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A história desse radiologista na área de inovação começou cedo: aos 13 anos Kitamura já programava. E esse gosto pela tecnologia nunca o abandonou. Na época do vestibular ficou em dúvida entre os cursos de Engenharia e Medicina. Optou pela última.

Durante a faculdade fez projetos interdisciplinares com os departamentos da Engenharia e da Física desenvolvendo dispositivos médicos e programas de computador, a fim de resolver problemas da medicina e tentar melhorar a saúde das pessoas.

Quando começou a estudar Inteligência Artificial (IA), no início da faculdade, por volta do ano de 2004, o cenário ainda não era promissor. Em 2012 isso muda de figura. Segundo ele, isso tem a ver com três grandes fatores: disponibilidade de dados digitalizados, poder de processamento com as novas placas de vídeo dos computadores e o desenvolvimento de algoritmos melhores.

Fez residência em radiologia, uma especialidade que já lidava muito com a tecnologia. Ao finalizar a especialização, o deep learning já era capaz de identificar o que havia “dentro de uma imagem”. Foi quando pensou: “agora que consegui me encontrar na medicina, na especialidade em que gosto e onde vejo o valor do meu trabalho esse algoritmo vai roubar meu emprego”.

Impulsionado também por esse receio, começou a treinar modelos de IA. E foi essa habilidade que abriu seu campo de trabalho para o universo da inovação.

Desde 2018 está na Dasa com a missão de trazer para a prática médica os benefícios de algoritmos de IA. Iniciou na radiologia, mas hoje olha para os projetos de inovação em geral do grupo. De acordo com o especialista, com a chegada do ChatGPT as possibilidades se expandem bastante. Foi sobre isso que conversamos.

Mas o que é o GhatGPT?

O Chat GPT é um algoritmo baseado em inteligência artificial, criado pelo laboratório de pesquisas em inteligência artificial OpenAI.

Ele funciona a partir de uma base de conhecimento constantemente atualizada e que permite decodificar palavras para oferecer respostas em texto aos seus usuários.

Pode ser acessado por meio de seu site oficial: chat.openai.com.

Confira a entrevista completa abaixo.

Universo Visual: Será que você poderia nos dar exemplos de como essas novas tecnologias vem sendo aplicadas hoje em dia na área da saúde?

Felipe Kitamura: A princípio a gente pensa que os algoritmos serão capazes de identificar as doenças nas imagens nos exames, vão substituir os médicos ou fazer com que eles trabalhem mais rápido. Na prática, esses não são os algoritmos em que identificamos maior valor no momento. Acho que no futuro, sim, mas hoje esses algoritmos que detectam doenças, em minha experiência, não são os que trazem maior valor. A gente pensa que é na hora do laudo do exame que a IA vai atuar. Mas a verdade é que a IA tem trazido um valor muito maior em todas as etapas anteriores, no restante da jornada do paciente. Exemplos:

Temos o projeto de processamento de linguagem natural (em inglês, Natural Language Processing – NLP) em que há algoritmos capazes de ler os textos dos laudos dos exames – aqueles que os radiologistas escrevem – identificar doenças relevantes que precisam de um próximo passo. Ou seja, não posso deixar que o paciente esqueça de buscar o resultado, pois essa doença pode evoluir. Com frequência percebemos que o paciente fez o exame por um motivo e acabou descobrindo outra doença. O que a gente faz: esses algoritmos de NLP leem entre 6 e 10 mil laudos por dia buscando por achados críticos. A ideia é que esses pacientes sejam avisados por seus médicos no mesmo dia em que realizaram o exame. Além disso, oferecemos a rede da Dasa para indicar serviços e outros especialistas, se necessário for, para esses pacientes.

Outro projeto é o de aceleração do exame de ressonância magnética. Conseguimos algoritmos que auxiliam a reduzir de 30% a 40% o tempo do exame, com a mesma qualidade de imagem do exame feito no tempo padrão. Além de aumentar o conforto do paciente, para agendar também é melhor, porque é possível atender mais pessoas por dia. Também deixo de comprar mais equipamentos, o que contribui com a sustentabilidade.

Para encerrar, cito um dos nossos projetos mais antigos: o paciente agenda um exame para um dia e horário mais convenientes. Naquele dia e horário também há outros pacientes agendados no laboratório, mas muitos deles faltam, o que gera uma ineficiência para o setor da saúde. O setor de ciência de dados da Dasa criou um algoritmo que é capaz de prever as faltas de pacientes (“no show”) no dia do exame.

UV: E com relação especificamente à febre do momento, o ChatGPT, que é um braço da IA. Como essa ferramenta pode efetivamente contribuir com a medicina?

FK: Existe uma onda de aplicações que acabaram de se tornar possíveis há poucos meses por causa do ChatGPT. Vão existir aplicações a partir daí que vão mudar a forma como trabalhamos, embora ainda estejamos muito do início. Temos uma série de questões de legislação e regulamentação no contexto da saúde, como a LGPD, mas o potencial é grande.

Estamos começando a estudar os usos na medicina. Uma coisa interessante é que a OpenAI tem um grupo de cientistas, inclusive um médico, já estudando o ChatGPT4 antes de ele ser disponibilizado no mercado. Eles começaram a publicar artigos agora e, com isso estamos vendo casos de uso em que eles testaram mostrando as habilidades e as limitações do ChatGPT. Importante salientar: a versão gratuita disponível para o público é baseada na versão 3.5 do GPT. A versão 4 é a paga e existe uma discrepância muito grande tanto na capacidade quanto na quantidade de erros em relação a versão gratuita. A versão paga erra bem menos. Por aí percebemos que a evolução vai ser muito rápida e esses algoritmos devem errar ainda menos. Em tempo: a versão 5 já está sendo testada há mais de um ano.

Vamos a um exemplo de aplicação: o ChatGPT tem a capacidade de resumir textos. Em situações em que o médico tem pouco tempo para entender todo o histórico do paciente, o ChatGPT é capaz de selecionar as informações mais relevantes. Posso perguntar se o paciente é alérgico, se já passou por uma cirurgia. Isso pode ajudar inclusive com a documentação da consulta, pois ele consegue fazer um resumo clínico da conversa entre médico e paciente. 

UV: Há alguma especialidade médica que pode ser mais beneficiada por essas novas tecnologias?

FK: As especialidades que lidam mais com imagens, como dermatologia, patologia oftalmologia e radiologia. Agora, com a evolução do ChatGPT isso se amplia para todas as especialidades que envolvem texto, ou seja, todas. 

UV: Existe alguma ameaça a ser considerada a partir da adoção da IA e do Chat GPT na saúde?

FK: Há um trabalho longo a ser feito, tanto jurídico quanto de integração de sistemas de TI para que isso se torne uma realidade. A privacidade de dados é um foco importante, além do uso inapropriado da plataforma. 

UV: O que podemos esperar para o futuro? Não precisamos nos preocupar com a substituição dos médicos pelas máquinas, certo?

Felipe Kitamura Diretor de Inovação Aplicada e Inteligência Artificial na Dasa e Professor afiliado de Radiologia na UNIFESP (Universidade Federal de São Paulo)

FK: Não vejo esses modelos substituindo médicos. No entanto, pensando no que vislumbrar para o futuro, vejo muita possibilidade de ganho de eficiência. Os médicos podendo gastar menos tempo preenchendo informações no prontuário ou no computador, sendo mais eficientes no contato com o paciente, por exemplo.  Assim, além do próprio cuidado efetivamente, ajudam a fornecer informações relevantes com melhor uso do tempo.

Entrevista publicada na versão impressa da revista Universo Visual – Edição de Maio / 2023
Jornalista: Camila Abranches

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