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Paulo Schor – Cirurgião e Professor de Oftalmologia & Ciências Visuais da Epm-Unifesp, Ficsae-Hiae e Ita
Esse mês fomos palestrantes, novamente, no evento Inside 3D Printing, em São Paulo. O mote desta edição foi “Impressão 3D: A revolução na área médica, no ensino e na industria” (http://inside3dprintingbrasil.com.br/programacao/). Outra vez, em um fórum multiprofissional, que exercita a negociação como recurso mais valioso, aprendi mais do que ensinei. Aliás, a máxima de que temos duas orelhas e uma boca, serve cada vez mais no universo anti-disciplinar. Ouvir, depois pensar, avaliar e então propor uma troca, ou seja, uma “negociação” onde as partes deveriam ceder para otimizar o “ganho”. Perder a timidez, a introspecção, arrogância e a zona de conforto, para depois ganhar conhecimento, e quem sabe, reconhecimento e colaboração. Assim é na zona de colisão intelectual. Território adorável para quem trabalha com a mente.
Nosso grupo conta com a colaboração de químicos, engenheiros, tecnólogos, médicos, físicos e biomédicos, e enquanto parte da equipe modela estruturas aperfeiçoando a programação digital, outra desenvolve biotintas, com células e substância naturais (açaí, barbatimão, etc.). Nos propusemos o desafio de produzir biocurativos a partir de imagens médicas. Já conseguimos imprimir, com precisão, material celular sobre imagens de lesões de nervos corneanos, in vitro. Partimos para a manipulação de imagens de tomografia de coerência óptica (OCT) de buracos de mácula, que poderiam receber preenchimentos personalizados, seguindo a tendência de inclusão cirúrgica de membrana amniótica nesses casos. As ceratopróteses também estão no cronograma de desenvolvimento, agregando impressão 3D convencional e funcionalização com biotintas. No laboratório temos lado a lado várias tecnologias e com certeza precisaremos construir soluções personalizadas para desafios específicos.
Ao lado desses desenvolvimentos pontuais, partimos da questão da baixa visão após transplantes lamelares que carregam estroma (dsaek) versus os mais delgados (dmek), e estamos trabalhando com biovidro como biotinta. Uma das bioimpressoras (TissueJet 1000) de jato de (bio)tinta, tem precisão de até 1 micra, sendo programável por scripts ou imagens. Suas gotas são menores do que a metade do tamanho de uma célula, e o controle de volume e posição nos permite desenhar padrões de adesão nas interfaces ópticas. Com tal ferramenta buscamos uma homogeneidade que pode, além de favorecer a adesão das lamelas, integrar tecidos e melhorar a transmissibilidade e focalização da luz.
Temos seguido o caminho do design centrado no usuário em nossos desenvolvimentos tecnológicos, chamando atenção para a inadequação da ferramenta como centro de tudo, e tentando recolocar a demanda social em primeiro plano. No universo da tecnologia de ponta essa armadilha é especialmente atrativa. A cada novo equipamento adquirido, pensamos em usos e consequentes pesquisas. Acabamos por produzir dados e até conhecimento, mas raramente impactamos o ecossistema de modo suficiente para transformar pesquisas e descobertas em inovações.
A tentação de se comparar um ou outro botão, com botões parecidos de máquinas similares é quase irresistível, e se não forem pós doutores, pelo menos os estudantes de iniciação científica acabarão apresentando esses exercícios acadêmicos em congressos e revistas de baixo impacto. Desperdiçamos tempo dessas jovens mentes, e de seus orientadores, que não formularam perguntas (identificaram os problemas) antes de pensar nas respostas, mas tentaram aproveitar a tecnologia para produzir alternativas.
Felizmente essa crítica e consciência estiveram presentes em todas as palestras que assisti no fórum, e debatemos muito sobre a realidade na impressão de órgãos artificiais, como o recém divulgado coração impresso com células cardíacas humanas (http://tiny.cc/foxe8y). Já tínhamos presenciado a impressão ao vivo de um rim artificial em 2011 (http://tiny.cc/vkxe8y), e hoje segmentamos o problema e partimos para a produção de partes, como o estroma de uma córnea humana (http://tiny.cc/tjxe8y).
Se na academia já direcionamos esforços para desenvolvimentos relevantes, devemos prestar atenção para uma certa incongruência a ser entendida e negociada quando incorporamos novas tecnologias no mercado da saúde. De um lado empresas oferecem soluções herméticas e apostam no convencimento (marketing), ocasionalmente operando milagres sem uma explicação transparente. De outro lado os pesquisadores timidamente fabricam pequenas peças de um grande quebra cabeça, com perfeição, mas sem os encaixes que deixem clara a noção da solução completa. No terceiro vértice os usuários recebem passivamente as atualizações ou melhorias, se adaptando ao produto. Havendo bastante sorte, os três atores se encontraram em algum momento e o sistema poderá se ajustar. Em geral há desperdício de recursos de todas as partes. A indústria gasta demais com marketing, os pesquisadores deixam escapar ideias e descobertas não realizadas, e os usuários perdem tempo e atenção com funções supérfluas (gerando confusão). A desorganização cobra um preço caro.
Colocar a razão, a questão, em primeiro lugar, prospectando soluções em um segundo momento, com o setor produtivo alicerçando o processo, é um caminho já apontado por vários países, e aqui também temos exemplos como os projetos PIPE e PITE da Fapesp, e os polos Embrapii, do governo central. A integração do parque científico bastante produtivo, cultivado por 7 décadas, com profissionais treinados, deve ser aproveitado nas empresas, que são as reais produtoras da inovação.
Queremos que a tecnologia trabalhe em prol do motivo, e não vice-versa. No Brasil 2.0 é fundamental que os profissionais usuários (médicos por exemplo), enxerguem esse cenário, e principalmente participem da articulação e validação de desenvolvimentos tecnológicos. Saber fazer, aprender e avaliar as ideias e encomendas, nos permitirá avançar e atuar globalmente. Temos a responsabilidade de ser mais que excelentes médicos. Precisamos ser negociadores.

Fonte: Universo Visual

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