Um aparelho portátil ligado a um smartphone faz imagens precisas da retina, permitindo detectar doenças do fundo do olho a um custo bem mais baixo do que os métodos convencionais. Criado pela Phelcom Technologies, o Eyer tem ainda a vantagem de possibilitar o diagnóstico por telemedicina, a quilômetros de um médico oftalmologista.
A empresa recebeu apoio do programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (PIPE) da FAPESP pela primeira vez em 2016, para desenvolvimento e validação de um protótipo. Recentemente, teve aprovado projeto de comercialização e fabricação do produto no âmbito do Programa PIPE/PAPPE, resultado de parceria da FAPESP com a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep).
Além disso, a Phelcom é incubada na Eretz.bio, do Hospital Israelita Albert Einstein, um dos investidores. Em março, começou a operar sua fábrica em São Carlos, depois de conseguir as certificações do Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro) e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Atualmente, são produzidas 30 unidades do Eyer por mês, número que deve chegar a 100 até o fim do ano. O dispositivo já sai da fábrica acoplado a um smartphone de última geração e custa cerca de US$ 5 mil. O aparelho convencional mais usado hoje precisa ser ligado a um computador e custa em média R$ 120 mil.
Na frente da câmera do celular, fica um conjunto óptico projetado para iluminação e imageamento da retina. Quando as imagens são produzidas, o aplicativo que opera o aparelho as envia pela internet para um sistema web – chamado Eyer Cloud – que permite armazenar e gerenciar os exames dos pacientes.
Caso não haja acesso a wi-fi ou rede 3G ou 4G no momento do exame, as imagens ficam salvas no aparelho e são enviadas para a nuvem assim que houver conexão com a internet.
“Houve um esforço grande na área de óptica. Um dos desafios foi fazer uma versão portátil de um equipamento que normalmente é bem grande. Outro foi habilitar a operação não midriática, permitindo capturar exames de retina de qualidade sem a necessidade de dilatação da pupila do paciente”, disse José Augusto Stuchi, CEO da empresa.
Não por acaso, o nome da empresa é um acrônimo em inglês das três áreas: física, eletrônica e computação (physics, electronics e computing). Os outros sócios fundadores da Phelcom são Flávio Pascoal Vieira, diretor operacional (COO, na sigla em inglês), e Diego Lencione, diretor técnico (CTO). Os três se conheceram no Departamento de Pesquisa e Desenvolvimento da empresa Opto Eletrônica, em 2008, e se aproximaram durante o mestrado na Universidade de São Paulo (USP), em São Carlos.
O Eyer Cloud é uma inovação da equipe que vem se destacando por armazenar todas as informações adquiridas nos exames e organizar em um banco de dados. Os equipamentos atuais são, na maior parte, off-line, operando junto a um computador que salva as informações em um disco rígido.
O usuário do Eyer, por sua vez, deve criar uma conta, como a de e-mail ou de rede social, na qual são salvas automaticamente as imagens adquiridas pelo dispositivo.
“Tivemos de garantir a segurança dessas informações e um meio de subi-las rapidamente para a nuvem, para que se pudesse fazer a imagem em um lugar e ela já aparecer on-line”, explicou Stuchi.
Esse último fator é essencial para realizar a chamada telemedicina. O Eyer permite que um técnico treinado ou um médico generalista possa fazer as imagens, enquanto um oftalmologista especializado em retina as analisa e emite um laudo de outro lugar.
A empresa atualmente realiza parcerias com médicos oftalmologistas para a emissão de laudos da retina. Enviadas as imagens, o médico parceiro emite o parecer no próprio sistema. O pagamento se dá por meio de planos mensais. A depender da quantidade de laudos emitidos, cada um custará entre US$ 5 e US$ 10.
Inteligência artificial
Além de representarem um novo serviço, os laudos emitidos alimentam um banco de dados que pode ser usado para “ensinar” o computador a identificar padrões associados às principais doenças que afetam a retina, principalmente a retinopatia diabética.
Atualmente, a empresa tem mais de 10 mil retinas fotografadas e projeta ter, em pouco tempo, o maior banco de dados do gênero do mundo. Só para o próximo ano, os sócios projetam ter 50 mil pacientes examinados.
No ano passado, a Food and Drug Administration, agência que regula a venda de medicamentos, alimentos e equipamentos médicos nos Estados Unidos, aprovou pela primeira vez um algoritmo para diagnóstico de uma doença. A empresa IDx conseguiu autorização para usar um algoritmo que detecta justamente a retinopatia diabética, maior causa de diminuição da visão e de cegueira entre adultos norte-americanos.
No Brasil, estima-se que 7,6% da população urbana entre 30 e 69 anos tenha diabetes e, destes, metade tenha retinopatia diabética.
“O uso da inteligência artificial para diagnóstico ou para auxiliá-lo é uma tendência no mundo todo. Os computadores processam os dados, enquanto o médico atua na tomada de decisão”, disse Stuchi.
O empreendedor afirmou que o sistema da empresa tem atualmente precisão próxima de 80% para detectar retinopatia diabética, sem a necessidade de intervenção humana.
Com o aumento de sua base de dados, em breve essa taxa deverá chegar a 95% de precisão, quando a aplicação poderá começar a ser comercializada. O algoritmo norte-americano tem atualmente até 89,5% de chances de dar um diagnóstico correto.
“Com o apoio do PIPE, conseguimos contratar um time e manter o foco no projeto, deixando nossos empregos”, disse Stuchi.
Com projeções de colocar 150 Eyers no mercado brasileiro nos próximos 12 meses e obter R$ 3 milhões de faturamento, a ideia dos sócios agora é expandir as vendas para outros países da América Latina e depois para os Estados Unidos e a Europa.
Dispositivo vestível
A Phelcom Technologies também tem o apoio do PIPE para desenvolver outro produto inovador. Trata-se de um par de óculos que, quando colocado pelo paciente, faz o exame da retina e também mede a refração, principal exame oftalmológico realizado hoje.
O exame de refração define o grau de miopia, astigmatismo, hipermetropia e presbiopia, define se o paciente precisa de óculos e determina o grau necessário. “Demoramos três anos do desenvolvimento à comercialização do nosso primeiro produto, o Eyer. Agora queremos fazer em menos tempo. Por isso, a ideia é criar pequenos módulos que possam ser acoplados ao Eyer ou a uma versão aprimorada dele. O ideal é que tenhamos, em alguns anos, óculos que façam de uma só vez a retinografia e meçam a refração e a pressão intraocular”, explicou Stuchi.
Agregar todos esses dispositivos em um par de óculos pode ainda eliminar ou tornar menos crítica a figura do operador do equipamento e padronizar os exames. Mesmo com o treinamento on-line realizado pela empresa para operar o Eyer, ainda há fatores subjetivos, como a forma de posicionar o aparelho, que podem gerar uma imagem melhor ou pior.
“Seguindo a tendência atual de dispositivos vestíveis, o próprio paciente faria o exame simplesmente colocando os óculos por alguns minutos”, disse.
Além do PIPE, a empresa credita seu desempenho à Eretz.bio, que, além de recursos, oferece mentoria em negócios e disponibiliza a estrutura do Hospital Albert Einstein para validação clínica dos aparelhos, e à Supera, incubadora de empresas de base tecnológica que funciona no Supera Parque, em Ribeirão Preto.
O parque tecnológico possui laboratórios de certificação para a indústria médica, fundamentais para o desenvolvimento do Eyer. Além dos suportes técnico e jurídico, a incubadora foi fundamental no direcionamento do produto para o mercado.
Fonte: Agência FAPESP