Uso excessivo de telas, estresse, dieta inflamatória e ambiente urbano criam uma “tempestade perfeita” para o surgimento precoce da doença ocular.
Uma epidemia silenciosa entre os jovens
Antes restrita a pacientes acima dos 50 anos, a síndrome do olho seco (SOS) tem se tornado um problema crescente entre jovens adultos. Segundo um estudo conduzido por pesquisadores da Aston University (Reino Unido) e publicado na revista The Ocular Surface, 90% dos jovens avaliados apresentaram ao menos um sinal clínico da doença
Síndrome do olho seco já atinge…
De acordo com o André Lopes, oftalmologista do Instituto de Olhos de Belo Horizonte (IOBH), o estilo de vida digital está no centro desse aumento expressivo. “A exposição prolongada às telas reduz a frequência do piscar — de uma média fisiológica de 15 a 20 vezes por minuto para menos de 6 — deixando a superfície ocular desprotegida e mais suscetível à evaporação da lágrima”, explica.
O uso de dispositivos eletrônicos por longos períodos, aliado à má alimentação, estresse crônico, privação de sono e exposição a ambientes com ar-condicionado ou poluição, agrava o quadro e acelera o surgimento da disfunção
O que é a síndrome do olho seco?
A síndrome do olho seco (Dry Eye Disease – DED) é uma condição multifatorial caracterizada pela instabilidade e hiperosmolaridade do filme lacrimal, inflamação da superfície ocular e dano neurossensoria. A lágrima, formada por camadas lipídica, aquosa e mucínica, é essencial para manter a lubrificação, a oxigenação e a defesa contra agentes externos.
Quando há desequilíbrio em qualquer uma dessas camadas, ocorre aumento da evaporação e inflamação ocular. “Esse processo inflamatório reduz a produção de mucina e altera a glândula de Meibômio, criando um ciclo vicioso de inflamação e desconforto”, explica o Dr. André Lopes.
Fatores de risco emergentes
Pesquisas recentes mostram que o olho seco é cada vez mais prevalente entre jovens de 18 a 35 anos, especialmente aqueles que:
- passam mais de 6 horas por dia diante de telas;
- vivem em ambientes fechados e climatizados;
- consomem dietas ricas em ultraprocessados e pobres em ácidos graxos essenciais;
- apresentam altos níveis de estresse e sono irregular.
O uso de cosméticos oclusivos, sabonetes com detergentes agressivos e protetores solares inadequados para a área periocular também foi identificado como fator agravante, pois altera o pH e a secreção das glândulas palpebrais.
Além disso, o consumo excessivo de cafeína e o tabagismo comprometem a estabilidade do filme lacrimal, favorecendo a inflamação e a oxidação da superfície ocular.
Sinais de alerta e diagnóstico
Os sintomas mais comuns incluem:
- Ardência, vermelhidão e sensação de areia nos olhos;
- Visão turva intermitente e fotofobia;
- Cansaço visual, principalmente após o uso de telas;
- Lacrimejamento reflexo (paradoxalmente comum em olhos secos);
- Sensação de corpo estranho e desconforto ocular.
“O paciente costuma relatar cansaço ocular e acredita que precisa trocar o grau dos óculos, quando na verdade sofre de olho seco. O cansaço é um sintoma, não um diagnóstico”, ressalta Lopes.
O diagnóstico é confirmado por meio de testes clínicos e instrumentais, como:
- Teste de Schirmer (quantifica a produção lacrimal);
- Tempo de ruptura do filme lacrimal (BUT);
- Osmolaridade da lágrima;
- Meibografia (avaliação das glândulas de Meibômio);
- Coloração com fluoresceína e lisamina verde (para detecção de dano epitelial).
Complicações e impacto funcional
Sem tratamento, a síndrome do olho seco pode causar lesões epiteliais corneanas, aumento da susceptibilidade a infecções oculares e redução progressiva da acuidade visual. Além do impacto físico, há também consequências cognitivas e emocionais, incluindo queda de produtividade, ansiedade e piora da qualidade de vida.
Tratamentos disponíveis e avanços recentes
O manejo da síndrome do olho seco envolve abordagem multifatorial e personalizada, com foco na restauração do equilíbrio do filme lacrimal e no controle da inflamação. Entre as principais estratégias estão:
💧 Terapias de primeira linha
- Lágrimas artificiais sem conservantes (uso contínuo);
- Higiene palpebral e compressas mornas;
- Suplementação com ômega 3 e ômega 6, fundamentais para a camada lipídica.
💡 Terapias de segunda linha
- Luz pulsada intensa (IPL): melhora a função das glândulas de Meibômio e a estabilidade do filme lacrimal;
- Antibióticos tópicos (como azitromicina) para controle da blefarite e modulação da secreção sebácea;
- Colírios imunomoduladores (ciclosporina A, lifitegraste) para redução da inflamação crônica.
🧬 Casos graves
- Lentes esclerais terapêuticas, que criam uma película de soro fisiológico entre a lente e a córnea, oferecendo hidratação contínua e alívio imediato;
- Soro autólogo em colírio, para promover cicatrização epitelial em quadros severos.
Prevenção e autocuidado
A prevenção é o pilar do tratamento. O oftalmologista recomenda:
- Regra 20-20-20: a cada 20 minutos de tela, olhar 20 segundos para algo a 6 metros de distância;
- Piscar conscientemente e manter pausas visuais durante o trabalho;
- Manter boa hidratação e alimentação rica em antioxidantes (vitaminas A, C, E, zinco e selênio);
- Evitar o uso prolongado de lentes de contato sem lubrificação adequada;
- Preferir colírios sem conservantes;
- Dormir o suficiente para manter o equilíbrio hormonal e o reparo epitelial.
Conclusão
A síndrome do olho seco tornou-se um indicador do estilo de vida contemporâneo. Jovens conectados, privados de sono e expostos a ambientes artificiais estão experimentando precocemente um problema antes típico do envelhecimento. “O olho seco é um alerta biológico”, afirma Lopes. “Ele mostra que nossos hábitos diários estão ultrapassando a capacidade natural de regeneração ocular. Mudar esses hábitos é essencial — e possível.”
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