Paulo Schor – Diretor de Pesquisa e Desenvolvimento Tecnológico da Unifesp e Professor-Chefe do Setor de Óptica Cirúrgica da Escola Paulista de Medicina.
A prescrição de óculos e a cirurgia de catarata sempre foram “comodities” que faziam parte das especializações em oftalmologia, após a graduação em medicina. Ainda hoje os residentes e estagiários tem uma demanda e queixa a esse respeito: “Há pouca orientação para refração” (reconhecidamente importante na pratica diária) e “baixo volume de cirurgia de catarata” (os formandos entendem que mais horas de pratica trazem segurança em um procedimento que será tido como rotineiro).
A incorporação da tecnologia dos anos 70 permitiu avançar no campo da cirurgia refrativa, com o advento de incisões que induziam deformações corneanas “controladas”, ou RK, e reduziam a miopia. Nos anos 80 o excimer laser tomou o controle e cenário, e até hoje realizamos fotoablações mais precisas e estáveis, na superfície (PRK) ou estroma (LASIK); completamente guiados por laseres (iLASIK), e eventualmente personalizados com base em mapas de aberrações de cada sistema visual. Hoje se reduz a miopia, astigmatismo, hipermetropia e os sintomas da presbiopia.
A extração intracapsular do cristalino completamente opaco (catarata), com correção da afácia por óculos, dos anos 1970, também deu lugar as lentes intraoculares rígidas de 1980 e abriu caminho para a facoemulsificação dos anos 1990, com lentes dobráveis e atualmente tóricas multifocais, e de foco estendido. Tais lentes podem ser inseridas com o auxílio de realidade aumentada, com manipulação e ajuste intraoperatório, levando a uma alta precisão refracional pós-operatória. Continuamos nos comprometendo com a “diminuição no uso de óculos ou lentes de contato” através das técnicas utilizadas na óptica cirúrgica, e ouso dizer que a cada década conseguimos uma maior independência dos auxílios ópticos externos.
O que une essas duas histórias é exatamente a modulação da refração (óptica), por procedimentos invasivos, não reversíveis (cirurgia). O personagem central (paciente), de ambas as rotas, pode hoje participar de escolhas. Quando e como ser operado, ou ainda& não ser operado se houver a sensação de risco maior que benefício. Pelo conhecimento e controle dos riscos e benefícios, nos permitimos (e os pacientes demandam) dividir a responsabilidade sobre um resultado esperado.
O oftalmologista de hoje teve sua potência tecnológica aumentada, bem como sua responsabilidade com resultados, e aquelas duas queixas iniciais se multiplicaram: falta treinamento sobre como abordar o paciente, sobre tipos de lente, calculo biométrico, cobrança em re-operações, sensibilidade ao contraste, profundidade de foco, aberrometria, centralização, biocompatibilidade das lentes& e o “commoditie já não existe do modo como era entendido no século passado.
Claro que a técnica cirúrgica é fundamental, e não pode comprometer o raciocínio e preciso cálculo óptico. Há de se operar bem, de modo que os “olhos não sintam” (frase atribuída ao grande amigo e pioneiro da óptica cirúrgica em nosso meio, Prof. Walton Nosé) o procedimento. Diga-se de passagem, que operar rápido não é operar bem! Mas há de se pensar muito rápido e muito bem!
A interlocução humana, em conjunto com o domínio técnico e do desenvolvimento tecnológico, está mais presente do que nunca nesse ambiente centrado no paciente. Felizmente, para os reticentes quanto ao avanço da inteligência artificial, a mesma evolução tecnológica que deixa nossa precisão na casa do quarto da dioptria (0,25) ainda não consegue ouvir o ser humano. Ela entende e traduz palavras, e classifica resultados numéricos, mas a emoção, empatia, modulação, que trazemos no DNA, e treinamos desde o útero, são as ferramentas intuitivas que nos diferenciam e por hora afastam o medo da substituição pelos algoritmos.
Há alguns anos fizemos um experimento que fotografava a cada hora a vida diária de candidatos a cirurgia de catarata, e pensávamos que pela análise das fotos, relacionando distancia, iluminação e contexto nos sentiríamos confortáveis em indicar um ou outro tipo de lente ou estratégia cirúrgica, mas não foi o caso. Tivemos de revisar as fotos com os pacientes, para entender, junto com eles, qual a importância de cada momento. a partir dessa interação humana foi possível a escolha de lentes mais apropriadas, aparentemente melhorando o resultado baseado na expectativa de cada um (http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0004-27492015000200008&script=sci_abstract).
Maior conhecimento dos pacientes, sem indicação cirúrgica na primeira consulta. Crescente comprometimento com os resultados, expondo os riscos e estatísticas abertamente. Treinamento manual constante, evoluindo com consciência. Essas são algumas “dicas que irão certamente enriquecer a qualidade do serviço prestado, e justificar a qualificação de ser um especialista em óptica cirúrgica. O que consegue resultados ópticos excelentes, e que conhece detalhes, que fazem a diferença.
Fonte: Universo Visual