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A Cirurgia de Troca de Cristalino com Finalidade Refrativa (TCR) foi aprovada em fevereiro deste ano no Brasil pelo Conselho Federal de Medicina (CFM). Os especialistas consideraram este parecer favorável fundamental, já que o procedimento era adotado em outros países e reconhecido por muitos oftalmologistas brasileiros como uma alternativa importante de tratamento para determinado grupo de pacientes. 
Uma vez que cabe ao CFM a determinação dos procedimentos a serem praticados no país, ao longo dos últimos anos o Conselho Brasileiro de Oftalmologia (CBO) e a Associação Brasileira de Catarata e Cirurgia Refrativa (ABCCR/BRASCRS) buscaram o reconhecimento do procedimento de troca do cristalino com a finalidade de corrigir erros refrativos em casos selecionados, realizando uma conquista importante para a comunidade oftalmológica brasileira e seus pacientes.
Conforme explica o oftalmologista especialista em catarata, córnea e cirurgia refrativa, José Beniz Neto, ex-presidente do Conselho Brasileiro de Oftalmologia (biênio 2020/2021), há vários anos o CBO e a ABCCR vinham tentando obter o parecer do CFM para que a troca do cristalino com finalidade refrativa pudesse finalmente ser liberada como procedimento usual na prática médica. “A partir de pedidos elaborados por oftalmologistas e pacientes, o CFM, através de sua Câmara Técnica de Oftalmologia, solicitou ao CBO uma diretriz para que o tema fosse avaliado pela Câmara Técnica de Novos Procedimentos”, relembra o médico. 
Ele relata que, em conjunto com a ABCCR, o CBO procedeu extensa revisão bibliográfica sobre o tema, na qual vários estudos demonstravam a segurança e eficácia desta cirurgia. “A Câmara Técnica concluiu que o procedimento, por similaridade com a cirurgia de catarata, não impunha desafios técnicos à equipe cirúrgica. Assim, através do parecer nº 2/2022, o CFM resolveu que a TCR podia ser incluída como procedimento convencional em medicina, desde que observados os critérios estipulados pelo CBO/ABCCR”, afirma o especialista, que durante sua gestão como presidente do CBO se empenhou profundamente para que tal aprovação fosse alcançada.
De acordo com o oftalmologista clínico e cirúrgico com ênfase em catarata, córnea e cirurgia refrativa, Bruno Machado Fontes, presidente da ABCCR/BRASCRS (2020/2022), a TCR é uma cirurgia adotada nos países desenvolvidos do mundo inteiro já há bastante tempo, uma alternativa cirúrgica para pessoas que tenham motivação a uma menor dependência do uso dos óculos ou até para indicação de alguns casos de necessidade de remoção do cristalino, como no glaucoma de ângulo estreito (GPAE), mesmo antes da catarata. “Sendo assim, é importante que tenhamos o procedimento não como uma cirurgia experimental, mas como uma cirurgia usual reconhecida pelos nossos conselhos oficiais. O CFM, portanto, tornou oficial agora um procedimento que pode levar a um benefício importante aos nossos pacientes brasileiros”, enfatiza.
Para o médico, os benefícios maiores são proporcionar uma melhor qualidade de visão ao paciente e também uma menor dependência dos óculos, gerando mais autonomia e qualidade de vida para estes indivíduos. “Quanto às complicações, elas existem como em qualquer cirurgia. Podem ocorrer infecções, inflamações, problemas de cicatrização e até mesmo resultados fora do previsto estão sujeitos a acontecer”, avalia o oftalmologista, esclarecendo que estes problemas são similares aos riscos relacionados à cirurgia de catarata.  “Mas para cada possível intercorrência ou complicação, existe um tratamento específico que deve também ser individualizado”, acrescenta.
Atuação do Conselho Federal de Medicina
Segundo a conselheira Maria Teresa Renó Gonçalves, coordenadora da Câmara Técnica de Oftalmologia do Conselho Federal de Medicina (CFM) e relatora do Parecer nº 2/2022, o processo de discussão e elaboração do Parecer sobre a Cirurgia de Troca de Cristalino com Finalidade Refrativa (TCR) no CFM foi amplamente debatido na Comissão de Novos Procedimentos em Medicina do Conselho e na Câmara Técnica de Oftalmologia. “Após revisão de estudos sobre o tema, chegou-se ao parecer (ver box). Trata-se de mais uma modalidade e opção terapêutica e que deve ser avaliada caso a caso”, pontua. 
Maria Teresa revela que a grande importância da aprovação da TCR pelo CFM na população brasileira é poder reduzir a dependência de óculos em pessoas acima de 55 anos nas quais a cirurgia refrativa corneana a laser não está indicada, como pacientes hipermétropes, présbitas, com miopia elevada e que não tenham degenerações retinianas periféricas não tratadas e nas cataratas incipientes. “Entretanto, é importante a realização de um exame oftalmológico completo e detalhado para a boa indicação e o sucesso do tratamento”, orienta a coordenadora da Câmara Técnica de Oftalmologia do CFM. 
Na opinião de Beniz, os oftalmologistas e pacientes obtiveram uma conquista importante com a aprovação da TCR no país. Ele observa que a cirurgia de catarata é o ato cirúrgico mais realizado do mundo e com o contínuo aprimoramento da técnica cirúrgica e a melhoria constante das lentes intraoculares, passam-se a ter resultados altamente satisfatórios em termos de acuidade visual pós-operatória para os pacientes. “Desta maneira, esta cirurgia pode ser realizada mais precocemente, beneficiando indivíduos com ametropias importantes, especialmente aqueles já portadores de presbiopia”, avalia, ressaltando que a oftalmologia brasileira ganha muito com este parecer.
“Os cirurgiões podem agora operar esses casos com segurança legal, reconhecida pelo Conselho Federal de Medicina”, comemora o ex-presidente do CBO, informando que a troca do cristalino com finalidade refrativa está indicada em um selecionado grupo de pacientes, os quais, primeiramente, devem ter pelo menos 55 anos de idade. “Podem ser beneficiados os portadores de hipermetropia a partir de 1,50 dioptrias e também míopes que não tenham patologias periféricas da retina. Os pacientes devem assinar termo de consentimento livre e esclarecido para o procedimento. O CFM também recomenda que esta cirurgia não seja realizada em mutirões de catarata”, comenta o cirurgião.
A respeito da técnica em si, Fontes revela que a TCR possui similaridade à cirurgia de catarata, levando em consideração que o planejamento é um pouco diferente, dependendo do tipo de lente a ser implantada. “Trata-se de uma cirurgia eletiva, opcional e, portanto, todo cuidado deve ser redobrado como em uma cirurgia de catarata, porque são olhos sadios, e o uso de óculos ou lentes corretoras pode lhes fornecer uma boa visão”, analisa o médico, salientando que o planejamento é fundamental e deve ser individualizado, de acordo com o que o paciente deseja ou o que ele pode ter, uma vez que certos indivíduos possuem alguma doença ocular ou alteração visual. “Sendo assim, é essencial que exames complementares específicos sejam feitos para tentarmos garantir o máximo de segurança e cuidado, com um resultado refracional ao final da cirurgia”, conclui o presidente da ABCCR/BRASCRS.
Os trâmites para aprovação de procedimentos pelo CFM 
Conforme explica Maria Teresa R. Gonçalves, coordenadora da Câmara Técnica de Oftalmologia do Conselho Federal de Medicina (CFM), na hora de aprovar ou não um procedimento, o processo é enviado para as Comissões que auxiliam os conselheiros, as câmaras técnicas da especialidade e a de novos procedimentos. “Ambas fazem revisão dos principais e importantes estudos científicos sobre o tema e o levantamento de como o procedimento vem sendo feito e adotado em outros países, sua eficácia e sua segurança”, esclarece. 
Ela diz que, posteriormente, o relatório é encaminhado para a Plenária do CFM, que aprova ou não o reconhecimento do procedimento e emite o parecer final. Sobre o parecer da TCR, a coordenadora reforça a importância do exame oftalmológico detalhado e de observar que existem outras modalidades não invasivas de substituição dos óculos, como o uso de lentes de contato. “A Cirurgia de Troca de Cristalino com Finalidade Refrativa é para casos selecionados e deve ser bem indicada e feita por cirurgiões experientes e habilitados, além de obedecer às recomendações dadas no parecer do CFM. Também o Conselho não recomenda a realização deste procedimento em mutirões da catarata”, finaliza. 
Parecer CFM nº 2/2022 e suas conclusões 
O pedido de parecer foi encaminhado para a Câmara Técnica de Oftalmologia, que solicitou uma diretriz do Conselho Brasileiro de Oftalmologia (CBO) e para a Câmara Técnica de novos procedimentos do Conselho Federal de Medicina (CFM). 
O CFM solicitou também que as sociedades de subespecialidades da oftalmologia se manifestassem sobre o tema: Sociedade Brasileira de Glaucoma (SBG), Sociedade Brasileira de Retina e Vítreo (SBRV) e Associação Brasileira de Catarata e Cirurgia Refrativa (ABCCR – BRASCRS).
A ABCCR/BRACRS procedeu revisão bibliográfica da literatura científica indexada sobre o tema, observando as vantagens e desvantagens da técnica em questão. A revisão bibliográfica foi enviada ao Conselho Brasileiro de Oftalmologia sob a forma de parecer, que, posteriormente, enviou ao Conselho Federal de Medicina.
Conclusão
O presente parecer responde às consultas solicitadas que requerem manifestação do CFM quanto ao reconhecimento da realização da troca do cristalino com a finalidade de corrigir erros refrativos em situações específicas.
Após todo o levantamento feito pelo CFM, conclui-se que a Troca do Cristalino com Finalidade Refrativa (TCR) deve ser incluída como procedimento usual na prática médica, com as ressalvas apresentadas pelo Conselho Brasileiro de Oftalmologia (CBO) e pela Associação Brasileira de Catarata e Cirurgia Refrativa (ABCCR/BRACRS), com a preocupação quanto aos riscos, ressaltados pela Sociedade Brasileira de Retina e Vítreo (SBRV).
Nos casos de hipermetropia, a idade do paciente associada à perda do poder de acomodação (presbitas) torna a TCR uma técnica eficaz e estável.
Para pacientes míopes, a TCR é indicada para indivíduos com alto grau, pouco responsivos à técnica de ablação corneana por laser.  Para esse grupo de pacientes, o risco de descolamento de retina no pós-operatório foi avaliado em diversos estudos observacionais, podendo variar de 2,2% a 8,1%, sendo maior em alto míopes e duas vezes maior em pacientes do sexo masculino e em pacientes com aumento considerável do diâmetro anteroposterior. A ocorrência de complicações como DR ou edema macular cistoide (EMC) é menor no tratamento comparador (laser para correção de miopia) do que no TCR.

Fonte: Revista Universo Visual

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