A oftalmologista Monica Alves, de Campinas, SP, professora e pesquisadora da Unicamp e especialista em Superfície Ocular e Olho Seco, conta que sua carreira foi construída a pequenos passos e momentos de inspiração e oportunidade. Ela diz que a inspiração vem de um professor, um outro colega, um aluno e, muitas vezes, até dos pacientes.
Para ela, é fundamental treinar o olhar para essa busca constante da inspiração. “É esse sentimento que impulsiona a minha carreira”, revela, comentando que na época da faculdade foi uma colega de turma apaixonada pela oftalmologia que a impulsionou na escolha da especialidade. “Os projetos que fizemos juntas contribuíram para minha escolha da residência; depois, durante o curso, meus colegas e professores foram muitas vezes inspiração no meu aprendizado. E mais tarde, já seguindo na direção da pesquisa e da carreira acadêmica, tive grandes mentores”, destaca.
A especialista afirma que encontrou diversas pessoas em sua trajetória profissional que sempre alimentaram a sua busca pela inspiração. “A partir disso, acredito que as oportunidades vão acontecendo, seja na forma de parcerias, de projetos e de aprendizados”, aponta, comentando que durante o doutorado e pós-doutorado, trabalhou tanto com pesquisa básica como com pesquisa clínica. “Adentrar a rotina e os protocolos da pesquisa em modelo animal na época do doutorado foi um desafio imenso. Trabalhei com modelos animais de olho seco e estudos de mecanismos fisiopatológicos da doença”, acrescenta.
Assim, ela transitava diariamente da prática clínica recém-iniciada após o término da residência médica para os experimentos de bancada. “Essas atuações tão distintas me deram habilidades as quais utilizo até hoje em meus projetos de pesquisa. Oportunidades e desafios são grandes ferramentas”, observa a médica. A oftalmologia, de acordo com a especialista, é um campo magnífico para pesquisa, com tantas subespecialidades, várias lacunas de conhecimento, inserção tecnológica e interdisciplinaridade, que permitem fomentar projetos das mais variadas matizes. “Sem dúvida, todos esses aspectos me levaram e me conduzem como pesquisadora na área oftalmológica”, completa.
Participação na TFOS
Na opinião de Monica, a TFOS (Tear Film and Ocular Surface Society) é a sociedade internacional mais importante de sua área na atualidade e possui uma atuação extremamente relevante na organização e divulgação de grandes consensos, realizados sempre com especialistas do mundo todo, com revisões bem embasadas em evidência cientifica e ampla divulgação para a comunidade oftalmológica, pacientes e indústria. “Meu trabalho de pós-graduação foi um dos primeiros contemplados com o prêmio Young Investigator da TFOS em 2005 e foi assim que eu comecei minha participação na entidade”, relembra a oftalmologista.
Depois disso, ela foi selecionada para ser embaixadora da TFOS no Brasil e membro do comitê de epidemiologia no consenso de Olho Seco publicado em 2017. A TFOS realizou consensos sobre Olho Seco (Dry Eye Workshop – DEWS I em 2007 e DEWS II em 2017), Disfunção de Glândulas de Meibômio (Meibomian Gland Dysfunction Report – MGDR 2011) e Desconforto em Lentes de Contato (Contact Lens Discomfort Report – CLDR 2009), e todos eles têm acesso livre ao conteúdo completo das publicações no site e são considerados importantes marcos na área. “O material gerado nesses consensos e as diversas atuações da Sociedade têm grande repercussão na comunidade científica”, esclarece a especialista.
Monica informa que o próximo consenso, em andamento, trará uma abordagem extremamente ampla e atual sobre o impacto do estilo de vida da população nas doenças da superfície ocular em vários aspectos, como nutrição, exposição ambiental, digital, uso de cosméticos e lentes de contato e seu impacto social. “Nesse projeto, tive a honra de trabalhar como vice-presidente ao lado de Jennifer Craig e David Sullivan, além de coordenar o comitê sobre o impacto dos fatores ambientais nas doenças de superfície ocular”, relata, enfatizando que este foi um momento muito importante de sua carreira. “E, com certeza, o conteúdo desse consenso será um grande divisor de águas na nossa área, previsto para publicação no início de 2023”, complementa.
Mulheres inspiradoras
Para a oftalmologista, a participação da mulher em diversas áreas do conhecimento tem sido muito discutida e contextualizada, e ainda há muito a se falar sobre isso. “Infelizmente, o número de mulheres na carreira científica e em cargos de liderança ainda é muito menor do que o de homens. A promoção da equidade de gêneros é trabalho árduo e tarefa de cada um de nós, homens e mulheres”, pontua. Segundo a especialista, desconstruir preconceitos, incentivar projetos e pessoas são formas de apoiar e melhorar a participação das mulheres, e isso deve ser feito de forma consciente e proativa. “Os feitos das mulheres na nossa história científica são cada vez mais notáveis, além disso traduzem uma ciência mais solidária e dedicada”, avalia.
“Precisamos falar mais e mais sobre isso, precisamos valorizar e incentivar e, sobretudo, criar condições para que cada vez mais amplamente, as mulheres tenham oportunidades e incentivos para seguir a carreira acadêmica”, continua a especialista, afirmando que várias mulheres inspiraram e inspiram o seu trabalho: “Procuro sempre me rodear delas e, principalmente, estimular e ajudar outras que buscam essa carreira a trilhar de forma mais efetiva as demandas da ciência e os descompassos da inequidade de gênero”, ressalta. Da mesma forma, ela esclarece que teve grandes mentores homens que incentivaram e proporcionaram o seu crescimento profissional. “E é importantíssimo que saibamos reconhecê-los nesse processo”, declara.
Na sua opinião, a equidade de gêneros na ciência e na sociedade é uma luta de mulheres e de homens, para mudança de paradigmas e estruturas tão consolidadas e, sobretudo, para conquistas mais amplas e igualitárias para todos. Entre as suas inúmeras realizações profissionais, a médica conta que a maior delas foi conseguir conciliar tantos e tão diferentes aspectos da sua vida: a maternidade, as dificuldades ainda impostas à atuação da mulher nessa área, o atendimento clínico e cirúrgico no consultório, o ensino e a pesquisa. “Acho que eu jamais saberia escolher um ou outro e equacionar tantas atuações tem sido desafiador e encantador ao mesmo tempo”, observa.
Ela diz acreditar que essa é uma característica muito feminina, muito presente em sua vida e a qual gostaria de deixar como legado para outras mulheres que abraçarem a profissão. “Executar muitos papéis e muitas tarefas é algo muito intrínseco da alma feminina, tão potente e tão essencial”, enfatiza, salientando que passou, evidentemente, por muitos momentos desafiadores ao longo do caminho, “mas carregar todos esses projetos de vida ao mesmo tempo, amadureceu inúmeras capacidades em mim e a principal delas foi não enxergar esse processo como um fardo, mas uma dádiva…quase um super poder. E nós, mulheres, temos esse poder!”, conclui Monica.
Clínica especializada em olho seco é composta só de mulheres
A CETOS (Clínica Especializada no Tratamento do Olho Seco), dirigida pela oftalmologista Monica Alves, nasceu com a missão de diagnosticar e tratar pacientes portadores da doença do olho seco, uma patologia ocular ocasionada pela lubrificação inadequada da superfície dos olhos, devido à má qualidade ou à quantidade insuficiente de lágrima, problema que está presente em 10% da população. Como diferencial, a clínica é composta unicamente de mulheres, tanto no corpo clínico como nas outras funções.
Monica comenta que quis abrir esse espaço para garantir a equidade de gênero e motivar mais as mulheres. “Eu quero levar a delicadeza e a dedicação do feminino para as minhas áreas de atuação da forma mais direta e intensiva que eu puder, sempre”, afirma a especialista. Ela explica que todas as pessoas envolvidas na criação e no funcionamento da empresa são do sexo feminino e que tem um orgulho imenso dessa escolha e da participação de cada uma delas. “Essas mulheres são também mães, chefes de família e educadoras. O empenho e a dedicação de todas é algo muito marcante e motivo de grande entusiasmo e orgulho”, finaliza a médica.