre outros minerais que ajudam a prevenir e combater doenças”, diz.
“Temos que lembrar que os olhos, a retina mais especificamente, é a parte do corpo humano que mais está sujeita ao estresse oxidativo pela radiação UV recebida e pelo intenso consumo de oxigênio retiniano, formando por consequência radicais livres em grande número, além da possibilidade de ocorrer peroxidação lipídica devido aos ácidos graxos poli-insaturados que fazem parte das estruturas retinianas”, ressalta Leça. “Lidar com os conceitos de glicação, estresse oxidativo, inflamação – especialmente a crônica silenciosa – e nutrição, são conceitos integrativos que os oftalmologistas se beneficiariam em conhecer. A própria fórmula AREDS se baseia em alguns desses pontos”, complementa o oftalmologista.
Ele se refere a um estudo da Degeneração Macular Relacionada à Idade (AREDS), financiado pelo National Eye Institute (NEI), multicêntrico de referência, que comprovou que o uso de antioxidantes é capaz de tratar ou retardar a DMRI, que é maior causa de cegueira nos idosos. “Essa é uma evidência cientifica que faz com que muitos oftalmologistas recomendem multivitamínicos no seu dia a dia”, lembra o médico ortomolecular. “Existem várias evidências cientificas relacionadas ao uso de vitaminas e minerais relacionadas a quase todas as doenças humanas como depressão, nas doenças do olho, no câncer. A medicina integrativa procura, por sua vez, estudar tudo aquilo que foi publicado, cientificamente comprovado, e que pode ajudar a alterar alguma doença”, afirma Lemos.
Resistência
O interesse acerca da medicina integrativa está aumentando muito com o passar dos anos e acredita-se que entre 50 e 70 mil médicos já estejam trabalhando com ela, segundo estimativas de Lemos. “Muitos utilizam várias técnicas conjugadas, como acupuntura, fisioterapia, ortomolecular, medicina quântica, de várias áreas integradas, em busca da melhor qualidade de vida. A cada ano, entre 1500 e 2000 médicos se especializam nessa área”, ressalta.
Isso se dá porque, por mais que esses profissionais se especializem em suas áreas de atuação, há uma limitação quanto à cura efetiva de doenças, pois muitas estão associadas, desencadeiam ou são desencadeadas por outras, que quando tratadas isoladamente, não respondem à altura das expectativas apenas como a medicamentação tradicional. Principalmente no caso de doenças crônicas, como catarata e glaucoma, que são “o calcanhar de Aquiles” da medicina, os remédios aliviam os sintomas e os sinais, mas não as curam efetivamente. “Por que não fornecer antioxidantes, vitaminas e minerais para combater as doenças do olho?”, questiona o médico.
Assim, a medicina integrativa tem um passo além, já que procura reforçar a saúde do indivíduo, não só tratar a doença – o que a medicina clássica não faz. “Fala-se muita em tratar a doença, mas quase nada se sabe sobre manter a saúde”, enfatiza Lemos.
Para Leça, já existe um movimento de oftalmologistas em todo o Brasil interessados nessa área, inclusive atuando com base nas suas premissas, e a tendência observada é de forte crescimento. “Claro que existe ceticismo por parte de um grande número de colegas, mas ao conhecerem mais amiúde seus conceitos, passarão no mínimo a respeitá-la. Já apresentamos o curso de “Oftalmologia Integrativa, baseada em evidências científicas nos dois últimos Simpósios Internacionais Moacyr Álvaro (Simasp), e sempre com salas cheias, mostrando o interesse dos colegas por essa área”, afirma o professor, mestre e doutor em oftalmologia.
Ganhos
A integralidade no trato da saúde do indivíduo é uma realidade cada vez mais próxima e com várias respostas positivas. No entanto, o ceticismo ainda existe, pois tudo que é novo requer paciência, encontra dificuldades e precisa convencer a um grande número de pessoas o que inclui tanto pacientes quanto os próprios médicos. Vale lembrar que esse tipo de medicina nasceu nos EUA na década de 50, já está com 70 anos, principalmente na área ortomolecular, e nos últimos 20 anos vem associando várias técnicas conjugada para o trato do paciente. Evidências científicas não faltam, segundo Lemos, que deve lançar um livro em breve com uma colega oftalmologista abordando o tratamento natural das doenças do olho. “Já reunimos estudos catalogados que somam entre 150 e 200 trabalhos publicados em revistas especializadas de oftalmologia, que são valiosas para o conhecimento e disseminação da prática. Afinal, aprendemos a usar o betacaroteno em doenças do olho, em trabalhos publicados , pondera o profissional.
Ao adotar a medicina integrativa, ou em especial, a oftalmologia integrativa no tratamento, o paciente acumula ganhos, já que tende a reduzir o uso de drogas, pois o médico passa a investir na sua saúde, e não na doença. Há uma investigação do seu modo de vida e nas possíveis causas da patologia identificada, onde alguns ajustes como dieta mais rica em nutrientes, atividade física e redução de nível de stress (e identificação dos agentes causadores) auxiliam muito na melhora do quadro clínico. “É preciso avaliar o todo, e não por pedacinhos, afinal, doença do coração repercute no estômago, do estômago nos rins, do cérebro no coração, e assim sucessivamente. As pessoas hoje em dia têm seis ou sete médicos, como cardiologista, endocrinologista, psiquiatra, nutricionista, e nenhum fala com o outro, e assim, ninguém conhece efetivamente a saúde do paciente que atende. Muitas vezes o paciente está deprimido, toma um antidepressivo, mas o médico que o receitou não sabe, por exemplo, se o quadro se manifestou por conta de uma carência de vitaminas, por exemplo”, explica Lemos.
Fato é que muitos médicos ainda confundem detecção de doenças com prevenção. Como exemplifica Lemos, ninguém faz exames nos olhos sem ter alguma suspeita de patologia. Sempre há a suspeita de um diagnóstico por conta de algum sintoma descrito. Sintoma e causa estas que poderiam ser evitadas caso o paciente tivesse sido orientado quanto à prevenção. “A ascensão da oftalmologia integrativa é muito importante e beneficiará cada vez mais pacientes, porque a postura de um médico oftalmologista integrativo vai ser sempre a de querer saber de que forma você está protegendo seu olho de doenças, e não apenas dispensar medicamentos que, em determinados estágios da patologia, não trarão os benefícios necessários para a cura”, conclui Lemos.
Leça pontua, ainda, que uma vez que a oftalmologia integrativa enfatiza a prevenção de doenças e a manutenção da saúde ocular, quanto mais tempo o paciente tiver o acompanhamento, melhores serão seus resultados. “A base é a avaliação integral, holística do paciente, e para isso a clínica e exames laboratoriais são importantes. Além disso, há técnicas desde modernas, como a termografia e a homotoxologia, até milenares, como a acupuntura e a ayurveda, que entram no conceito integrativo”, finaliza.
Fonte: Universo Visual