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A médica oftalmologista Liana Ventura, nascida em Patos (PB) e residente em Recife (PE), conta que, desde cedo, em seu lar, teve o privilégio de ter tido uma liderança feminina, de importância inconteste, como inspiração nos valores familiares e sociais: a sua mãe, profissional dinâmica e diferenciada, que conseguiu ao lado de seu pai educar e formar seis filhos.
A especialista comenta que sua mãe cursou duas faculdades (Direito e História) quando já era casada e com filhos e fez MBA em administração de empresas aos 70 anos. “Ela participou de todas as etapas de um dos melhores hospitais privados de Recife, com 175 leitos, desde a sua fundação em 1979, ocupando o cargo de superintendente administrativa deste hospital até se aposentar com 80 anos”, relembra a médica o grande exemplo feminino que teve em sua vida.
Liana se casou no quinto ano do curso de medicina, com o oftalmologista Marcelo Ventura, segundo ela, um grande homem, que sempre a inspirou, apoiou e lhe confiou grandes missões familiares e profissionais. “Me apaixonei pelo oftalmologista e pela oftalmologia e comecei a me dedicar profundamente na profissão, sempre buscando adquirir conhecimentos e aprimorar minhas habilidades, seja no Brasil ou no exterior”, afirma, citando os três filhos que teve com o marido: Bruna, Camila e Marcelo Filho. “Meus filhos sempre foram muito estudiosos, dedicados, muito compreensíveis e vibradores com minha carreira”, diz.
Ela destaca que no exterior teve mentoras extraordinárias, como a Dra. Suzanne Veronneau-Troutman, professora do Departamento de Oftalmologia da Universidade de Cornell, em Nova York (EUA), e a Dra. Marilyn Miller, professora do Departamento de Oftalmologia da Universidade de Illinois, em Chicago (EUA). Suas principais paixões como profissional sempre foram estudar e trabalhar com muito zelo e responsabilidade e, acima de tudo, procurar servir melhor às necessidades dos pacientes. “Deus colocou no meu coração um amor pelas causas sociais e pelas pessoas com necessidades especiais, algo impossível de explicar. E me deu a oportunidade de servir a população em vulnerabilidade social através da Fundação Altino Ventura”, esclarece a médica.
Fundada em 1986, a Fundação Altino Ventura é uma instituição sem fins lucrativos que atende a população de baixa renda através da prestação de serviços oftalmológicos, reabilitando pessoas com deficiências visuais, auditivas, físicas e intelectuais, e fomentando a educação e a pesquisa científica. A rotina profissional exige bastante de Liana, mas ela enfatiza que é muito focada e responsável tanto com seus afazeres profissionais quanto familiares. “Sei que não consigo fazer tudo perfeito, são muitos os afazeres, mas tenho uma família que me ama muito e cobra pouco. Todos trabalhamos muito durante a semana e aos fins de semana tentamos não falar de oftalmologia, pois somos eu, meu marido, três filhos e um genro, em um total de seis oftalmologistas”, revela a especialista. “Na vida, chegamos à conclusão que o mais importante é ser feliz. Cada um de nós deve procurar fazer o que gosta, porque, ao invés de trabalho, vira paixão, compromisso, superação e missão”, acrescenta.
Pioneirismo na oftalmopediatria e reconhecimento profissional
Após um período já estabelecida na especialidade, a oftalmologia pediátrica ganhou o interesse de Liana, tendo uma atuação de destaque em vários projetos, conquistando, inclusive, reconhecimento internacional ao receber a Medalha Humanitária Benjamim F. Boyd, concedida desde 1987 pela Associação Panamericana de Oftalmologia para serviços públicos de saúde dos olhos. “Fiz meu Curso Básico de Oftalmologia e o Curso de Fellowship em Oftalmologia Pediátrica e Estrabismo na Universidade de San Juan em Porto Rico, em 1985. Na época, no Brasil não existia a Sociedade Brasileira de Oftalmologia Pediátrica (SBOP), que foi fundada em novembro de 1989”, conta a especialista, ressaltando que ao retornar ao Brasil, tornou-se sócia-fundadora da Fundação Altino Ventura, instituição que já beneficiou mais de 16 milhões de pacientes do Norte e Nordeste do país.
A médica realizou estágios e cursos em Miami (Bascom Palmer Eye Institute) e em Nova York (Universidade de Cornell e Manhattan Eye, Ear & Throat Hospital) e implantou o Curso de Fellowship em Oftalmopediatria e Estrabismo na Fundação Altino Ventura, curso este que já formou mais de 25 especialistas nesta área. “Em 2001, estudei na minha tese de doutorado na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), sob a orientação do Dr. Henderson Almeida, crianças que nascem com a síndrome de Möbius, apresentando estrabismo, paralisia facial, algumas com atraso do neurodesenvolvimento e autismo, além de outras anomalias e disfunções”, informa. Ela explica que o surgimento desta síndrome pode ser de etiologia desconhecida ou por causas teratogênicas (agentes ambientais que causam defeitos congênitos), entre eles o uso de medicações com finalidade de induzir o aborto (tais como o misoprostol).
“Estudando estas crianças com múltiplas deficiências em Pernambuco, pude observar que havia carência de serviços especializados e profissionais capacitados para atenção especializada multiprofissional em um mesmo serviço que oferecesse abordagem holística e customizada à necessidade de cada caso”, aponta, relatando que procurou a ajuda do Ministério da Saúde e de parceiro internacional (a ONG cristã Alemã – CBM) e, em 2005, fundou o Centro Especializado em Reabilitação Menina dos Olhos, da Fundação Altino Ventura – hoje habilitado pelo Ministério da Saúde como CER IV, que oferece reabilitação visual, auditiva, física e intelectual anualmente para cerca de sete mil pessoas com deficiências (crianças e adultos).
Conforme ressalta a oftalmologista, no final de 2015 e durante todo o ano de 2016, esse serviço mostrou-se fundamental para diagnosticar e tratar as crianças com microcefalia, afetadas pelo vírus da Zika, e graças a ajuda de um competente corpo técnico médico e terapêutico, e as parcerias nacionais e internacionais, pesquisadores da Fundação Altino revelaram ao mundo os primeiros achados das lesões oculares e das anomalias encontradas nas crianças com a síndrome congênita do vírus da Zika.  “Publicamos evidências científicas de alto impacto, incluindo The Lancet, JAMA e Arquivos Brasileiros de Oftalmologia, Frontiers e outros. Até o momento, o Departamento de Investigação Científica da Fundação, coordenado pela Dra. Camila Ventura, já publicou 50 artigos científicos abordando o amplo espectro desta síndrome e suas repercussões nas crianças e seus familiares/cuidadores”, afirma.
Ela declara que foram criados inúmeros projetos para oferecer cuidados à saúde das crianças, além de apoio psicológico e social, e destacadas ações sociais e de ensino e pesquisa desenvolvidas pela Fundação Altino Ventura, transformando muitas vidas, inclusive as das crianças com a síndrome congênita do vírus da Zika, e o reconhecimento veio através do Prêmio Antônio Champalimaud de Visão 2019. “Em vida, poder receber a Medalha de Ouro Moacyr Álvaro, conferida no Congresso SIMASP em São Paulo (2017), a Medalha Grande-Colar do Mérito, conferida pelo Supremo Tribunal Federal em Brasília (2017), e a Medalha Humanitária Benjamin F.Boyd, conferida pela Associação Panamericana de Oftalmologia em Cancun (2019), além de outros reconhecimentos oferecidos por meus pares e pela sociedade quanto à importância do trabalho desenvolvido por todas as nossas equipes, muito me emocionou e impactou”, avalia.
A médica diz que poder relembrar sua trajetória de vida, os combates enfrentados em prol das pessoas com deficiências, as suas amplas e profundas necessidades sociais, muitas vezes a sustentaram e não permitiram que desistisse de lutar. “Deixo aqui como legado para as próximas gerações de mulheres oftalmologistas brasileiras que saibam e acreditem no potencial e capacidade que têm”, aconselha a especialista, enfatizando que a causa que abraçaram é muito importante (combater a cegueira e reabilitar a visão) e vale a pena cada lágrima, cada palavra dura ouvida, cada dificuldade enfrentada. “Quando entendemos a importância desta causa que escolhemos e olhamos para nossos pacientes com compaixão e amor, não desistimos. Por isso digo, tenham esperança em Deus e façam sempre o seu melhor a cada dia. No final, valerá a pena terem combatido uma luta tão digna, pois para Deus não existe o impossível”, conclui Liana.

Fonte: Revista Universo Visual

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