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Inovação

Fazer pesquisa científica no Brasil requer muito trabalho e dedicação, mas, acima de tudo, paixão. Com todas as dificuldades existentes para quem se dedica a essa área, sendo a principal delas, o apoio financeiro, muitos profissionais optam por realizar pesquisa fora do país. No entanto, sendo pesquisador no Brasil ou fora dele, todos concordam tratar-se de uma experiência altamente positiva e enriquecedora.

A oftalmologista Carolina Pelegrini Barbosa Gracitelli, professora afiliada e orientadora da pós-graduação do setor de Glaucoma da Unifesp/EPM e coordenadora do Centro de Pesquisa Alcides Hirai, comenta que decidiu fazer pesquisa científica antes de se interessar pela oftalmologia. “Foi algo bem peculiar na minha vida, eu estava na faculdade, no 3º ano, e decidi que queria aprender a fazer pesquisa científica”, diz, lembrando quando estudou na Unifesp, um local muito renomado na área de ensino e pesquisa, além de assistência médica. “E eu acreditava muito que uma universidade precisava ter esse tripé, de ensino, pesquisa e assistência, por isso fui procurar um lugar que fazia pesquisa de qualidade e que ensinasse a fazer pesquisa”, acrescenta.

Ela pontua que seu trabalho na Unifesp deu muito certo, porque era um departamento muiIto organizado, bem estruturado e com muito incentivo à pesquisa. “Eu tive a sorte de encontrar um orientador que era muito presente, muito humano e que realmente fez toda a diferença na minha vida científica. E foi lá que eu comecei a aprender a fazer pesquisa, a dar os primeiros passos nessa área, e foi uma experiência maravilhosa, o que me levou a optar três anos depois pela oftalmologia, quando tive que escolher a minha especialidade no 6º ano”, relembra Carolina, afirmando que as áreas de pesquisa em que atuou foram nas suas subespecialidades, que são glaucoma e plástica ocular.

Eduardo Melani Rocha, professor de Oftalmologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP-USP), esclarece que seu interesse em pesquisa vem desde a infância. “Cresci em um ambiente familiar de professores universitários dedicados a ciências da saúde, medicina e cuidados com as pessoas. O curso médico na Unicamp me permitiu enriquecer essa curiosidade científica com as atividades de iniciação em farmacologia clínica e oftalmologia”, lembra o especialista, informando que veio daí o interesse em investigar as causas e mecanismos das patologias, as condições sistêmicas que explicam as doenças oculares e potenciais tratamentos. “Isso se tornou um objetivo de vida e essa experiência acadêmica me deu ferramentas e impulso para continuar nesse propósito”, complementa. 

Para o médico, os pesquisadores jovens têm enorme entusiasmo, mas também muita angústia por achar que não compreendem e não são compreendidos em todo o universo do seu trabalho de pesquisa. “Agora, eu me percebendo um pesquisador sênior, vejo essa atividade como a de semear ou plantar árvores. Boa parte dos frutos, benefícios e resultados são colhidos e reconhecidos a médio e longo prazo, ainda que algo se perca no tempo”, observa Rocha. Ele pontua que há muita relevância imediata e de curto prazo em vários projetos de pesquisa, mas isso porque outros pesquisadores e pesquisadoras abriram caminho e criaram condições para que o sucesso de uma pesquisa ocorra mais rápido.

“No caso do nosso grupo de pesquisa, considero um grande êxito o número e a qualidade dos pesquisadores que formamos e ajudamos a formar; as descobertas sobre a utilidade da insulina na superfície ocular; as informações sobre mecanismos de doenças que afetam a superfície ocular e a glândula lacrimal”, continua o oftalmologista, citando outras pesquisas, como a prova de conceito em modelo animal que propõe a glândula lacrimal como alvo de terapia gênica para doenças da superfície ocular. “Além das colaborações internacionais que ampliaram nossos horizontes e apresentaram o Brasil científico para diversos grupos de diferentes países”, declara.

Pesquisa no Brasil x no exterior
Na opinião de Carolina, a pesquisa no Brasil é muito desafiadora: “Eu fiquei um tempo nos EUA e tive uma experiência muito positiva, mas acredito que somos muito capazes de fazer pesquisa de qualidade no Brasil, pois temos um perfil batalhador e isso faz com que também consigamos publicar nas revistas de alto impacto, porém, obviamente as dificuldades são maiores aqui do que fora do país”, ressalta a médica, esclarecendo que as duas principais dificuldades são a falta de apoio financeiro e a falta de tempo. “Não temos essa cultura no Brasil de ter um período livre só para se dedicar à pesquisa, dessa forma, acabamos fazendo pesquisa em lugares diferentes dos nossos de atuação”, afirma.

Contudo, para ela, a falta de apoio financeiro é, sem dúvida, a questão mais complicada, porque muitas vezes para se conseguir mandar um aluno para apresentar um trabalho fora ou para publicar em uma revista que tenha um determinado custo, existe grande dificuldade no Brasil. “Quando eu estava no fim da minha residência, indo para a especialização, eu optei por fazer glaucoma e plástica ocular na Unifesp e, nessa fase, comecei a pensar em fazer meu doutorado ‘sanduíche’, que é fazer uma parte no Brasil, outra parte nos EUA e depois voltar e defender a tese aqui”, relata a oftalmologista, comentando que foi procurar instituições fora do país que contemplavam suas subespecialidades. “Eu fui pesquisar os orientadores, as suas linhas de pesquisa, que é bastante importante, fui conhecer o perfil dos orientadores e da instituição”, conta.

Ela embarcou para os EUA e ficou um ano fazendo o doutorado “sanduíche” com o professor Felipe Medeiros na Universidade da Califórnia, em San Diego. “Fui com o auxílio de pesquisa da CAPES (agência de fomento à pesquisa), apoiado pelo Depto. de Oftalmologia da Unifesp, que é muito bem estruturado e me deu todo o apoio e toda a infraestrutura que eu precisava para ir, e foi um ano fantástico, em que eu realmente pude me dedicar à pesquisa, fiquei totalmente imersa nesse universo”, relembra a pesquisadora. Ela comenta que foi na universidade americana que aprendeu a escrever artigo científico e a fazer estatística. “Eu tive a sorte grande de ter tido um orientador maravilhoso, assim como eu tive aqui no Brasil a orientação do prof. Augusto Paranhos, que foi o meu orientador de iniciação científica no 3º ano da faculdade, de doutorado e de pós-doc também, quando eu voltei para o Brasil”, diz a especialista.

Para Rocha, a pesquisa realizada no Brasil e em muitos países do exterior é fortemente fomentada por iniciativa estatal, portanto, trata-se de um financiamento através de impostos pagos pela população. “Uma das diferenças é que no Brasil outras prioridades dificultam obter parcelas mais significativas para o investimento em pesquisa científica. A outra diferença é que a transposição para a tecnologia e geração de novos produtos que entram no mercado, recompensando o esforço social e econômico do investimento público, acontecem de maneira menos eficiente no país”, avalia o pesquisador, salientando que, dessa forma, há menos produtos genuinamente nacionais com grande impacto inovador no país e no exterior.

“Há na história do Brasil um grande número de cientistas inovadores, como Santos Dumont, Vital Brasil, Carlos Chagas, Sergio Ferreira e tantos outros, mas uns poucos de outros países, como Thomas Edison, Nikola Tesla e Steve Jobs, têm trabalhos que estão presentes na nossa vida diária”, revela o médico. Dessa maneira, ele diz que não considera pior fazer pesquisa no Brasil, mas sim que há uma necessidade de incrementar o ambiente de desenvolvimento tecnológico para que os resultados sejam apropriados e beneficiem o país. “Isso depende de esforço constante e coordenado de nós, pesquisadores, do Estado e da iniciativa privada, em um ambiente que é bastante competitivo”, completa.

Pesquisa científica propiciando atualização constante
Segundo Carolina, a pesquisa traz muitos benefícios para quem atua nessa área. “A pesquisa não está diretamente relacionada com o nosso sucesso no consultório ou número de pacientes que atendemos, nada disso, mas ela faz com que tenhamos contato e convivência com profissionais muito inteligentes e muito interessados, que querem continuar aprendendo e estudando”, afirma, enfatizando que para qualquer médico, de qualquer área, essa é uma questão fundamental. “É a gente não se acomodar, ir atrás das atualizações, tanto em relação ao tratamento clínico quanto o cirúrgico, bem como no diagnóstico e acompanhamento das doenças. A pesquisa faz isso, faz a gente se forçar a ficar sempre atualizado e estar em contato com pessoas muito boas que irão sempre nos impulsionar a ir para frente; ela é muito positiva nesse sentido”, analisa a médica.

A cirurgiã conta que há dois anos se tornou orientadora da pós-graduação da Unifesp. “Agora eu já tenho alunos de outras áreas. Dessa forma, eu oriento teses em oftalmopediatria e em retina também, e isso faz o ciclo de pesquisa ficar muito rico, porque posso atuar em outras subespecialidades. Assim, além de eu ter uma linha de pesquisa em glaucoma e superfície ocular, também atuo em uma terceira subespecialidade, que é córnea, o que aprofunda o meu conhecimento”, observa, destacando, ainda, a pesquisa multidisciplinar realizada em outras áreas da medicina. “Um exemplo disso é a neurologia, temos uma linha de pesquisa com ressonância magnética, e atuamos também com a psiquiatria, com pesquisas relacionadas às desordens neurocognitivas e as alterações oftalmológicas”, conta.

Carolina informa que foram criadas pesquisas muito interessantes no Depto. de Oftalmologia da Unifesp. “Hoje temos linhas de pesquisas na área de diagnóstico e de tratamento clínico e cirúrgico, e conseguimos publicar em revistas de grande impacto, assim como é feito em países como EUA e da Europa, que estão sempre ditando as condutas da nossa especialidade”, revela, pontuando que atualmente o país tem pesquisas de muita relevância e isso é uma das maiores conquistas da ciência brasileira. “Uma outra questão importante é que durante as pesquisas nas faculdades, na residência, a gente descobre alunos muito bons, muito dedicados, que acabam se interessando pela oftalmologia quando começam a fazer pesquisas nessa área, o que é muito positivo para a nossa especialidade”, opina a médica.

Perguntado se teria alguma dica para fornecer ao profissional que está interessado em pesquisa cientifica no Brasil, Rocha destaca que quem tem interesse por essa área precisa entender que trabalhar com pesquisa exige profissionalização na atividade cientifica. “A iniciação na faculdade, a pós-graduação e a convivência e atuação em pós-doc ou na forma de complementação da especialização podem ser caminhos para adquirir ferramentas para colocar em prática a execução do seu projeto”, esclarece, salientando que por ser um trabalho de médio e longo prazo, a ideia é começar o quanto antes, pois a atividade científica possui momentos bem difíceis. “Mas olhando em perspectiva é uma profissão muito divertida e nada monótona. Um exemplo disso é o que se sabia de olho seco e doenças de superfície há 30 anos e o que temos de conhecimento sobre isso hoje. Esse tipo de conhecimento/avanço somente é obtido através de muita pesquisa”, conclui o oftalmologista.

Uma visão filosófica do papel do pesquisador
Para o oftalmologista Marcony Santhiago, editor associado do Journal of Refractive Surgery e editor de sessão do Journal of Cataract and Refractive Surgery, a sensação de se tornar um pesquisador vai amadurecendo com o tempo. Atualmente ele atua como professor livre-docente e orientador de Doutorado na Universidade de São Paulo (USP) e diz que possui uma visão diferente da que tinha 15 anos atrás.

“Tenho hoje uma visão mais filosófica do papel do pesquisador. É importante entendê-lo como um profissional que questiona e busca respostas”, afirma, salientando que esse entendimento é diferente de rotular o pesquisador como simplesmente uma pessoa que acredita em algo e defende algum tema. “O compromisso do pesquisador é com a verdade. Digo isso porque esse pensamento nos leva a duas ações – questionar e buscar – que influenciam nossas vidas de um modo geral”, declara.

Segundo o especialista, é necessário ter mais ciclos de repensamento. “Precisamos sempre reavaliar se estamos certos ou não e ter flexibilidade ao ouvir outros argumentos que possam refutar aquilo que acreditávamos antes. Isso é fundamental.” Na opinião do professor, a maior dificuldade para o pesquisador no Brasil é encontrar cenários estruturados de pesquisa que funcionem independentemente de uma pessoa. “Ainda há muita correlação com pessoas e menos com estrutura de lugar. Claro que há exceções, alguns poucos lugares têm essa estrutura, mas, em geral, a pesquisa no contexto da oftalmologia ainda depende muito de um pesquisador”, aponta.

Quanto à experiência de realizar pesquisa científica fora do Brasil, o médico diz que em primeiro lugar é importante não generalizar. “Há sim lugares (e pessoas) incríveis para fazer pesquisa no Brasil e lugares não tão bons nos EUA ou Europa. Mas, em média, a grande vantagem, por exemplo, de centros bem estruturado dos EUA é exatamente já haver uma engrenagem em andamento, além, claro, de estabelecer outros níveis de conexões”, relata, enfatizando que dependendo da infraestrutura, é preciso investimento tecnológico, tempo, material e pessoal em uma escala ainda inviável na maioria dos cenários do Brasil.

Como conselho ao profissional de oftalmologia que tem interesse em se enveredar pelo mundo da pesquisa científica, o especialista diz que é imprescindível contar com mentores/orientadores comprometidos. “Comece com alguém que admire e tente entender o que te motiva. Tecnicamente, diria para sempre ficar atento e evitar que a paixão por algum assunto dê espaço para dois tipos de vieses, porque isso atrapalha o cientista. O viés de desejabilidade e o de confirmação. Mantenha a mente aberta. O doutorado é um bom caminho para quem quer se tornar um cientista e contribuir intelectualmente”, finaliza Santhiago.

Flavia Lo Bello

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