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Por José Vital Monteiro
A atualização do Rol de Procedimentos e Eventos da Saúde, da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), é um dos processos mais esperados por médicos e pelos quase 50 milhões de pacientes que são titulares de algum tipo de plano ou seguro de saúde. Composta de várias etapas, a atualização inicia-se geralmente no primeiro semestre dos anos pares, com a realização de reuniões entre representantes de entidades médicas, de entidades da sociedade civil e técnicos da ANS, continua por todo o ano com encontros, reuniões e deliberações. Prevê a realização de uma consulta pública pela internet e os momentos finais do processo ocorrem no segundo semestre dos anos ímpares, com a publicação do rol propriamente dito e com sua entrada em vigor, no primeiro dia útil do ano subsequente.
O rol da ANS é a lista dos procedimentos, exames e tratamentos que possuem cobertura obrigatória por parte das operadoras de planos de assistência à saúde. Esta cobertura mínima obrigatória é válida para os planos de saúde contratados a partir de 1º de janeiro de 1999, os chamados planos novos, ou os planos contratados anteriormente, mas que foram adaptados à legislação correspondente.
Para os pacientes é importante que esse processo de atualização contemple o maior número e os mais atuais e completos tratamentos, remédios e exames. Para os médicos que atuam na saúde suplementar também é positivo oferecer aos seus pacientes uma gama cada vez maior de opções de tratamento, embora a segurança dos procedimentos adotados seja ponto considerado com bastante atenção. As empresas, por sua vez, preocupam-se, principalmente, com a manutenção do equilíbrio financeiro, que pode ser comprometido com a inserção descontrolada de procedimentos, remédios e exames e com a segurança jurídica, ameaçada pela crescente judicialização da saúde, preocupações que também são constantes nos documentos emitidos pela ANS.
Assim, o processo de atualização do Rol de Procedimentos e Eventos da Saúde é um delicado jogo de interesses e aspirações, nos quais todos querem preservar o equilíbrio do sistema, mas enxergam este equilíbrio a partir de pontos de vista e prioridades diferentes. 
E a Oftalmologia?
Como especialidade clínica e cirúrgica, que atende pacientes de todas as idades e que tem em seu arsenal bom número de procedimentos que são autogerados e realizados em sequência, a Oftalmologia ganha destaque no universo da saúde suplementar. Além disso, graças a um engenhoso sistema de coleta de dados e apresentação de reivindicações nas várias esferas envolvidas na atualização do rol, a especialidade vem tendo importantes solicitações atendidas.
De acordo com o médico oftalmologista e consultor Reinaldo Flávio da Costa Ramalho, um dos integrantes da Comissão de Saúde Suplementar e SUS (CSS.S) do Conselho Brasileiro de Oftalmologia (CBO), a revisão do Rol da ANS admite os seguintes tipos de contribuição: inclusão ou exclusão de procedimentos e inclusão, exclusão ou modificação de Diretriz de Utilização (DUT), que são regras para a cobertura obrigatória.
Em 2 de janeiro de 2016, quatro novos procedimentos oftalmológicos passaram a fazer parte do Rol da ANS:
1.Plástica de conjuntiva para pterígio, tumores ou traumas;
2.Implante intravítreo de polímero farmacológico de liberação controlada;
3.Panfotocoagulação a laser na retinopatia da prematuridade;
4.Termoterapia transpupilar a laser.
 
Na revisão seguinte, que entrou em vigor em 2 de janeiro de 2018, a Oftalmologia foi contemplada com dois novos procedimentos: 
1. Aquaporina 4 (Aqp4): pesquisa e/ou dosagem (com DUT): Exame laboratorial para detecção de anticorpos antiaquaporina que auxilia na diferenciação entre neuromielite óptica e a esclerose múltipla;
2. Radiação para cross linking corneano (com DUT): Procedimento para tratamento do ceratocone.
Além disso, houve duas importantes ampliações de cobertura para procedimentos oftalmológicos já constantes do rol:
1. DUT de tratamento ocular quimioterápico com antiangiogênico para edema macular secundário à retinopatia diabética, para edema macular secundário à oclusão de veia central da retina (OVC) e para edema macular secundário à oclusão de ramo de veia central da retina (ORVC); 
2. DUT de tomografia de coerência óptica: OCT (com diretriz de utilização) para pacientes em tratamento ocular quimioterápico com retinopatia diabética, oclusão de veia central da retina (OVC) e oclusão de ramo de veia central da retina (ORVC).
“Não há dúvidas de que milhares de pacientes foram beneficiados com estas importantes modificações, tendo acesso facilitado a tratamentos e exames fundamentais para a manutenção e recuperação da saúde ocular”, declarou.
Reinaldo Ramalho assinala que as primeiras semanas de vigência do novo rol já permitiram distinguir algumas tendências provocadas pelas ampliações determinadas. A primeira delas foi o aumento do número de beneficiários, principalmente diabéticos, do tratamento ocular quimioterápico com antiangiogênico e dos exames de OCT para estes pacientes. A segunda tendência detectada foi a insuficiência da DUT relacionada com o uso do cross linking corneano.
“A introdução do cross linking não foi iniciativa do CBO, mas da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (CONITEC) e a DUT adotada especifica apenas as exclusões e não os pacientes para os quais o tratamento é indicado. Tal situação está gerando embates técnicos entre médicos e operadoras que poderiam ser evitados se as recomendações do CBO tivessem sido seguidas pela ANS”.
Ramalho afirma que, por conta da situação criada, algumas operadoras estão desvalorizando o cross linking, a única tecnologia comprovadamente eficaz no controle da evolução do ceratocone, celebrando pacotes com valores menores dos que os pactuados pela CSS.S do CBO através de planilha de precificação do evento e dos materiais a ele relacionados.
Já a extensão do tratamento ocular quimioterápico com antiangiogênicos teve grande apelo e foi extremamente benéfica para os pacientes.
“Foi uma das grandes conquistas da CSS.S, pela qual lutamos mais de quatro anos, com dados, pesquisas, apresentação de argumentos e debates em todos os foros necessários. Agora estamos assistindo a uma modificação na relação entre médicos e operadoras, já que algumas delas estão fazendo propostas para aumentar os honorários médicos com a condição de que elas forneçam o medicamento, o que sempre foi o princípio defendido pelo CBO: valorizar o ato médico e não embaralhá-lo com materiais e medicamentos em pacotes que podem até parecer vantajosos, mas são prejudiciais aos médicos e aos pacientes”, declarou.
Ramalho, entretanto, faz questão de afirmar que o Rol da ANS não trata de valores, que são debatidos em outras esferas, principalmente na Associação Médica Brasileira, nos processos de atualização da Classificação Brasileira Hierarquizada de Procedimentos Médicos (CBHPM) e também nas gestões junto às seguradoras, operadoras, cooperativas, empresas de autogestão e entidades filantrópicas.
“São dois processos independentes, mas interligados, nos quais a CSS.S procura defender os interesses dos médicos oftalmologistas e dos pacientes que necessitam de cuidados para manter e recuperar a saúde ocular”, concluiu.
Futuro?
O processo de atualização do Rol de Procedimentos e Eventos da Saúde da ANS para entrar em vigência no início de 2020 já foi iniciado, em conjuntura particularmente delicada para o universo da Saúde Suplementar.
De acordo com a ANS, em dezembro de 2017 havia 47.304.945 beneficiários de planos de saúde, divididos da seguinte forma: 1) Autogestão 4.790.227; 2) Cooperativas 17.449.796; 3) Filantropia 994.020; 4) Medicina de grupo 17.971.206; 5) Seguradora especializada em saúde 6.099.696.
Os planos individuais ou familiares atendiam a 9.171.047 brasileiros, os planos coletivos empresariais 31.556.903 e os planos coletivos por adesão 6.408.671, além de outros 168.324 pessoas beneficiárias de planos coletivos não identificados ou não informados.
Estes números estão algo distantes dos quase 52 milhões de beneficiários que figuravam nas estatísticas da ANS em 2015. Outros números mais preocupantes são os que mostram a evolução da receita de contraprestações pelos serviços realizados dentro do sistema, que mostram retração, ou pelo menos estagnação do segmento:
2014 R$ 126.562.323.016;
2015 R$ 143.316.979.247;
2016 R$ 161.566.876.053;
2017 R$ 132.002.352.414 (até 21 de novembro).
As diferentes entidades representativas dos planos de saúde vêm, há algum tempo, propondo novas formas de remuneração que substituam o sistema fee for service (pagamento por serviço ou ato) que, segundo elas, incentiva o desperdício e, por vezes, até a fraude. Já as empresas, principalmente as de maior porte, tentam impor pacotes considerados draconianos e prejudiciais pelos médicos, já que incluem vários procedimentos e exames num único conjunto, sem levar em conta as necessidades dos pacientes.
Além disso, o Ministério da Saúde e a própria ANS vêm, por sua vez, aventando com cada vez maior frequência a hipótese de adoção de planos de saúde populares ou acessíveis, isto é, planos com coberturas menores e menos abrangentes, que poderão ser comercializados por preços menores e que, caso adotados, significariam a perda quase total do significado do Rol de Procedimentos e Eventos da Saúde, já que cada operadora e cada plano teria o seu próprio rol de eventos que seriam cobertos.
Mesmo assim, o CBO e a CSS.S estão realizando reuniões com representantes das chamadas sociedades temáticas para verificar as reivindicações de inclusões/exclusões e modificações no rol e traçar as melhores estratégias para sua apresentação na ANS ou na AMB, ou em ambas, conforme o caso.
“Além das eventuais correções no rol atual, como no caso do cross linking, existe forte tendência para reivindicar a elaboração de uma DUT que permita a utilização do OCT para o diagnóstico do glaucoma, além de muitas outras solicitações das várias sociedades de subespecialidades. Não vai dar para incluir tudo, mas pelo histórico de trabalho sério que o CBO e a sua CSS.S apresentam, bem como pela importância que a saúde ocular vem assumindo, é provável que a partir do primeiro dia útil de janeiro de 2020 tenhamos boas surpresas”, concluiu Reinaldo Ramalho.

Fonte: Universo Visual

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