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Christye Cantero
Quem tem filhos conhece bem a cena. Desde os primeiros meses, os olhos curiosos do bebê passam de um lugar a outro querendo explorar aquele novo mundo que se abre à sua frente. Alguns olhares são desconfiados, outros parecem estar sorrindo, outros demonstram o afeto mais puro ao encontrar os olhos maternos. 
Mas não são todas as mães que vivenciam essa realidade. Em Pernambuco, por exemplo, há uma criança que não conseguia se interessar por nada à distância, não estabelecia um vínculo com a mãe porque não a enxergava a determinada distância e não podia elevar os olhos. Depois de passar por uma cirurgia, a mãe enviou para a médica que operou seu filho um vídeo mostrando o paciente mirim assistindo a um filme na TV, a dois metros de distância do aparelho. O menino tem Síndrome Congênita do Zika. “Fiquei impressionada. Só acreditei porque é meu paciente. Esta resposta à cirurgia não está em nenhum livro”, comemora Liana Ventura, vice-presidente da Fundação Altino Ventura, diretora  do Hospital de Olhos de Pernambuco, responsável pela cirurgia do garoto.
No final de 2018, foram realizadas em Recife (PE) as cinco primeiras cirurgias no mundo de correção de estrabismo em pacientes portadores da Síndrome Congênita do Zika. “Tivemos sucesso em todas elas. Nesse protocolo, há melhora do campo de visão, correção do estrabismo e os familiares notaram melhoras imediatas”, explica a médica. 
O envolvimento de Liana nesta batalha começou em 2015, quando Pernambuco foi o estado brasileiro com o maior registro de ocorrências de microcefalia em função do vírus da Zika, com 16,9% dos casos. Foi então que algumas instituições passaram a investir em pesquisa para entender a doença. Uma delas foi a Fundação Altino Ventura. “Era uma doença nova e ninguém sabia qual era sua evolução. Foi quando, em dezembro de 2015, passamos a examinar e vimos que a maioria dos afetados tinha deficiência visual profunda. As crianças apresentavam defeito no cristalino e não conseguiam ver de perto, a 30 centímetros, nem o rosto da mãe”, conta Liana.
Além de exames oftalmológicos apontarem que entre 40 e 50% das crianças tinham lesões na retina provocadas pelo zika, o vírus também afeta o sistema visual cerebral, além da visão periférica. O vírus, conforme os pequenos se desenvolvem, provoca o desequilíbrio da estrutura dos olhos e leva ao estrabismo. Segundo pesquisas da Fundação, 87% das crianças afetadas pelo zika têm estrabismo. “Precisávamos fazer algo para corrigir isso. Montamos um grupo piloto para ver como fazer a cirurgia de estrabismo com anestesia geral , lembra Liana. 
A especialista comenta que mais de 80% dos pacientes apresentaram melhora na função visual, na mobilidade dos olhos e na atenção visual após o procedimento.  Após a cirurgia a criança se torna mais participativa nas terapias de reabilitação e, por isso, atinge melhor desenvolvimento global.  “O que é espetacular é perceber resultados tão positivos da correção do estrabismo em crianças com problemas neurológicos porque melhora muito a qualidade de vida. Corrigir um desvio nos olhos permite enxergar o mundo de maneira ampla e completa, a criança fica menos limitada em sua conectividade com o meio ambiente e melhora a coordenação motora por enxergar melhor”, revela. 
A evolução do estrabismo em oftalmopediatria 
De forma geral, quem atua na área de oftalmopediatria lida constantemente com pacientes que têm variados tipos de estrabismo. Para cada um, uma conduta diferente. De maneira geral, o tratamento do estrabismo inclui o uso de tampão (oclusão), de óculos, a cirurgia e também o uso de produtos farmacológicos. 
Mas o que podemos contar de novidades nessa área? Monica Cronemberger, oftalmologista que tem mestrado e doutorado pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e atual presidente do Centro Brasileiro de Estrabismo, conta que em termos de exames de imagem vale a pena ressaltar o uso do OCT (Tomografia de Coerência Óptica) Visante de segmento anterior para medir a distância entre a inserção dos músculos retos extraoculares e o limbo. “Assim é possível melhorar a avaliação pré-operatória de crianças colaborativas e adultos a serem submetidos à cirurgia primária de estrabismo e/ou reoperações. Informações da cirurgia anterior como qual músculo foi operado, quanto retrocedeu, nem sempre são disponíveis, ou na suspeita de escorregamento muscular da sua inserção ou suspeitando-se de inserções originais anômalas , explica. 
Ocorreu também uma melhora na qualidade da imagem na Ressonância Magnética de órbita e crânio, possibilitando melhor compreensão da anatomia e suas alterações que possam ter causado o estrabismo, do trajeto muscular, da presença de deslocamento do músculo na órbita e estudo das polias.
Já em relação ao tratamento e à cirurgia, Monica revela alguns procedimentos e técnicas que surgiram nos últimos tempos. Entre eles estão o split do músculo reto lateral e sua transposição para correção de paralisia completa de III nervo e a plicatura de músculos retos, no lugar de uma ressecção. “A vantagem disso é de não interromper o fluxo sanguíneo no músculo operado. Na plicatura não cortamos as artérias ciliares do músculo extraocular operado , comenta. Há ainda o uso de cola biológica no lugar de sutura de conjuntiva em casos bem selecionados.
Uma substância que precisa sempre ser lembrada quando se fala em alternativa terapêutica em estrabismo é a toxina botulínica do tipo A (TBA). “Ela é usada com ótimos resultados, principalmente no tratamento de paresia de VI nervo e na correção de estrabismo horizontal em crianças com paralisia cerebral , aponta a presidente do Centro Brasileiro de Estrabismo.
A oftalmologista Patrícia Diniz, fellow de estrabismo e oftalmopediatria na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) e com residência de oftalmologia realizada na mesma universidade, diz que no caso do uso da TBA é feita uma injeção intramuscular e o mecanismo de ação é o bloqueio da liberação da acetilcolina pré-sináptica. Segundo a médica, a substância age, em média, por três meses no músculo, mas pelo fato de diminuir a contração e deixá-lo relaxado, proporciona uma mudança a longo prazo por remodelamento dos sarcômeros. “Em alguns casos é necessária a reaplicação, mas em muitos uma única aplicação é suficiente , explica. 
E em tempos em que os jovens estão cada vez mais conectados, há no mercado jogos voltados a quem tem ambliopia e que promovem, ao mesmo tempo, diferentes estímulos visuais para cada olho. “Para a criança conseguir jogar ela tem de forçar o olho que é pior , explica.  
Outra opção para tratamento de ambliopia são os feitos com óculos parecidos com os de realidade virtual pelo qual os pacientes assistem a filmes. “Para o pequeno entender, tem de usar os dois olhos. Durante o congresso American Association for Pediatric Ophthalmology and Strabismus (Aapos), foram apresentados dados que apontam que o tratamento da ambliopia com filmes teve resultado parecido com o uso do tampão. Aqui no Brasil esses óculos ainda não estão sendo vendidos , comenta. 
Triagem 
Um dos grandes gargalos quando o assunto é estrabismo é que muitas vezes os pequenos desvios são descobertos tardiamente, levando muitos a sofrerem de baixa visão. “Em muitos casos de estrabismos de pequeno ângulo, a criança é encaminhada tardiamente para o oftalmologista, o que leva a uma piora no desenvolvimento da acuidade visual que acontece até os seis, sete anos”, aponta a oftalmologista Patrícia Diniz. 
Para auxiliar nesta questão, um equipamento foi lançado durante o encontro anual da American Association for Pediatric Ophthalmology and Strabismus (Aapos), que aconteceu em San Diego, Estados Unidos, e do qual a oftalmologista participou. Trata-se do Rebion s Neural Performance Scanning (NPS) desenvolvido pelo dr. David Hunter em cooperação com as universidades Harvard e John Hopkins. “É muito fácil de usar. O aparelho projeta uma imagem e remete uma luz que passará pela retina, que fixa a imagem. Se em um dos pontos a fixação não for bifoveal, sabe-se que há um desvio ocular”, diz. 
Pesquisas apontam que a eficácia do equipamento é de mais de 90% quando o teste é bem realizado. “Vale ressaltar que é um teste de triagem que serve tanto para o estrabismo quanto para a ambliopia. O teste pode ser realizado por médicos não oftalmologistas e leigos, assim funciona para que quem o aplicou encaminhe o paciente para que o oftalmologista feche o diagnóstico”, comenta Patrícia.
Fake news
Circula na internet uma informação sobre o uso da Reeducação Postural Global (RPG) que, ao ajustar posturas que permitem a reorganização e o reequilíbrio da estrutura corporal, auxilia no tratamento do estrabismo. Isso confere? “Isso não tem nenhuma evidência científica”, alerta Monica Cronemberger.
A oftalmologista explica que há pacientes que têm posição compensatória de cabeça de origem ocular. Estes pacientes realizam um torcicolo por dois motivos. Ou para melhora a acuidade visual, exemplo do bloqueio de nistagmo, ou para conseguir fusão, fugindo de um quadro de diplopia.  Para conseguir fusão, um exemplo bem comum são os quadros de paresia ou paralisia de IV nervo. Nesses casos, se a pessoa fica com a cabeça reta tem diplopia, pelo desvio vertical e também para compensar um desvio torcional. Para fugir desta situação desconfortável, ela inclina a cabeça na direção do ombro oposto ao olho comprometido. “Se uma criança tem torcicolo de origem ocular, começar a fazer RPG ou fisioterapia para o pescoço, não vai resolver nada. Daí a importância dela criança ser encaminhada para um oftalmologista. Se a causa é ocular, ele vai corrigir o problema. Geralmente são casos cirúrgicos”, finaliza Monica.
Em terras brasileiras
Se os Estados Unidos já disponibilizam tecnologia para auxiliar pessoas que têm estrabismo e ambliopia, no Brasil também há pesquisadores atentos que buscam criar produtos inovadores para ajudar no tratamento. Um exemplo vem do Piauí.  Foi no Labiras, centro de inovação do Instituto Federal do Piauí (IFPI), que nasceu o Strabimus. 
O software, cuja patente está registrada no Instituto Nacional de Propriedade Industrial, funciona como óculos 3D de realidade virtual. “Utilizamos os jogos como ferramenta aplicada à área da saúde. A ideia do Strabimus é que os pacientes não tenham de se submeter à cirurgia. Como a visão 3D que vemos no cinema tem uma angulação para cada olho, tentamos adaptar uma das imagens para o olho normal, na angulação perfeita, e ajustar a outra imagem para o outro olho acostumar e ir voltando para o lugar”, comenta Marcelino Almeida, professor de eletrônica e coordenador do Labiras. O coordenador explica que uma limitação do software é que, da mesma forma que não são todas as pessoas que se adaptam aos óculos com realidade virtual em 3D, quem usa essa tecnologia pode ter tontura ou enjôo.  
Leonardo da Vinci e o estrabismo
Um estudo dirigido por Christopher Tyler, da City University, de Londres, Inglaterra, aponta que o fato de Leonardo da Vinci provavelmente ter estrabismo contribuiu para seu senso de perspectiva, aumentando seu campo de visão e percepção de profundidade.  A pesquisa focou em seis retratos e autorretratos feitos ou representando o grande mestre renascentista italiano.
O pesquisador destacou que os olhos dos personagens visíveis nestas obras têm “um ângulo de estrabismo divergente”, especialmente no quadro Salvator Mundi e no San Juan Bautista. Segundo o britânico, “esses indícios sugerem que Leonardo da Vinci sofria de estrabismo divergente intermitente, e também era capaz de alternar para a visão monocular”, destaca Tyler no estudo publicado pela revista médica JAMA Ophthalmology.
De acordo com o estudo, esse distúrbio de visão talvez explique a facilidade de representação de objetos e faces em três dimensões que da Vinci tinha. Tyler aponta que “ver o mundo com um olho só permite comparações diretas com a imagem plana, desenhada ou pintada”, e cita estudos que mostram que outros pintores de renome, como Rembrandt, Dürer, Degas ou Picasso, também tinham estrabismo

Fonte: Universo Visual

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