Maria Regina Chalita Professor Adjunto de Oftalmologia da Universidade de Brasília – UnB; Chefe do Setor de Córnea e Cirurgia Refrativa do Centro Brasileiro da Visão CBV; Pós-Doutorado em Cirurgia Refrativa pela Cleveland Clinic Foundation – EUA
A seleção de pacientes para a cirurgia refrativa deve ser criteriosa e detalhada. Há vários aspectos a serem avaliados antes de indicarmos uma cirurgia. Descreverei abaixo os principais pontos a serem abordados em uma consulta oftalmológica para avaliação pré-operatória.
1) Anamnese
Antecedentes pessoais: é extremamente importante perguntar ao paciente se ele tem alguma doença sistêmica e se faz acompanhamento para o controle da mesma, bem como o uso de medicamento específico. Algumas doenças, como diabetes mellitus, doenças reumatológicas, doenças com imunodeficiências associadas podem aumentar o risco de complicações pós-operatórias, principalmente se não estiverem controladas.
Antecedentes familiares: perguntar se há casos de doença oftalmológica na família, incluindo doenças ectásicas da córnea.
Medicação em uso: o uso de alguns medicamentos também pode alterar a cicatrização no pós-operatório. Lembrar de medicamentos de ação no sistema nervoso central que podem alterar a acomodação (remédios para emagrecer, antidepressivos, hipnóticos, etc.). Os antidepressivos também causam, na sua grande maioria, alteração do filme lacrimal, assim como a tretinoína, que causa olho seco que perdura em torno de seis meses após o término do seu uso. O uso de imunossupressores também pode prejudicar, aumentando o risco de processos infecciosos no pós-operatório.
Uso de lentes de contato: os usuários de lentes de contato devem suspender seu uso para a realização dos exames pré-operatórios por um período mínimo de sete dias para o usuário de lentes de contato gelatinosas e 14 dias para o usuário de lentes de contato rígidas. O uso das mesmas irá causar alterações na curvatura e espessura corneanas, bem como alterações refracionais, daí a importância de suspender seu uso para uma criteriosa avaliação. Alguns pacientes apresentarão estas alterações (corneal warpage) mesmo após este período de suspensão das lentes, necessitando de mais tempo sem as mesmas para serem reavaliados.
Atividades físicas: pacientes que realizam esportes de impacto, como boxe, lutas, mergulhos em grande profundidade, devem ser submetidos a cirurgia de superfície, para que não haja potenciais complicações com o flap na cirurgia lamelar.
2) Exame oftalmológico
Refração: é importante realizar refração dinâmica e estática nos pacientes. Os pacientes míopes, principalmente jovens, tendem a aceitar mais grau do que o necessário na refração dinâmica por acomodarem, o que pode gerar hipercorreções. Os pacientes hipermétropes jovens geralmente não usam todo seu grau de hipermetropia, e se houver uma diferença muito grande entre a refração estática e dinâmica será difícil optar por qual grau deve ser corrigido. Ao realizar a refração dinâmica e estática teremos subsídios suficientes para melhor planejar a correção ideal para o paciente. Devemos sempre lembrar que a estabilidade do grau é fundamental para indicarmos a cirurgia, portanto faz-se necessária a avaliação periódica do paciente, em que não haja mudança significativa na refração por pelo menos um intervalo de 1 ano.
Avaliação da superfície ocular e filme lacrimal: doenças da superfície ocular, como blefarites e meibomites, devem ser tratadas antes de realizar a cirurgia refrativa. Pacientes com olho seco devem ser operados preferencialmente com cirurgia de superfície, para evitar potenciais complicações como LINE (LASIK-induced neurotrophic epitheliopathy) ou olho seco induzido por LASIK.
3) Exames complementares
Fazem parte da minha rotina pré-operatória para cirurgia refrativa com excimer laser a topografia corneana, tomografia corneana, microscopia especular da córnea, aberrometria ocular e o mapeamento da retina com depressão escleral. É importante relembrar a necessidade de suspender o uso das lentes de contato, como citado previamente para a realização dos exames que avaliam a córnea. Caso haja alguma lesão na periferia da retina que necessite de tratamento com laser, este deve ser realizado antes da cirurgia refrativa e novo mapeamento deve ser realizado em torno de 30 dias pós-tratamento para avaliar a cicatrização retiniana.
4) Avaliação das expectativas do paciente
Considero esta uma das mais importantes partes da avaliação pré-operatória, e também uma das mais difíceis de se ensinar aos jovens oftalmologistas, pois advém da experiência de consultório no dia a dia. O paciente precisa entender o que a cirurgia refrativa pode fazer por ele e as limitações da mesma. Existem pacientes que têm resultados muito bons, porém não ficam totalmente satisfeitos, e pacientes que não ficam exatamente do modo que o cirurgião planejou, mas que estão muito felizes com o resultado. Um exemplo a ser citado seria o paciente amblíope que procura cirurgia acreditando que irá melhorar sua visão neste olho. A ambliopia é um processo central que não será corrigido com nenhum tipo de cirurgia ou recurso óptico.
Gostaria de finalizar ressaltando a importância de conversar com o paciente, ouvir suas expectativas e discutir com ele todas as possibilidades cirúrgicas, riscos e complicações. Quanto melhor informado o paciente for e quanto maior a participação dele em todo o processo, melhor será seu relacionamento médico-paciente e menores as chances de aborrecimentos, mesmo que o resultado não seja exatamente o planejado
Fonte: Maria Regina Chalita