Cláudio Silveira – Oftalmologista, Doutor em Medicina pela UNIFESP; Diretor Clínico do Centro de Referência em Toxoplasmose – Erechim/RS
Sérgio Munck – Estatístico, Professor; Pesquisador, EPSJV/Fiocruz
A virulência do COVID-19 foi associada a fatores de risco específicos como diabetes, obesidade problemas cardiovasculares e asma. Recentemente o toxoplasma foi associado a esta lista, em um estudo realizado na Tchecoslováquia.
Em 1923 a toxoplasmose ocular foi descrita pela primeira vez na Tchecoslováquia por Janku que encontrou na retina de um menino com hidrocefalia morto aos onze meses de idade o parasita Toxoplasma gondii, que segundo o autor era o responsável pela infecção geral e pelas lesões oculares. Este parasita já era conhecido conforme os trabalhos de Splendore e Nicolle e Manceuax em 1908.
De lá para cá muito já se fez, mas muito ainda deverá ser feito, porque quanto mais estudamos o Toxoplasma gondii, mais a complexidade de seu comportamento se revela.
Durante muitos anos a toxoplasmose foi considerada uma doença que pode causar lesões oculares que, na maioria das vezes, não envolve outras manifestações sistêmicas.
Nosso grupo publicou em 2001 o trabalho: Ocular Toxoplasmosis: More Than Just What Meets the Eye. Valocchi A L, Nakamura M V, Schlesinger D, Martins M C, Silveira C, Belfort Jr. R & Rizzo L.V, mostrando a complexidade do parasita.
Em 2021/2022, o livro de E. Fuller Torrey relaciona os trabalhos de Jaroslav Flegr na Tchecoslováquia e também outros autores, referindo as alterações de comportamento que podem ser causadas pelo Toxoplasma. Estes estudos foram realizados em roedores, macacos e também observações em humanos.
Os estudos de Torrey mostram que varias manifestações sistêmicas podem estar associadas a alterações no SNC, como Esquizofrenia, Autismo, Déficit de Atenção, Hiperatividade e Parkinson. E por esse motivo a toxoplasmose não deve ser considerada somente uma doença ocular, merecendo uma abordagem sistêmica.
Atualmente o conceito de que a toxoplasmose só causa de uma lesão ocular isolada praticamente acabou. Em relação à prevenção de reativações de lesões oculares, múltiplos fatores estão envolvidos, mas até então não existem estudos conclusivos sobre o assunto.
Enquanto não temos a medicação cisticida e vacinas efetivas que poderão modificar o futuro das recidivas, devemos lançar mão dos recursos que estão ao nosso alcance.
Em 1983, O Connor comentava a possibilidade de o estresse estar relacionado às recidivas.
De acordo com Moisés Bauer, o estresse e a depressão também levam a mudanças de comportamento que podem alterar o sistema imunológico. Por exemplo, os sintomas relacionados com a depressão, como anorexia, desnutrição e insônia, podem afetar o funcionamento das nossas defesas. Dessa maneira, a mudança de comportamento deve ser reconhecida como um importante fator em relação com o nosso sistema imunológico. O estresse psicológico é, de modo geral, um fator de risco importante para o desenvolvimento de inúmeras doenças.
Nesse aspecto, um mistério a ser explicado é porque alguns indivíduos convivem melhor com o estresse do que outros. Talvez isso esteja relacionado com fatores genéticos ou sociais. Atualmente a ciência começa a reconhecer que os sistemas nervoso, endócrino e imunológico estão mais interligados do que se pensava antes. No entanto, ainda estamos vendo apenas a ponta do iceberg e precisamos ainda muitas pesquisas para compreender uma questão intrigante: Por que adoecemos?
Em relação à pergunta, por que adoecemos, podemos pensar em algumas possibilidades:
- ESTRESSE: altera o sistema imunológico e o sono
- POLUIÇÃO: predispõe a infecções, como infecções respiratórias, etc.
- TOXINAS: alimentos com pesticidas, absorção através da pele.
- DESNUTRIÇÃO: deixamos de ingerir minerais, vitaminas, aminoácidos, ácidos graxos.
- INFECÇÕES: toxoplasmose adquirida através da alimentação (verduras e frutas mal lavadas, água contaminada por oocistos, carnes mal cozidas, etc.), parasitas, bactérias, vírus.
Grupo Controle
Para avaliar a frequência de recidivas associadas à COVID-19 comparamos a frequência dos casos encontrados no grupo COVID com retinocoroidite 2020/2021 com as recidivas encontradas no trabalho The effect of long-term intermittent trimetoprim/sulfametoxazole treatment on recurrences of toxoplasmic retinochoroiditis, dos autores Silveira C, Belfort Jr R, Muccioli C, Holland GN, Victora, C, Horta BL, Yu F, Nussenblatt RB, publicado em 2002 no American Journal of Ophthalmology.
O referido trabalho comparou a medicação trimetoprim + sulfametoxazol intermitente, que era usada na época para prevenção de recidivas de toxoplasmose, com um grupo controle.
A conclusão foi que o tratamento intermitente com trimetoprim + sulfametoxazol pode reduzir a taxa de recorrência da retinocoroidite toxoplasmica. Nessa publicação o grupo controle apresentou uma taxa de recidivas de 23,8%, enquanto que o grupo tratado apresentou a uma taxa de 8%.
Portanto a taxa de recidivas na região sul do Brasil é de aproximadamente 23,8%.
Toxoplasmose e Covid
No presente estudo procuramos responder duas perguntas:
1° – Pacientes com COVID-19 apresentam maior número de recidivas de toxoplasmose do que os que não têm COVID-19?
2°- Pacientes com COVID-19 e toxoplasmose apresentam evolução mais grave do que os que não têm toxoplasmose?
O N para esse trabalho é 172 pacientes com COVID-19.
N = 172: 136 pacientes com toxoplasmose e COVID-19 x 36 pacientes sem toxoplasmose, mas com COVID-19
PERGUNTA 1: DESFECHO=RECIDIVAS
Pacientes com COVID-19 apresentam maior número de recidivas de toxoplasmose do que os que não têm COVID-19?
O objetivo do trabalho foi avaliara influência do COVID-19 nas recidivas da retinocoroidite toxoplásmica. Como o toxoplasma é uma doença oportunista e o COVID-19 interfere no sistema imunológico debilitando o paciente, seria esperado que houvesse um aumento no numero de recidivas.
Foi comparado o numero de recidivas nos pacientes que tiveram COVID-19, nos anos de 2020 e 2021 e que tinham previamente retinocoroidite toxoplásmica com o numero de recidivas histórico do trabalho de trimetoprim + sulfametoxazol, de 23,8% (pacientes estudados entre 1998/1999).
N= 96 pacientes com retinocoroidite toxoplásmica e COVID-19
– 19 Pacientes com recidivas
– 19,76%
RECIDIVA DE TOXOPLASMOSE x COVID-19
– Covid leve: 6 pacientes
– Covid Moderada e Grave: 13 pacientes
2020/2021: 19,76% de recidivas
1998/1999: 23,8% de recidivas
Conclusão da 1° pergunta: Não, os pacientes com retinocoroidite toxoplásmica que adquiriram COVID-19 não tiveram aumento no número de recidivas, diferente do que seria esperado.
Mas os que tiveram recidivas apresentaram casos com evolução grave, como no caso a seguir:
Descrição do caso: Paciente de 61 anos, sexo masculino. Adquiriu COVID-19 moderada em dezembro de 2020 e no mesmo mês apresentou baixa de acuidade visual, quando foi detectada toxoplasmose recentemente adquirida. Apresentava IgG positivo e IgM: 22 com cut off > 0,60. Esse paciente foi tratado durante 10 meses para toxoplasmose em sua cidade, sem melhora. Foi examinado em nosso serviço pela primeira vez em 26.10.2021 quando apresentava acuidade visual de percepção luminosa no olho direito, devido a opacidades vítreas importantes secundárias a retinocoroidite exudativa.
Legenda: Retinografia do olho direito permite que se observe o reflexo avermelhado e a impossibilidade de detalhar as estruturas do fundo do olho. Data: 26/10/2021.