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 “Eu preciso entender o paciente. E para entendê-lo só existe uma maneira: conversa”. É assim que Wallace Chamon, professor da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), descreve o princípio básico para iniciar o atendimento de um paciente com indicação de cirurgia de catarata.

Detalhar estilo de vida, necessidades e objetivos visuais. Além disso, conhecer histórico médico e as correções refrativas a serem feitas na cirurgia são a chave para a satisfação do paciente, confirmam os especialistas.

Essa avaliação inicial para personalizar a cirurgia vem do status refracional e entender a satisfação ou insatisfação do paciente com o uso dos óculos é muito importante. “Cada pessoa vai referir o motivo pelo qual ela está ali em seu consultório: não precisar dos óculos para ler um cardápio ou para ler um discurso, por exemplo, pode ser muito valioso”, expõe Hamilton Moreira, doutor em oftalmologia pela UNIFESP e Diretor do Médico de Olhos S.A.

Avanços e tecnologias
Ao detalhar a trajetória para a personalização da cirurgia de catarata, a primeira coisa a ser considerada foi o aparecimento das lentes difrativas, diz Chamon. “Em segundo lugar a evolução dos desenhos difrativos e, mais recentemente, o renascimento de ópticas refrativas”.

Com as novas ofertas de melhores lentes por parte da indústria e o avanço das técnicas cirúrgicas, a dependência dos óculos foi diminuindo. “Há mais ou menos 30 anos deixamos de simplesmente devolver a visão ao paciente. Hoje podemos melhorar a qualidade de vida deles. Além disso, o nosso Conselho admitiu a cirurgia facorefrativa com finalidade exclusiva de melhorar a refração do paciente”, relembra Moreira. “Com o advento das lentes bifocais conseguimos superar a presbiopia; essa foi a última fronteira a ser desbravada pelas lentes intraoculares”, comemora.

Antigamente a catarata era uma doença que se caracterizava pela opacidade do cristalino. Como destaca Moreira, hoje em dia não é mais assim. “O termo já se aplica ao cristalino que perdeu a condição óptica adequada e não está entregando a qualidade de visão que o paciente deseja”, diz.

“A tecnologia de manufatura das lentes intraoculares evoluiu muito nos últimos anos. As lentes hoje são basicamente de acrílico modificado, dobrável, que nós conseguimos implantar por uma incisão pequena, de dois milímetros, sem a necessidade de sutura. Isso diminui muito os riscos de complicações e acelera muito a reabilitação visual, a recuperação do paciente”, diz Sérgio Kwitko, presidente da Sociedade Brasileira de Córnea.

WALLACE CHAMON Professor da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP)

Preço x valor
De acordo com o presidente da Sociedade Brasileira de Córnea, o preço das lentes ainda pode ser um dificultador. “Como as lentes ainda são produzidas em outros países – como na Europa, E.U.A. e Japão, principalmente – os valores chegam em euro ou dólar, então temos essa questão financeira. Os planos de saúde não cobrem essas lentes chamadas de premium, cobrem somente as lentes básicas. A ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) regulamenta que o plano de saúde é obrigado a fornecer uma lente intraocular, mas não estipula qual tipo. Então a cobertura é de uma lente boa, mas mais simples, monofocal, não corrige astigmatismo, não tem foco estendido, não é multifocal. Então esse custo acaba sendo do paciente e, em alguns casos, isso pode, infelizmente, ser um fator limitador”.

Lente certa para o paciente certo
Atualmente, as lentes disponíveis permitem maior ou menor amplitude na distância de foco. “As monofocais visam dar a visão para uma distância só – normalmente são calculadas para longe e então o paciente ainda precisa usar óculos para perto. Já as lentes de foco estendido tem uma amplitude maior – ou seja, o paciente usará óculos somente quando as lentes forem muito pequenas. Temos também as lentes trifocais, que possibilitam praticamente uma independência dos óculos”, explica Moreira.

SÉRGIO KWITKO Presidente da Sociedade Brasileira de Córnea

“Hoje temos um portfolio de opções para apresentar ao paciente e avaliar o que ele quer”, comenta Chamon. “Quais são as exigências visuais diárias do paciente? Qual a distância, a quantidade de luz em que ele vai trabalhar. Depois que eu entendo o que o paciente faz, eu preciso entender o que ele valoriza. Por exemplo: não ter que refazer a cirurgia, ou seja, ele preza pela segurança; ou, o que eu mais valorizo é não precisar usar óculos; ou, ainda, eu valorizo que, com os meus óculos eu tenha a visão mais perfeita possível. São perfis e personalidades diferentes, não existe uma regra. Para conhecer essa escala de valor e entender qual seria a melhor opção, é preciso conversar com o paciente”, detalha. Chamon explica ainda a importância da atenção a altura do paciente para a tomada de decisão em conjunto, pois é nesse tipo de detalhe que está a diferença da personalização.

Moreira conta um caso particular para exemplificar a personalização na prática. “A minha mãe queria fazer a cirurgia porque ela desejava ler e ter uma visão normal sem óculos. Nesse caso usamos uma lente trifocal, para longe, médio e perto. Já o meu pai não tinha problemas em usar óculos. Colocamos uma lente para que ele pudesse dirigir sem óculos, mas, para ler, ele ainda usa os óculos. De acordo com as possibilidades buscamos oferecer a melhor alternativa para cada paciente”.

“A depender dos hábitos de cada pessoa, escolhemos uma ou outra lente. Para quem tem a necessidade de dirigir à noite, por exemplo, nós priorizamos isso em detrimento da visão de perto, visto que as lentes que dão uma visão de perto muito boa normalmente propiciam um certo ofuscamento à noite. Dessa forma ele tem que saber que vai enxergar muito bem de longe e numa distância intermediária, como o painel do carro. No entanto, para uma leitura prolongada ele vai precisar dos óculos”, comenta Kwitko.

Nem sempre o cliente tem razão
Existem vários critérios médicos que devem ser adotados para a escolha das lentes. “Não é todo paciente que pode receber uma lente multifocal. As lentes monofocais e de foco estendido são mais permissivas, então são mais indicadas para pacientes que têm outras patologias além da catarata, como uma degeneração da mácula, por exemplo”.

“Quando há irregularidades corneanas – como cirurgias refrativas, transplante de córnea, cicatrizes, ceratocone, entre outras – quando notoriamente importantes, estas podem impactar no resultado da cirurgia”, fala Chamon. Assim, explica, há casos em que o paciente não pode deliberadamente escolher o tipo de lente que deseja usar; a experiência do médico nesses casos será determinante para uma avaliação mais precisa.

“Uma boa avaliação de comorbidades, da superfície e lubrificação do olho também é muito importante, pois a performance das lentes pode não ser adequada. Se fez uma cirurgia e está curado, não tem problema. Agora, fez uma cirurgia de retina e tem uma sequela, certamente esse não é um bom candidato para esse tipo de cirurgia”, reforça Moreira.

HAMILTON MOREIRA Doutor em oftalmologia pela UNIFESP e Diretor do Médico de Olhos S.A

O que esperar para o futuro
Segundo Kwitko, temos muito a avançar ainda. “Avançamos muito nos últimos anos, como com a precisão da correção do grau. Com a evolução das lentes também, mas elas tem limitação. Uma das principais é o ofuscamento à noite, então isso é possível melhorar com o avanço da tecnologia. Existem as chamadas lentes acomodativas, que tentam imitar o funcionamento do cristalino há algum tempo, mas ainda sem eficiência; é uma lente que se mexe dentro do olho e muda a curvatura dentro do olho, como o cristalino jovem, normal. Há também algumas tentativas, inclusive comercialmente disponíveis fora do Brasil, de lentes ajustáveis, em que é possível ajustar o grau da lente fazendo um laser, sem a necessidade de realizar outra cirurgia. Uma alternativa que já se tentou sem sucesso e que eu acredito que vá avançar é: em vez de implantar uma lente, simplesmente esvaziar o cristalino, retirar a catarata e preencher o cristalino com uma substância elástica para tentar imitar o colágeno natural a fim de que o cristalino tenha sua forma e função restabelecidos”.

Para Chamon, não se pode precisar em quantos anos, mas a solução está nas lentes eletrônicas. “São lentes que gastam energia e podem mudar o foco automaticamente. Há empresas trabalhando fortemente nisso. Essa lente intraocular usa uma bateria, carregada por indução, provavelmente por meio de energia solar”, vislumbra.

Camila Abranches

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