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Na repercussão da entrevista com o cientista Ernesto Goulart, realizada no Podcast Rx – Por dentro da sua próxima receita médica!, o oftalmologista Paulo Schor aproveita para detalhar o caminho a ser percorrido até chegar ao pós-doutorado, assim como fez o pesquisador da Universidade de São Paulo (USP). Da escolha da universidade, graduação, os trabalhos laboratoriais, iniciação científica até a pós-graduação, entender melhor esse percurso é uma ótima oportunidade para quem ainda tem dúvidas sobre qual profissão seguir. 

Na opinião de Schor, sua conversa com Goulart foi bastante autoexplicativa. “O Ernesto tem uma trajetória científica invejável e ele esvoando, o grupo com quem ele atua é muito forte, a estrutura é adequada e dá suporte aos trabalhos que ele executa”, comenta, salientando que o cientista está agora envolvido em um ecossistema que absorve a parte científica e de desenvolvimento para transformar tudo em produto. E eu queria trazer aqui nessa repercussão um pouco do que acontece de verdade nos bastidores e que pouca gente vê, mas que está por trás das receitas médicas que aparecem como mágica nas prateleiras da farmácia”, acrescenta. 

O médico explica que quando os estudantes fazem as graduações clássicas, que são os bacharelados, no caso de Goulart farmácia e bioquímica, e no caso de Schor, medicina, são expostos em geral nas universidades brasileiras a um ambiente voltado à pesquisa. Somos acostumados a frequentar academias que misturam a prática do ensino, da pesquisa e da assistência, e isso não é óbvio no mundo todo e nem é necessário se for pensar no ensino por si só”, enfatiza o cirurgião, ressaltando que uma escola que ensina não precisa necessariamente pesquisar. Mas, provavelmente, ela ensinará melhor se existir atividade de pesquisa dentro dessa mesma escola. E somos assim acostumados, isso é um pensamento filosófico de longa data que, aparentemente, mostra-se adequado. Dessa maneira, nossas melhores universidades são lugares que juntam pesquisa com ensino e entregam, dão assistência, extensão, os seus produtos para a comunidade”, completa. 

Durante a graduação, os estudantes são, portanto, expostos a laboratórios para fazer experimentos sobre a matéria que eles estão estudando. Na faculdade de medicina, por exemplo, fazemos experimentos com a fibra de músculo cardíaco para verificar a contração; na de farmácia, realizam-se experiências com diversas substâncias para conhecer sua síntese, e esses experimentos também servem para pesquisa, não só para demonstração”, afirma o especialista. Ele diz que os professores também podem ser pesquisadores e, tanto ele quanto Goulart, fizeram uma prática chamada de iniciação científica, que é um estágio durante a graduação que se faz, geralmente, nas horas vagas, que não são muitas, nos cursos mais puxados, e os alunos fazem parte de um grupo de pesquisa, em geral do professor, e nessa equipe eles são uma parte bem pequena que têm uma atuação muito específica.  

Esse momento é bastante interessante para conhecer um trabalho em grupo e para entender do que se trata a pesquisa, que não é algo que tem uma grande eureca, mas sim que tem um trabalho árduo, contínuo, focado por muitos anos, com muita leitura, muita discussão, muita frustração, mas também com muito prazer na hora que os resultados são positivos e são apresentados”, destaca. A partir dessa iniciação científica, conforme salienta o oftalmologista, alguns cursos atuam com trabalho de conclusão de curso, que não é algo muito frequente em todos os cursos.E esses trabalhos de conclusão tentam trazer uma reflexão sobre alguns temas, um pouco mais frequentes no exterior do que aqui, mas aqui começam a aparecer um pouco mais”, observa. 

E também servem, de acordo com o cirurgião, para que o pensamento crítico e o encadeamento de ideias façam com que um texto consiga ser lido e chegue a uma conclusão relativamente lógica e seja executado pelos alunos. “Essa execução, obviamente, leva os mais curiosos, interessados, a uma próxima etapa, que tende a ser o ingresso em alguma coisa depois da graduação, na pós-graduação”, aponta Schor, esclarecendo que há nesse ponto uma bifurcação, na qual o estudante pode fazer a continuação dos estudos na pós-graduação, denominada de lato sensu (mais amplo) ou stricto sensu (mais restrito). “A stricto sensu é onde estão os programas de mestrado e doutorado, os chamados acadêmicos, e a especialização lato sensu é onde está, por exemplo, a residência médica, conhecida agora como mestrado profissional, que tem mais a ver com a prática”, completa. 

Falando sobre os mestrados e doutorados acadêmicos que fazem parte da pós-graduação stricto sensu –, o médico pontua que, no mestrado, espera-se que o aluno se aperfeiçoe mais no método científico. O que é uma formulação de hipótese? Como nós tratamos com erros? Como fazemos interpretação de probabilidades? Tudo isso é dado durante o mestrado em disciplinas que são chamadas de disciplinas obrigatórias; no caso da medicina, temos metodologia científica, didática e por aí vai. E ainda há as disciplinas eletivas, as quais têm a ver com o que o orientador escolheu para o orientando”, pontua. Segundo o especialista, agora começa a aparecer uma diferença daquela participação em uma equipe grande do estudante para uma menor e uma ligação mais direta com o supervisor.  

O mestrando pode ter uma ligação boa com o seu supervisor master que, em geral, é o professor ou o que eles chamam de docente também do laboratório. Ou ele pode ter uma ligação maior com o estudante de pós-doutorado, que é o que o Ernesto hoje exerce”, explica o oftalmologista, informando que depois do mestrado, em que se espera uma dissertação sobre um assunto, que não precisa ser original, mas precisa ser muito bem escrita, na qual as bases teóricas são colocadas e o aluno entende do que está falando, ele pode ser convidado ou fazer um concurso e ingressar em um programa de doutorado. “E no doutorado, esperamos formar não só um cientista e pesquisador, mas também um professor. E essa junção de quem pesquisa e dá aulas é relativamente específica no país”, comenta.  

Ele diz que o objetivo é formar professores de ensino superior que pesquisem e que continuem a tradição de que ensino e pesquisa nas melhores universidades caminham juntos no Brasil. “Do doutorado, espera-se um projeto inédito que o aluno faça sob supervisão com uma orientação e com uma proximidade muito grande do orientador, com duração de quatro, cinco, eventualmente seis anos”, explica. Para o médico, é um período longo e de uma dedicação bastante árdua, exclusiva, com uma remuneração nem sempre justa e nem sempre suficiente para que o doutorando se mantenha. Isso é algo que acaba sendo cruel, porque nem sempre conseguimos os melhores cérebros nos melhores locais, que não é o caso do Ernesto, que é um cérebro fantástico em um lugar perfeito, porém, em algumas situações, vemos os doutorandos tendo que desistir do programa por falta de recursos”, lamenta.  

Schor revela que uma vez acabado o doutorado, que pode ser cumprido também no exterior (chamado de doutorado sanduíche”), o profissional fica fora do Brasil em uma instituição que faz pesquisa parecida com a que se faz no país, em um laboratório irmão, e ele volta para cá para acabar o doutorado, escrevendo a sua tese. Nós temos, então, alguma ideia que foi apresentada, testada, a hipótese, se foi rejeitada ou aceita. Podemos ter, eventualmente, até um pré-produto, se estivermos trabalhando com pesquisa aplicada. E aí estamos carimbados para fazer pesquisa sozinhos”, avalia. Teoricamente, nesse momento, ele afirma que quando o profissional acaba o doutorado, pode ser contratado por uma universidade para exercer pesquisa, docência, assistência e ensino. Só que não é bem isso que acontece. Primeiro porque as universidades não tem tantas vagas assim aqui no Brasil; segundo porque nem todo mundo quer juntar essas três coisas”, analisa.  

De acordo com o cirurgião, tem pessoas que querem continuar fazendo pesquisa, menos do que fazer assistência, e menos do que fazer gestão. E temos um caminho que se chama pós-doutorado, que é dedicado a indivíduos que passaram por todas essas etapas e têm todas as condições de orientar alguém; eles são professores, acabaram o doutorado e se mantêm no laboratório, e também eram chamados no passado de labczares, os czares do laboratório, quem manda no laboratório”, lembra. Isso porque, conforme ressalta o especialista, os professores, principalmente fora do Brasil, ficam muito mais tempo atrás de recursos financeiros para manter os laboratórios, porque lá a manutenção se dá através de verbas pessoais e não de verbas institucionais, na maioria dos casos, diferente daqui, e assim os pós-doutores ficam cuidando do laboratório enquanto os docentes, os pesquisadores principais, tentam conseguir dinheiro para manter o laboratório.  

“A importância do pós-doutor é seminal, é fundamental. Os pós-doutores batem o bumbo do laboratório”. Eles resolvem os problemas, eles animam as pessoas, eles puxam os hinos, fazem com que as coisas aconteçam e é esse o papel exatamente que o Ernesto hoje desempenha, por isso que eu estou querendo contar essa história longa toda e eu falei isso na conversa que eu tive com o Ernesto, em que pedi para ele estressar o papel do pósdoutor”, observa o médico. Na sua opinião, é muito importante que todo mundo saiba que existe toda uma carreira de pesquisador bem consolidada e que leva a resultados muito promissores e que, apesar de ser subfinanciada, como várias importâncias no Brasil, ela dá frutos. “E ela dá frutos quando temos as pessoas certas nos lugares certos e com os temas corretos”, finaliza Schor.  

 

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