Depois de anos de formação profissional, é chegada a hora de apostar em abrir o próprio negócio. A questão é: por onde começar? Afinal, a formação em medicina não torna o oftalmologista um gestor. Reconhecer isso é o primeiro passo. “A iniciativa de reconhecer que precisamos estudar ou procurar ajuda especializada para criarmos nossos modelos de negócios é essencial. Quem não tomar essa decisão continuará preocupado com a ameaça da telemedicina, da inteligência artificial, da automação e de outras tecnologias, permanecendo sempre na condição de consumidor e não de protagonista do mercado que atua”, ressalta Francisco Irochima, oftalmologista, palestrante e TED Talker, professor do Programa de Pós-graduação em Biotecnologia da Universidade Potiguar (UNP), professor adjunto da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e gerente de inovação da Liga Norte Riograndense.
De acordo com ele, o principal obstáculo que envolve desde a criação até a consolidação do negócio é a falsa impressão dos médicos de que sabem empreender. “Como alguém que abre um olho com incisões milimétricas ou opera estruturas, como uma retina, não saberia conduzir um negócio? Mas são competências totalmente diferentes. Criar, conduzir e consolidar um negócio com prosperidade não é uma tarefa fácil”, ressalta.
Leandro Trigueiro Fernandes, gerente das Escolas de Negócios, Hospitalidade e Relações Internacionais da Universidade Potiguar (UNP), afirma que uma vez entendido que médico e gestor envolvem diferentes aspectos, o caminho é buscar conhecimento em administração, seja por meio do próprio desenvolvimento e/ou contratação de consultores que atuem na área e possam colaborar na construção dos modelos de negócios e de governança. “É importante tomar todas as precauções possíveis na contratação da consultoria, visto que no mercado existem diversas empresas e profissionais que vendem serviços sem consistência”, indica.
Para Jeanete Herzberg, da Interact Gestão de Negócios, na maioria das vezes os sócios e a administração do negócio aprendem na base da tentativa e erro e exatamente por isso podem não estar gerando lucros aos sócios. “A consultoria externa pode contribuir em diversos aspectos, entre eles ajudar na definição dos objetivos com o negócio e no planejamento estratégico, apoiar clínicas e consultórios para o amadurecimento da administração, seja melhorando seus controles e processos internos na melhoria da jornada do paciente, nos controles financeiros e indicadores de desempenho; dar suporte na busca de potenciais melhorias seja nos processos ligados ao atendimento aos pacientes, ou nos internos de eficiência financeira”, enumera.
Irochima concorda que é importante uma consultoria, mas ressalta que é preciso cautela, pois a área da saúde, especificamente a medicina, tem regulamentações operacionais, profissionais e éticas bem consolidadas e de difícil familiarização por parte de profissionais externos ao seu ambiente. “É comum vermos erros grosseiros ocorrerem em análises feitas até por consultorias reconhecidas por causa da não observância aos detalhes inerentes ao mercado médico”, aponta. Irochima aconselha que, mais do que uma consultoria, os médicos devem se instruir e trafegar pela área de negócios assim como desempenham suas funções técnicas do dia a dia.
Como chegar lá
Para que o jovem oftalmologista monte seu consultório ou clínica, Irochima comenta que, genericamente, há um caminho com alguns checklists, começando pela análise da Demografia Médica no Brasil de 2018 (https://portal.cfm.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=27509:2018-03-21-19-29-36&catid=3). Lá é possível verificar a concentração de oftalmologistas no local onde pretende se estabelecer. Em seguida, é preciso definir de forma clara e diferenciada qual produto e/ou serviço serão ofertados para o público que quer atingir. “O segmento de clientes deve estar muito bem desenhado quanto à classe social, hábitos e necessidades. Essa etapa é fundamental para definir como os clientes se relacionarão com o profissional, tomarão ciência de sua proposta de valor e por meio de quais canais será entregue a eles”, aconselha.
Esta definição facilitará também a elaboração da estratégia de marketing. “É preciso ter cuidado com publicidade falhas, principalmente em redes sociais, e que incorram em deslizes éticos (leia a matéria em
/secaodesktop/materias/162/marketing-digital-como-usar-bem). Contratar um profissional na área nem sempre é sinônimo de segurança. Para evitar surpresas, reporte-se à câmara técnica do Conselho Regional de Medicina do seu estado”, diz Irochima.
O palestrante e oftalmologista diz que as etapas seguintes consistem em definir todas as atividades e recursos chave (intelectual, físico, financeiro e de pessoal), os custos fixos e variáveis, além dos parceiros necessários para que o negócio funcione de forma satisfatória. “Tudo isso nada mais é do que elaborar seu próprio modelo de negócio. Um estudo de mercado e de viabilidade na região na qual pretende se estabelecer tem a mesma importância que um alicerce na construção civil”, compara.
O controle das finanças
Para o sucesso do negócio, é fundamental que o oftalmologista dê a devida importância à administração tanto financeira como geral, e invista em recursos humanos e tecnológicos. “Sistemas de gestão bem implantados costumam ser ferramentas importantíssimas para a gestão eficiente de qualquer negócio. Um bom sistema só trará bons resultados se tiver pessoas treinadas e focadas para que os dados sejam corretamente inseridos e com critérios bem estabelecidos”, comenta Jeanete. “Fluxo de caixa, balancetes e balanços, demonstrativos de resultados e indicadores de desempenho são ferramentas básicas e fundamentais para o controle e gestão eficiente de clínicas e consultórios”, completa.
A especialista aponta que a base de um bom controle financeiro está na acuidade e coerência dos dados de tudo o que acontece nas clínicas e consultórios. “A boa gestão financeira está relacionada a estruturar os dados e ter controles de tudo o que acontece, não só com as entradas e saídas de dinheiro, mas também com os resultados que cada atividade gera, como consultas, exames e cirurgias, assim como entender o significado dos convênios, médicos que lá trabalham, sistema tributário adequado ao negócio, formas de aquisição de equipamentos (locação, leasing, por consumo e outros), recursos humanos envolvidos e assim por diante”, explica.
Um ponto básico, e muitas vezes ignorado pelas clínicas, consultórios e seus sócios, é misturar as contas particulares dos médicos com as da pessoa jurídica. “Essa situação gera dificuldade na determinação dos resultados do negócio e na detecção de problemas específicos em algum setor, ou ainda em se apurar a lucratividade das linhas de serviço ou convênios de melhor ou pior resultados para o negócio”, exemplifica.
Fernandes aponta que esse é, inclusive, um dos fatores que podem levar ao insucesso de organizações. “Não ter uma gestão financeira bem estruturada, confundindo contas da clínica com gestão de contas pessoais, e priorizar uma gestão familiar em detrimento de uma profissional podem levar ao insucesso das organizações”, comenta. O gerente da UNP ainda ressalta que, de acordo com o estudo mais recente do Sebrae sobre a sobrevivência das empresas no Brasil, as principais causas de mortalidade das empresas estão associadas à falta de planejamento, gestão e capacitação.
Fatores de sucesso
Para ter êxito na gestão de uma clínica ou consultório não há uma receita única, mas sim um conjunto de fatores que permitirão a eficiência da operação e eficácia dos resultados. “Podemos chamá-lo de modelo de governança, que deve ser bem definido desde a concepção da clínica, estabelecendo planos de curto, médio e longo prazo, associado a uma gestão integrada que concilie a expertise em gestão com ferramentas modernas que permitam o efetivo funcionamento da clínica. É muito importante levar em consideração a integração de técnicas e conhecimentos de customer experience, gestão de talentos, tecnologia da informação aplicada à área, gestão financeira e organizacional”, indica o gerente das Escolas de Negócios, Hospitalidade e Relações Internacionais da Universidade Potiguar (UNP).
Outro ponto de extrema importância é o capital humano. Amaury Guerrero, CEO do Grupo Opty, aponta que o principal fator que leva ao sucesso na gestão de uma clínica é ter as pessoas certas no lugar correto. “Muitas vezes, os líderes das empresas se preocupam e dedicam muito tempo na formulação de uma estratégia ou de um plano de negócios com o mercado externo. E, na minha carreira, eu percebi que isso é fundamental. Porém o sucesso sustentável de qualquer negócio ocorre somente quando você consegue atrair talentos, retê-los e, muito importante, ver em qual posição na companhia eles vão contribuir mais. Isso é o que quero dizer com pessoas certas no lugar correto. Na área da saúde, como prestador de serviços, isso se torna ainda mais fundamental, porque são pessoas cuidando de pessoas”, ressalta Guerrero.
Para não cair em roubadas
Irochima dá algumas importantes orientações para quem pretende montar um negócio:
1-Tenha o mínimo de conhecimento do que é um modelo de negócio. Estude (https://canvanizer.com/new/business-model-canvas);
2-Faça uma análise de mercado e viabilidade do seu negócio;
3-Cuidado com consultorias não especializadas na área médica ou que desconhecem as peculiaridades da área;
4-Cuidado redobrado com grandes empreendimentos que necessitem de grandes edificações ou grandes investimentos. O futuro é de quem utiliza tecnologia (bites) e não átomos;
5-Um marketing bem feito é fundamental, mas de forma antiética é um tiro no pé. Em caso de dúvidas, procure auxílio no seu CRM;
6-Esteja atento à movimentação do mercado e às novas tecnologias;
7-Saiba que seu modelo de negócio não é estanque. Ele pode ter que ser modificado;
8-Eleja sua equipe por capacidade técnica. Cuidado com empresas familiares;
9-Não ofereça uma proposta de valor que você não pode ofertar;
10-Tenha sócios que estão alinhados com suas metas.
Fonte: Universo Visual