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Elise Taniguchi Müller – Coordenadora do setor de glaucoma do Hospital de Olhos de Blumenau; Fellowship em Glaucoma pela Unicamp; Post Doctoral Research pelo Mass Eye and Ear E Doutorado pela Unifesp

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A perda visual provocada pelo glaucoma está associada a uma diminuição importante da qualidade de vida, mesmo em fases iniciais1. Diante disso, é fundamental que o controle da doença seja estabelecido antes que mudanças significativas afetem o cotidiano dos pacientes1. Com o avanço das tecnologias à laser e o advento de técnicas cirúrgicas menos invasivas, os cuidados com o glaucoma atravessaram uma fase de mudanças, fazendo com que os procedimentos anti-glaucomatosos ocupassem um espaço anteriormente habitado por colírios hipotensores. No entanto, sabemos que a decisão de operar um paciente com glaucoma envolve uma série de fatores, desde àqueles que são intrínsecos à patologia, até fatores individuais como expectativa de vida, aderência medicamentosa e desejo do paciente. Vamos relembrar seis pontos importantes a serem considerados, além da pressão intraocular.

Idade e expectativa de vida

A idade ao diagnóstico é um fator muito significativo em qualquer doença crônica, exercendo um impacto maior no paciente jovem, que tem uma longa expectativa de vida e a dura perspectiva do convívio diário com a patologia e todas as suas particularidades. Sendo assim, pacientes jovens com o diagnóstico de glaucoma trazem uma grande responsabilidade para o médico oftalmologista, que tem a missão de preservar a visão para as próximas décadas2. Além disso, pacientes jovens inevitavelmente tem um grau de exigência muito maior que pacientes idosos, uma vez que ainda estão inseridos no mercado de trabalho. Então, neste contexto, o controle precoce da doença é fundamental3, assim como a escolha de um procedimento que proporcione recuperação visual sem grandes restrições. Por outro lado, apesar de pacientes idosos terem uma expectativa de vida menor e em alguns casos um grau de exigência menor em relação à visão, eles apresentam uma probabilidade maior de sofrer quedas4 e apresentar transtornos depressivos quando são portadores de glaucoma, principalmente em estágios avançados5,6. Além disso, entre idosos com glaucoma é comum a presença de comprometimento cognitivo, uma alteração que pode interferir na habilidade de utilizar colírios e seguir orientações médicas6. Então, a decisão de operar um paciente com glaucoma em idade mais avançada é plausível, mas é preciso levar em consideração as particularidades de cada indivíduo, assim como o suporte familiar pós-operatório que cada paciente apresenta. Pacientes que apresentem doenças terminais ou que estejam em tratamento oncológico devem ser avaliados individualmente e preferencialmente operados apenas em casos de urgência e ameaças graves à visão.

Estágio da doença

A redução da pressão intraocular já se mostrou um fator determinante para o controle da progressão do glaucoma, nos diversos estágios da doença3. Um dos principais fatores de risco para a cegueira é a perda visual avançada ao diagnóstico7. Dessa forma, cada estágio do glaucoma requer uma abordagem individualizada para que se atinja o sucesso terapêutico desejado. Quando a doença é diagnosticada em estágios iniciais, a gama de tratamentos disponíveis é mais ampla e existe espaço para tratamentos menos agressivos. Colírios hipotensores hoje dividem espaço com a trabeculoplastia seletiva à laser, que tem demonstrado resultados comparáveis e até mesmo superiores aos da terapia medicamentosa para o tratamento de casos iniciais de glaucoma de ângulo aberto8. Já as cirurgias micro invasivas, apesar de carecerem de estudos de longo prazo, ganharam espaço para o tratamento de casos leves a moderados, associadas à remoção da lente cristaliniana ou realizadas de forma isolada9,10. No entanto, casos avançados ou que apresentem pressão intra-ocular muito elevada ainda se beneficiam das cirurgias fistulizantes convencionais, que oferecem o maior potencial de redução da pressão intraocular11,12.

Aderência medicamentosa

A aderência medicamentosa é a capacidade do indivíduo em utilizar medicações de forma adequada e seguir recomendações médicas. Infelizmente existem muitas barreiras para que a adesão a colírios hipotensores seja feita de forma eficiente, desde o processo de obtenção das medicações até fatores mecânicos, como não conseguir apertar o frasco corretamente13. Uma vez que o médico detecta a falha neste processo e isto se torna uma condição que ameaça a visão, é necessário agir de forma mais agressiva. O controle da progressão da doença pode ser mais eficiente após um procedimento antiglaucomatoso11.

Localização do defeito funcional

Tradicionalmente, defeitos glaucomatosos funcionais iniciais tendem a acometer as regiões mais periféricas14, apesar de em alguns casos, principalmente no glaucoma de pressão normal, defeitos centrais já se apresentarem de forma precoce15. Sabe-se que defeitos progressivos na região central inferior do campo visual estão associados ao declínio da qualidade de vida em pacientes com glaucoma, uma vez que interferem em atividades nobres como a leitura e a condução automotiva16. Dessa forma, pacientes que apresentem defeitos centrais, precisam de monitorização cautelosa e intervenções mais precoces.

Velocidade de progressão

A estabilização da doença é o alvo do tratamento do glaucoma. No entanto, mesmo sob terapia medicamentosa máxima ou após um procedimento antiglaucomatoso, alguns pacientes ainda apresentam evolução da doença. Pacientes que são considerados progressores rápidos apresentam uma taxa de diminuição de MD (índice global de desvio médio) entre 1 e 2 decibéis ao ano, enquanto os considerados progressores catastróficos apresentam um taxa de diminuição acima de 2 decibéis ao ano, trazendo um risco muito maior de deficiência visual pela doença que progressores lentos17. Este perfil de pacientes necessita de visitas frequentes e indicações cirúrgicas precoces, sob risco iminente de perda da visão em poucos anos. A cirurgia antiglaucomatosa eficiente diminui significativamente as taxas de progressão ao campo visual12.

Vontade do paciente

Quando falamos em cirurgia de glaucoma é importante distinguir as expectativas médicas das expectativas do próprio paciente. Estima-se que enquanto o médico tende a preocupar-se com a estabilização da doença, o paciente inevitavelmente preocupa-se com a diminuição da pressão intraocular, a manutenção da visão e em se manter independente para realizar suas tarefas cotidianas18. Dentro deste cenário, é importante que as expectativas de ambos estejam claras e alinhadas e que a vontade do paciente seja sempre respeitada.

Conclusão

O controle precoce da pressão intraocular proporciona melhor controle da doença e evita medidas mais invasivas no futuro. No entanto, a decisão de operar um paciente com glaucoma envolve inúmeros fatores que vão além da medida da pressão intraocular. Um grande desafio dos dias atuais, de grande ebulição tecnológica, é encaixar cada indivíduo no procedimento mais adequado para o seu caso. Sempre considerando que o paciente precisa estar ciente do propósito de cada técnica cirúrgica, dos seus benefícios e das suas limitações.

 

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