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Dispositivo sub-retiniano sem fio, acoplado a óculos com microcâmera, devolve a capacidade de ler e reconhecer formas a pacientes com degeneração macular relacionada à idade em estágio avançado.

A degeneração macular relacionada à idade (DMRI), especialmente na forma de atrofia geográfica (AG), continua sendo uma das principais causas de cegueira irreversível em idosos, afetando milhões de pessoas no mundo e impactando de maneira profunda a qualidade de vida. Embora novas terapias tenham surgido para retardar a progressão da doença, ainda não existem tratamentos capazes de restaurar a visão central perdida em AG.

Nesse contexto, o desenvolvimento de um chip ocular fotovoltaico sub-retiniano, o sistema PRIMA, representa um marco na visão artificial. Em ensaio clínico multicêntrico publicado no New England Journal of Medicine em outubro de 2025, o dispositivo devolveu funcionalmente a visão central a pacientes com AG por DMRI, permitindo que a maioria voltasse a ler letras, números e palavras após um ano de seguimento.

Como o chip PRIMA atua na retina do paciente com AG

Na atrofia geográfica, há perda progressiva de fotorreceptores, epitélio pigmentar da retina (EPR) e coriocapilares na região macular, levando a escotomas centrais e perda irreversível da visão de leitura. O PRIMA foi desenvolvido justamente para contornar essa falência dos fotorreceptores, aproveitando as vias neurais ainda funcionantes na retina interna.

O sistema é composto por dois elementos principais:

Chip ocular minúsculo que devol…

  • Óculos especiais com microcâmera
    Capturam imagens em tempo real e as processam digitalmente, ajustando zoom e contraste para otimizar o estímulo visual.
  • Chip fotovoltaico sub-retiniano
    Um microchip de aproximadamente 2 × 2 mm, ultrafino, contendo centenas de microeletrodos fotovoltaicos implantados sob a retina na área atrófica. A microcâmera projeta sobre o chip um padrão de luz infravermelha. Cada pixel fotovoltaico converte essa luz em corrente elétrica que estimula células bipolares remanescentes, gerando sinais que seguem pelas vias ópticas até o córtex visual.PMC+1

Por ser fotovoltaico e totalmente sem fio, o sistema dispensa fios transesclerais e baterias internas, simplificando a cirurgia em comparação a próteses epirretinianas mais antigas. O procedimento cirúrgico, realizado por cirurgiões vitreorretinianos, consiste em implantar o microchip sub-retiniano sob a área de atrofia, em geral em menos de duas horas, em centros com experiência em cirurgia macular.

Resultados clínicos: leitura recuperada em pacientes com perda visual avançada

O estudo pivotal, multicêntrico, aberto, incluiu 38 pacientes com atrofia geográfica por DMRI e perda visual central profunda (acuidade ≥ 1,2 logMAR, aproximadamente 20/320 ou pior, no olho de estudo). Após a implantação do PRIMA e reabilitação visual:

  • 26 de 32 pacientes (≈81%) apresentaram ganho clínico significativo ≥ 0,2 logMAR em acuidade visual prostética ao longo de 12 meses (média de ganho ≈ 0,5 logMAR, cerca de 25 letras ETDRS).
  • 27 de 32 pacientes (≈84%) relataram ser capazes de ler letras, números e palavras em ambiente domiciliar utilizando a visão proporcionada pelo chip.
  • Muitos participantes conseguiram ler várias linhas em tabelas de acuidade, após anos sem conseguir sequer perceber o optotipo.

Os óculos com realidade aumentada permitem ampliação de até 10–12 vezes e ajuste de contraste, o que potencializa o desempenho além da resolução nativa do chip. Isso possibilita que fontes menores sejam lidas do que a limitação teórica do tamanho de pixel sugeriria, provavelmente por mecanismos semelhantes à “super-resolução” obtida por micromovimentos oculares.

Importante destacar que a visão periférica natural foi, em média, preservada, sem perda significativa em comparação ao baseline, o que reforça a segurança funcional da abordagem.

Perfil de segurança e eventos adversos

Assim como em qualquer procedimento intraocular avançado, foram observados eventos adversos, a maioria relacionada à técnica cirúrgica e não ao implante em si:

  • Elevação transitória da pressão intraocular
  • Hemorragias sub-retinianas periféricas ou na área de implantação
  • Rasgaduras periféricas de retina
  • Em menor número, buracos maculares de espessura total, neovascularização de coroide e descolamento de retina, alguns requerendo cirurgia adicional ou terapia anti-VEGF

Cerca de 80% dos eventos ocorreram nas primeiras semanas pós-operatórias e mais de 90% se resolveram em até dois meses, sem complicações sistêmicas graves. Não houve necessidade de explante do dispositivo durante o acompanhamento de 12 meses.

Esse perfil de segurança, embora não isento de riscos, é considerado aceitável dentro do contexto de uma população com cegueira funcional central e ausência de alternativas terapêuticas para restauração da visão em AG.

Do ensaio clínico ao mercado: o que esperar para 2026

O PRIMA foi inicialmente desenvolvido em colaboração acadêmica (incluindo Stanford Medicine) e hoje é produzido e desenvolvido comercialmente pela Science Corporation, empresa fundada por Max Hodak, ex-presidente da Neuralink.

A expectativa é que:

  • A primeira aprovação regulatória ocorra no mercado europeu, com lançamento comercial estimado para 2026;
  • Processos de submissão a agências regulatórias de outros países (incluindo EUA) ocorram em seguida, em cronograma ainda em definição;
  • Próximas gerações do chip incluam maior densidade de pixels, campo visual expandido e escala de cinza aprimorada, favorecendo reconhecimento de rostos e atividades mais complexas do dia a dia.

Embora ainda seja uma tecnologia em fase inicial de implantação clínica, o PRIMA inaugura uma nova classe de próteses retinianas fotovoltaicas totalmente sem fio, com potencial para integração futura a interfaces neurais bio-híbridas voltadas a outras doenças neurodegenerativas, como doença de Parkinson ou sequelas visuais de AVC.

Implicações para a prática clínica em oftalmologia

Para o oftalmologista, especialmente retina-especialista, o PRIMA abre um novo eixo de atuação: não apenas retardar a progressão da AG, mas restaurar parcialmente a visão central em pacientes previamente considerados sem alternativas funcionais.

Alguns pontos práticos a considerar nos próximos anos:

  • Seleção de candidatos
    Pacientes com AG em DMRI, com perda central grave, mas função periférica preservada e motivação para reabilitação intensiva, podem ser os principais beneficiados.
  • Integração com terapias já existentes
    O implante não substitui tratamentos farmacológicos destinados a retardar a progressão da AG, mas pode atuar de forma complementar, oferecendo ganho funcional de leitura e navegação.
  • Reabilitação visual estruturada
    O sucesso do sistema depende de treinamento intensivo, com equipes multidisciplinares (oftalmologia, baixa visão, terapia ocupacional), para que o paciente aprenda a integrar a visão prostética ao uso da visão periférica residual.
    Questões como custo, cobertura de planos de saúde e equidade de acesso terão papel central na incorporação da tecnologia em diferentes sistemas de saúde. Estudos de custo-efetividade e impacto em qualidade de vida deverão orientar políticas públicas.

Para a comunidade médica, acompanhar a evolução desses dispositivos significa estar preparado para orientar pacientes, discutir indicações e participar de estudos clínicos que definam o lugar dessa tecnologia nos algoritmos terapêuticos da DMRI.

Referências

  1. Holz FG, et al. Subretinal Photovoltaic Implant to Restore Vision in Geographic Atrophy Due to Age-Related Macular Degeneration. N Engl J Med. 2025.
  2. Science Corporation. The New England Journal of Medicine Reports Groundbreaking Results from PRIMA Retinal Implant Clinical Trial. Comunicado institucional, 20 out 2025.
  3. Stanford Medicine. Eye prosthesis is the first to restore sight lost to macular degeneration. News Center, 20 out 2025.
  4. Retina International; Singh RP, et al. Geographic atrophy in age-related macular degeneration: epidemiologia e impacto global. BMJ Open Ophthalmol. 2025;10(1):e002105.
  5. Paudel N, et al. Prioritising the burden of geographic atrophy and treatment expectations. Clin Ophthalmol. 2025.

 

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