Além de falar sobre o que foi discutido no evento a respeito do estudo AREDS 2, em relação ao tratamento da Degeneração Macular Relacionada à Idade (DMRI), Farah aborda um pouco da história do oftalmologista Jules Gonin e sua grande contribuição à oftalmologia, quando, entre os anos de 1902 e 1921, mudou o cenário da cirurgia de descolamento de retina, ao descobrir que a ruptura da retina era a causa e não a consequência – como se acreditava na época – do problema, e que o tratamento deveria incluir o fechamento da ruptura por cauterização.
Mas foi somente em 1929 que ele recebeu aclamação mundial no Congresso Internacional de Oftalmologia, em Amsterdã (Holanda), por sua técnica cirúrgica. Seu legado vive no hospital oftalmológico de Lausanne, cidade onde nasceu em 10 de agosto de 1870, que leva seu nome; na Medalha Gonin, concedida pelo Conselho Internacional de Oftalmologia a cada quatro anos pela maior conquista em oftalmologia; e em uma rua com seu nome, a mesma em que ele caminhava de sua casa para o hospital todos os dias.
Universo Visual – Conta um pouco para nós como o senhor se se tornou membro do seleto Club Jules Gonin e por que o Club recebeu esse nome.
Michel Eid Farah – O clube ganhou esse nome em homenagem ao Jules Gonin, nascido na cidade de Lausanne, na parte francesa da Suíça, que descobriu a causa do deslocamento de retina e elaborou o tratamento dessa patologia, válido até hoje. Ele publicou a sua descoberta em 1930-32 e foi um gênio, porque não havia naquela época os equipamentos que temos hoje. E ele descobriu que a causa do deslocamento de retina eram buracos ou roturas retinianas e, a partir disso, elaborou os princípios para o tratamento da doença, que seria encontrar essas roturas fechá-las com uma introflexão escleral e uma reação de aderência coriorretiniana, que na ocasião era feita com diatermia, que eram ondas curtas por alta frequência, e que depois foram substituídas por crioterapia e, posteriormente, por laserterapia. E ele descobriu tudo isso com pouquíssimos equipamentos que existiam na época e de baixa qualidade.
Mas como ele era genial, conseguiu dar essa contribuição, que mudou a história da oftalmologia e fez um bem enorme à humanidade, tornando-se um precursor dessa área, e o Club faz uma justa homenagem a ele por isso. Para pertencer ao Club Jules Gonin há uma seleção muito rigorosa, porque ele realiza um congresso a cada dois anos, que tem por objetivo apresentar grandes inovações ainda não publicadas. Só participa do evento quem é membro do Club ou quem é candidato a se tornar membro (como convidado) e ele participa também de outros congressos grandes – através de seu Simpósio Jules Gonin -, como por exemplo o Congresso da Academia Americana de Oftalmologia, o Mundial de Oftalmologia, o Panamericano, o Europeu, entre outros. Para fazer parte desse Club, os médicos convidados devem ser apresentados por dois membros e precisa ter um nível científico internacional reconhecido, com um índice h (número de publicações relevantes citadas por outros autores) elevado.
E existem diversos comitês executivos do Club, eu já participei do comitê durante seis anos como o responsável pela América Latina, e a análise dos novos membros é feita para que sejam selecionados de acordo com critérios estabelecidos, em uma reunião fechada. Os candidatos mandam currículo, cartas de apresentação e mostram o seu trabalho inovador no congresso, desde que o membro titular que o está apresentando esteja na reunião. Assim, existe um processo de seleção bastante detalhado, que demora cerca de seis meses se a pessoa se empenhar bastante. Eu fui o segundo membro do Brasil a fazer parte do Club Jules Gonin, o primeiro foi o Sérgio da Cunha, professor da USP já falecido, e ele me incentivou muito, eu nem sabia da existência do Club na época, mas ele me apresentou e foi o meu sponsor. Hoje acho que somos cerca de dez brasileiros membros do Club.
UV – Onde foi realizada a reunião deste ano e o que foi apresentado em relação ao estudo AREDS 2?
Farah – O congresso foi em um lugar especial, em Dubrovnik, na Croácia, uma cidade espetacular. O Club se caracteriza por intercalar como sede do seu congresso alguma cidade da Suíça e, dois anos depois, alguma outra cidade do mundo. Como desta vez foi na Croácia, na próxima será na Suíça. Em geral, nesses congressos há cerca de 200 participantes, com aproximadamente 100 apresentações de altíssimo nível científico nos três dias de reunião. No caso do AREDS 2, especificamente, a única informação que foi colocada é que todas as suas publicações continuam válidas e que a forma de utilizar o AREDS 2 não mudou em absolutamente nada.
Sendo assim, como não houve nenhuma novidade a acrescentar ou a ser modificada, chancelou-se que o AREDS 2 continua sendo a melhor fórmula para o tratamento da Degeneração Macular Relacionada à Idade. Há muitas pesquisas sendo feitas, mas nada que tenha se mostrado superior até o momento, esse é o primeiro ponto relevante. Na verdade, existem muitas tentativas de se mudar a fórmula AREDS 2 sem embasamento científico, como por exemplo aumentar a dose de luteína e diminuir a dose de zinco, entretanto, nada se mostrou eficaz superiormente à dose e posologia recomendadas pelo estudo. Hoje as publicações AREDS somam mais de 20 ou 30 desse grupo de estudos, que é coordenado pelo National Institutes of Health, nos EUA, um órgão governamental, cuja coordenadora é a Dra. Emily Chew.
Uma das questões mais críticas em relação ao estudo AREDS é a dose elevada de zinco, que é de 80 mg, porém não foi demonstrado que nenhuma outra dose, menor ou maior, seja mais efetiva do que 80 mg. Alguns acham que é uma dose elevada, porque é maior do que a dose diária necessária de zinco, mas não estamos falando de usar suplemento na quantidade diária necessária para cada organismo e sim para uma doença específica, da qual o paciente irá se beneficiar preventivamente com a utilização de uma dose alta desse componente. E confirmou-se que a luteína 10 mg é protetora também.
UV – Com a situação atual do envelhecimento da população, as doenças da retina aumentam? Isso pode determinar tratamentos específicos para cada uma dessas doenças?
Farah – Sim, com o envelhecimento cresce bastante o número de doenças oculares e a retina e o vítreo não são exceções. O risco de DMRI depois dos 60 anos aumenta. Nós tivemos a oportunidade de ter na Escola Paulista de Medicina pacientes centenários e observamos que 100% deles têm DMRI; não havia nenhum paciente com 100 anos ou mais que não tivesse a doença, portanto, com a longevidade estamos fadados a isso. Dessa forma, a prevenção é importante para amenizar ou retardar muitas doenças, e no caso da DMRI, que aumenta progressivamente com a idade, torna-se cada vez mais importante tentar postergar seu aparecimento, que é realmente o objetivo do estudo e do tratamento do AREDS 2.
O AREDS 2 mostrou que ocorre uma diminuição em 25% no risco de progressão da doença para um estágio grave. Pode não ser um índice ideal, mas o fato é que são mais de dez mil pacientes observados por dez anos ou mais e não se tem nenhuma outra solução melhor do que essa até o presente momento. Há diversas outras questões relacionadas, como a influência dos raios ultravioletas, tabagismo, que também é prejudicial, e antecedentes familiares. E o que está mais se buscando, atualmente, é fazer a correção genética através de introdução de genes para o tratamento da DMRI, assim como já existe a terapia genética para um tipo específico de retinose pigmentar, que também é um tratamento que fazemos na EPM, com a administração de um adenovírus atenuado.
Dessa maneira, no caso da DMRI, o melhor que temos é o AREDS 2, sem mudanças, porque existem outras tentativas de se buscar um tratamento melhor, mas são baseadas em questões comerciais. O próprio produtor do AREDS tem vários outros produtos similares, como o AREDS com ômega, com cálcio, mas lançar um suplemento nutricional no mercado farmacêutico e uma medicação são coisas completamente diferentes, as regras mudam; como é um suplemento, muitas vezes pode ser feita uma modificação sem tanta burocracia e inviabilidades, como existe, geralmente, com os medicamentos. Existem muitas coisas diversificadas, parecidas com o AREDS 2, mas que não têm nenhum benefício adicional e, por vezes, custam mais caro e podem causar riscos, como superdosagem de ômega 3 ou de vitamina A. Essas modificações não são inócuas, muitas vezes, e o paciente não sabe, portanto, é nosso dever recomendar aquilo que é classicamente o melhor sem muitas variações, que são feitas por motivos comerciais e não científicos. Esse conceito ficou muito claro nessa reunião do Club Jules Gonin e eu reforço esse ponto: o AREDS 2 continua sendo o padrão ouro no tratamento da DMRI.