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A escolha da lente intraocular para determinado paciente não é uma tarefa fácil, e não pode ser baseada somente nas informações das atividades socio-culturais do paciente (chair time). Precisamos ser assertivos, e jamais deixarmos para o paciente escolher a sua lente baseado em aspectos financeiros. Quem tem o conhecimento necessário e a capacidade de escolha da lente é o médico.

Não podemos limitar a avaliação pré-operatória ao topógrafo de Anéis de Plácido, microscopia especular do endotélio, e medida do comprimento axial. Sem dúvida, são informações relevantes, mas não suficientes para um implante multifocal difrativo. As queixas pós-operatórias referentes aos halos e disfotopsias podem surpreender se não obtivermos mais detalhes do olho antes da cirurgia.

O propósito deste artigo é chamar a atenção para o auxílio do mapa epitelial do OCT de córnea, na seleção de pacientes candidatos a LIOs multifocais difrativas.

OCT
O OCT (Tomografia de Coerência Óptica) é baseado na técnica de interferometria óptica, que permite medir as diferenças de tempo e fase da luz que é refletida pelos tecidos biológicos.

Na interferometria óptica, um feixe de luz é dividido em dois caminhos. Um dos caminhos é direcionado para o tecido a ser analisado, enquanto o outro caminho é direcionado para um espelho de referência. A luz que é refletida pelo tecido e pelo espelho de referência se encontra novamente, gerando um padrão de interferência. Esse padrão de interferência é capturado por um detector e utilizado para gerar uma imagem do tecido.

No caso do OCT, a interferometria é realizada em domínio de baixa coerência, ou seja, a luz emitida pelo aparelho é coerente apenas em um pequeno intervalo de tempo. Isso permite que a luz refletida pelas diferentes camadas da córnea possa ser analisada em termos de tempo e fase, gerando uma imagem tridimensional da córnea.

OCT e epitélio da córnea
As células epiteliais da córnea se organizam em várias camadas. A camada mais superficial é composta por células achatadas e mortas que são eliminadas naturalmente, como todo tecido epitelial no corpo humano. Seu turnover normal é de sete dias.

Pode-se observar na Figura 1, que mesmo um epitélio normal apresenta irregularidades naturais do processo de descamação e das microvilosidades, que dependem do filme lacrimal saudável para promover a necessária regularização permitindo uma visão normal.

A topografia com Anéis de Plácido ajudam a denunciar a existência de irregularidades no filme lacrimal ou na camada epitelial, mas, não é suficiente para termos dados assertivos de normalidade para implantarmos lentes difrativas. Quando as alterações da superfície da córnea são grandes, a topografia certamente denunciará, e poderemos confirmar na lâmpada de fenda alterações da lubrificação. (Figura 2 A, B,C,D)

Contudo, existem casos limítrofes, onde a topografia não se apresenta absolutamente regular, mas não temos dados suficientes para afirmar se existem obstáculos ao uso de uma lente difrativa. Nestes casos, precisamos de mais informações sobre a integridade da superfície da córnea.  (Figura 3)

Figura 3 - Exame com Anéis de Plácido demonstrando mínima irregularidade da superfície. Caso limítrofe, onde os valores de K, assim como o astigmatismo ou o SRI não demonstram alterações significativas, apesar de observarmos o padrão assimétrico

Figura 3 – Exame com Anéis de Plácido demonstrando mínima irregularidade da superfície. Caso limítrofe, onde os valores de K, assim como o astigmatismo ou o SRI não demonstram alterações significativas, apesar de observarmos o padrão assimétrico

O OCT do epitélio da córnea tem evoluído rapidamente nos últimos anos, permitindo a aquisição de imagens cada vez mais detalhadas e precisas. Além disso, novas técnicas de análise quantitativa e qualitativa têm sido desenvolvidas para auxiliar na avaliação clínica da córnea.

Um dos principais avanços da OCT é a sua capacidade de avaliar a espessura do epitélio da córnea de forma não invasiva. A espessura do epitélio pode variar em diferentes doenças corneanas e seu acompanhamento pode ser importante para monitorar a progressão da doença e a eficácia do tratamento.

O mapa epitelial da córnea é uma ferramenta importante que auxilia a avaliação da topografia corneana. A espessura do epitélio corneano pode variar de forma significativa ao longo da córnea, influenciando a curvatura e o poder refrativo da mesma. Em nosso serviço temos investigado os mapas epiteliais da córnea produzidos pelo OCT em vários tipos de anomalias. É impressionante o auxílio que encontramos nas informações obtidas por este exame, especialmente no ceratocone, após cirurgias refrativas corneanas, e em especial no olho seco, leve ou moderado, onde outros recursos semiológicos não têm a devida sensibilidade.

Figura 4 – Exame com OCT do mesmo paciente que figura 3demonstrando valor de desvio padrão acima do normal, denunciando que existem alterações significativas com irregularidade da camada epitelial. Estas irregularidades podem representar um obstáculo para o implante de lentes multifocais difrativas, pelo risco de aumento das queixas relacionadas a halos e disfotopsias

O mapa epitelial da córnea pode indicar a presença de irregularidades na superfície da córnea, que podem afetar a acuidade visual e a qualidade da visão pós-cirurgia. Estas alterações podem ser muito evidentes, impactando a acuidade visual de Snellen, ou muito sutis (Figura 4).

Vários estudos demonstram o impacto dessas irregularidades do epitélio sobre as aberrações ópticas de alta ordem. Mas, não é fácil sabermos a linha de corte, onde as aberrações coreanas produzidas por estas irregularidade, irão afetar o desempenho das lentes, de tal forma que existirão consequências, clinicamente detectáveis. A escolha da lente intraocular mais adequada para cada caso deve levar em consideração não apenas a refração do olho, mas também a presença de qualquer tipo de irregularidade na superfície da córnea.

O exame baseado em OCT é capaz de fornecer informações precisas sobre a espessura e a topografia do epitélio da córnea, permitindo a identificação de possíveis irregularidades que podem afetar a escolha da lente intraocular.

Por meio da técnica de imagem de coerência óptica (OCT), é possível obter um mapa detalhado da espessura do epitélio corneano. Com o OCT de alta definição, é possível medir a espessura do epitélio com precisão de até 1,3 micra, permitindo a identificação de variações sutis na espessura do epitélio.  Essas variações podem ser indicativas de doenças corneanas, e, a partir dessas informações, é possível evitar o uso de lentes difrativas inadvertidamente.  o desempenho óptico de toda e qualquer lente depende da qualidade de frente de ondas que incidem sobre ela. As lentes multifocais difrativas, são ainda mais sensíveis. Pequenas alterações da qualidade da superfície da córnea, podem criar aberrações ópticas significativas, de tal forma que podem produzir uma imagem sem nitidez, com queixas crônicas e insatisfação pós-operatória.

A identificação de desvio padrão alto, geralmente acima de 3 micra, na espessura do epitélio corneano pelo OCT pode indicar uma maior irregularidade da superfície corneana, o que pode afetar a qualidade da visão pós-operatória com lentes difrativas. Temos percebido que a linha de corte é pouco mais baixa. Pacientes com desvio padrão acima de 2,6 micra no OCT Optovue, merecem atenção especial, se forem candidatos aos implantes multifocais difrativos. Nesse sentido, é importante considerar essa informação na escolha da lente intraocular adequada para cada paciente. (Figura 4)

Pacientes com irregularidades epiteliais significantes costumam apresentar halos e disfotopsias de forma mais intensa, podendo comprometer a qualidade de vida do paciente após o implante de LIOs difrativas multifocais.

Figura 5 – Mapas epiteliais de ambos os olhos de paciente com ceratocone leve. Observe o afinamento do epitélio na área ectásica (maior no olho esquerdo), e o correspondente aumento do desvio padrão, denunciando irregularidade da camada epitelial.

A presença de irregularidades no epitélio corneano pode indicar a presença de anomalias da córnea, que podem afetar a visão de forma ainda mais significativa, como o ceratocone (Figura 5) Portanto, o exame de OCT é uma ferramenta valiosa para a identificação de irregularidades do epitélio da córnea e pode auxiliar na escolha da lente intraocular mais adequada, resultando em uma adaptação mais confortável e uma melhor qualidade de visão para o paciente.

No entanto, é importante lembrar que outros fatores são de grande importância. A biometria terá mais precisão se respeitarmos os limites do comprimento axial do olho, e da curvatura corneana. A profundidade da câmara anterior, o tamanho da pupila, e a acuidade visual corrigida e sem correção também devem ser considerados. Sobretudo, o desejo do paciente de ter uma vida independente do uso de óculos. Em conjunto, todos estes dados devem ser levados em consideração para escolher a melhor lente para seu paciente. Não existe uma fórmula mágica, e, certamente não existe uma lente superlativa que serve para todos.

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