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Entre as quais, estudar muito sobre o tema e assistir aulas de bons professores, saber selecionar criteriosamente os pacientes que são candidatos ao procedimento, quais os exames essenciais no pré-operatório para avaliação, como lidar com as complicações mais frequentes destas cirurgias, além de fazer um acompanhamento cuidadoso do paciente no pós-operatório.
De acordo com João Crispim, coordenador do Curso de Especialização no Instituto Cearense de Oftalmologia, a dúvida mais comum relacionada à cirurgia refrativa é quanto à indicação, isto é, se o paciente tem realmente condições de realizar o procedimento. “Depois que o médico fez a análise pré-operatória e verificou que, de fato, o paciente pode ser submetido à cirurgia, daí seguimos com a parte de exames pré-operatórios, que inclui o perfil corneano para saber se esse paciente poderá ter uma qualidade visual boa no pós-operatório”, esclarece, salientando que já no momento da consulta, é preciso fazer uma abordagem adequada do paciente. “Quando esse paciente chega motivado para a cirurgia, fica mais fácil. Mas se ele não tem a motivação, o médico precisa mostrar que ele pode sim ser candidato à cirurgia e ser beneficiado por ela”, completa.
Já no pós-operatório, segundo o oftalmologista, a principal dúvida, geralmente, é quanto ao tempo de recuperação cirúrgica. “O cirurgião, muitas vezes, fica ansioso com a recuperação do paciente submetido à cirurgia de PRK, principalmente se ele for um oftalmologista mais jovem, mas, por vezes, essa recuperação é um pouco mais lenta. Dessa forma, ele tem que estar muito seguro e explicar ao paciente que esse tempo de recuperação é normal, que faz parte do processo de cicatrização”, destaca, explicando que também a abordagem em relação à dor às vezes gera alguma incerteza. “Os medicamentos mais indicados para o manejo da dor seriam outro aspecto importante, assim como a questão da lente de contato terapêutica a ser utilizada”, observa.
Para o oftalmologista especialista em Cirurgia Refrativa, Gustavo Mori Gabriel, médico assistente do Setor de Cirurgia Refrativa do HC-FMUSP, no processo de controle de riscos de uma cirurgia refrativa, a avaliação pré-operatória ainda é o momento mais importante dessa jornada. “De início, invista tempo para entender a demanda do paciente e descubra as suas expectativas quanto à cirurgia, assim como as mudanças naturais do sistema óptico ao longo dos anos”, orienta, esclarecendo que os riscos cirúrgicos são muito baixos e podem até servir como bom argumento ao paciente, “Portanto, não há necessidade de omiti-los, mas sim de pactuá-los. Para se utilizar dessas estatísticas de segurança, entra a importância da perícia e do cuidado do cirurgião”, assegura Mori.
Quanto aos exames pré-operatórios, o cirurgião diz que para se entender a mudança estrutural e óptica, a topografia de curvatura anterior e a paquimetria são essenciais para a triagem em cirurgia refrativa (laser) e eficazes na maioria dos casos. “Com o advento da tomografia de córnea, indicaria fortemente o seu uso, já que seu entendimento da paquimetria e face posterior da córnea, de fato, agregou segurança na seleção do paciente”, explica, ressaltando que outros exames também podem entrar nesta propedêutica armada. “Não como um paradigma principal, mas como peças adicionais em um quebra-cabeça de risco”, avalia o oftalmologista.
Complicações cirúrgicas e abordagem
Em relação às complicações cirúrgicas, a principal e mais temida, de acordo com Crispim, é a ectasia pós-Lasik (aumento progressivo da curvatura e afinamento da córnea). “Essa é uma complicação que o cirurgião tem que ser capaz de prever no pós-operatório. Em certos casos, existem limitações para a realização de uma cirurgia ceratorrefrativa a laser, como por exemplo aquele paciente que tem alguma fragilidade biomecânica na córnea. E também pode acontecer em cirurgias de PRK; por tudo isso, os pacientes precisam ser muito bem avaliados”, alerta o médico.
“Portanto, quem faz cirurgia refrativa tem que conhecer muito bem essa complicação e tem que saber tratar. No momento em que o médico está diagnosticando ectasia pós-Lasik, tem que saber que o paciente pode ser submetido a um crosslinking, que irá impedir uma progressão dessa ectasia”, continua o cirurgião. Ele revela que em casos mais avançados, é possível optar por implantes de anéis intraestromais, no intuito de melhorar a qualidade visual dos pacientes. “Em casos extremos, até um transplante de córnea pode ser uma boa opção”, completa. Outra complicação, segundo o especialista, é infecção pós-operatória. “Existe o risco de uma infecção nos pós-operatório e o cirurgião precisa saber o uso correto das medicações, fazer análise de cultura e realizar o tratamento mais efetivo possível, sobretudo nos casos mais desafiadores, como herpes ou até mesmo fungo.”
Na opinião de Mori, todo cirurgião deve estar ciente dos riscos das complicações de uma cirurgia refrativa e deve buscar soluções. “Por exemplo, se houver regressão da ametropia, se existe a possibilidade de uma reaplicação e se ela se faz conveniente. Se houver uma estria no flap ou uma inflamação inesperada, quais são os passos a serem tomados”, exemplifica, explicando que a avaliação pós-operatória se faz essencialmente com a medida da visão e com uma biomicroscopia cuidadosa dentro do consultório. “A dedicação criteriosa aos exames, a programação cirúrgica previamente confeccionada e a rechecagem dos dados auxiliam na exclusão de vieses, tornando esse preparo um forte item de segurança”, enfatiza, informando que não existe isenção de riscos, entretanto, permite o manejo tanto das complicações quanto do sucesso cirúrgico como uma experiência construtiva para o paciente e também para o cirurgião.
Outra complicação mais imediata, conforme explica Crispim, e muito temida por quem faz cirurgia de Lasik, principalmente por cirurgiões menos experientes, é o deslocamento do flap inicial, em que o paciente sente muita dor. “Essa é uma complicação que precisa ser conhecida e abordada de forma muito rápida para reposicionar e deixar esses casos bem resolvidos”, afirma o médico. O haze, segundo o especialista, é outro problema que pode acontecer a longo prazo em pacientes submetidos à cirurgia de PRK. “Nestas situações, o cirurgião tem que estar ciente de que o paciente precisa fazer uso de óculos escuros durante o período de pós-cirurgia de PRK e tem que utilizar medicamentos corticoides, fazer o desmame e verificar a pressão intraocular no período correto”, destaca, ressaltando que em casos de haze avançado, o tratamento é com uso de mitomicina no tempo de 30 segundos. “A mitomicina, inclusive para tratar haze tardio, também é indicada”, complementa.
Dicas essenciais
Crispim enfatiza que para adquirir habilidades cirúrgicas, é fundamental que o jovem oftalmologista estude bastante. “Hoje temos uma quantidade imensa para análise de casos de cirurgias refrativas disponíveis online, e é importante também que ele tenha bons professores”, diz o médico, recomendando acompanhar cirurgiões que já tenham uma boa experiencia em lidar com os pacientes. Igualmente importante é saber conversar sobre todos os detalhes da cirurgia com o paciente, acompanhar adequadamente o pós-operatório, lidar com as expectativas do paciente em relação ao procedimento, bem como com suas frustrações. “Tudo isso é essencial e se aprende no dia a dia. Muitas vezes, esses ensinamentos não estão nos livros e somente a prática irá moldar o conhecimento do jovem cirurgião”, aponta.
“No momento de avaliar o paciente para cirurgia refrativa, é preciso explicar todos os pormenores do que a cirurgia irá proporcionar, sendo que na grande maioria das vezes haverá uma diminuição muito satisfatória da dependência dos óculos. É difícil prometer independência total, muitas vezes o que se promete é que o paciente irá realizar várias atividades ao dia sem que precise exclusivamente dos óculos”, informa o médico, salientando que, ocasionalmente, o uso dos óculos poderá ser necessário, mesmo após uma cirurgia refrativa bem-sucedida.
Ele afirma que lidar com pacientes que possuem altas expectativas, com nível de exigências muito elevadas, é complicado para os jovens cirurgiões. “O ideal é que cirurgiões menos experientes atendam pacientes mais tranquilos, que tenham uma relação médico-paciente muito agradável, isso é fundamental no início”, revela. Outra questão importante é saber avaliar olho seco e fazer uma análise detalhada no pré-operatório, avaliando a abertura de fenda palpebral. “Isso é extremamente importante para não ter dificuldade de fazer o dock e o anel de sucção para um Lasik ou FemtoLasik, e não ficar frustrado no intraoperatório.” Por fim, um acompanhamento rotineiro do paciente no pós-operatório é mandatório. “A cirurgia refrativa requer um compromisso a longo prazo de acompanhamento pós-operatório e o paciente tem que ter ciência disso, tem que se comprometer com esses retornos para garantir uma evolução satisfatória da sua cirurgia”, reitera.
De acordo com Mori, a anamnese é uma boa hora para o ajuste de expectativas do paciente. “Parece simples, mas deve-se fazer uma refração e exames físicos cuidadosos, pois é uma péssima sensação ter dúvidas no dia da cirurgia, ou pior, no pós-operatório”, destaca. Com dados confiáveis, segundo o cirurgião, é necessário tirar um tempo para avaliá-los e, da mesma maneira, lidar com a motivação do paciente e seu ideal de resultado cirúrgico. “Ele valoriza uma boa indicação e, mesmo que não seja tão motivador, uma boa contraindicação. Faça as programações previamente e carregue os dados do paciente, isso exclui vieses”, orienta, ressaltando que é mais fácil lidar com uma encruzilhada do que com duas ou três. “Até mesmo os grandes especialistas têm dúvidas e, caso não se sinta seguro, há diversos programas de subespecialização e eventos de ensino que podem auxiliar o cirurgião oftalmológico em sua formação”, finaliza o especialista.
Desmistificando a cirurgia refrativa
Segundo Wallace Chamon, professor do Departamento de Oftalmologia Escola Paulista de Medicina (EPM) / Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), a cirurgia refrativa não é tão presente na formação do oftalmologista e é preciso desmistificar algumas questões sobre ela. “A cirurgia refrativa está aberta a todos os oftalmologistas, inclusive para o médico que finalizou a sua residência na especialidade. Se ele tomar alguns cuidados importantes, será capaz de fazer uma boa cirurgia refrativa”, afirma.
Para ele, o oftalmologista recém-formado pode e deve fazer a cirurgia de PRK, ao contrário do Lasik, que requer um treinamento específico. “É muito difícil para o jovem cirurgião começar a fazer o Lasik sem um treinamento adequado, mesmo que seja com laser de femtossegundo, que é mais seguro.” Ele aconselha, dessa forma, que o jovem cirurgião inicie suas cirurgias refrativas pelo PRK. “Todo médico oftalmologista sabe desepitelizar uma córnea e pode ter acesso, através do Conselho Brasileiro de Oftalmologia (CBO), a um treinamento teórico de avaliação e de conceitos básicos de cirurgia refrativa”, orienta.
Importante lembrar, segundo o professor, que grande parte das complicações em cirurgias refrativas está associada a córneas que não deveriam ter sido operadas, por isso o médico precisa fazer um exame do perfil anterior da córnea. “Precisamos saber como está o perfil da córnea e, para isso, o uso do topógrafo corneano com disco de Plácido ou um aparelho baseado em scheimpflug é muito importante. Estes exames são fundamentais para o sucesso e a segurança da cirurgia”, aponta. Uma dica importante para quem está começando, assegura o especialista, é procurar o máximo de informações a respeito das cirurgias refrativas. “Eu sugiro assistir às reuniões semanais do Setor de Óptica Cirúrgica da EPM, em que discutimos catarata e cirurgias refrativas, de acesso livre (pelo zoom, depois disponibilizado no canal do Youtube)”, conclui Chamon.

Fonte: Revista Universo Visual

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