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Ariel Chaves
Fellow do Serviço de Glaucoma do Instituto de Olhos das Ciências Médicas – Hospital Medicina dos Olhos
Larissa Terenzi
Fellow do Serviço de Glaucoma do Instituto de Olhos das Ciências Médicas – Hospital Medicina dos Olhos
Fabio Kanadani
Chefe da Oftalmologia do Instituto de Olhos Ciências Médicas
Professor Titular em Oftalmologia da Faculdade Ciências Médicas – MG
Doutor em Oftalmologia pela Escola Paulista de Medicina – UNIFESP
Tiago Prata
Professor do Departamento de Oftalmologia | UNIFESP/EPM
Professor Orientador do Setor de Glaucoma | Hospital Oftalmológico de Sorocaba
Coordenador do Fellowship em Glaucoma | IOCM HMO 
Opções de tratamento para o glaucoma de ângulo aberto
O glaucoma é uma doença crônica que afeta milhões de pessoas em todo o mundo. Embora se trate de uma doença multifatorial, a pressão intraocular (PIO) elevada permanece como o mais importante fator de risco conhecido, desempenhando um papel importante no desenvolvimento e progressão da doença, mesmo em casos com pressões consideradas estatisticamente normais. Isto exposto, fica claro que a principal forma de tratamento para controle ou prevenção da doença é a redução da PIO. Em relação às alternativas disponíveis para redução da PIO em olhos com glaucoma de ângulo aberto, temos atualmente as seguintes opções, aqui dispostas das mais conservadoras para as mais invasivas: drogas hipotensoras, trabeculoplastia a laser, cirurgia antiglaucomatosa microinvasiva (MIGS), cirurgia antiglaucomatosa convencional, implante de tubos de drenagem e procedimentos ciclodestrutivos. 
Dificuldades da terapia com colírios hipotensores
Apesar dos colírios hipotensores serem tradicionalmente a terapia inicial de escolha na maioria dos casos, e de existirem drogas relativamente seguras e eficazes, a maior parte apresenta efeitos colaterais, sejam eles locais ou sistêmicos, que levam a alterações crônicas da superfície ocular e interferem de forma significativa na qualidade de vida dos pacientes. Outro fator importante a ser considerado em relação ao tratamento do glaucoma é a adesão do paciente à terapia proposta. Sabemos que o uso diário dos colírios hipotensores exige dedicação do paciente, compreensão da gravidade da doença e capacidade de instilar as medicações, entre outras. Infelizmente, estudos de persistência e adesão em glaucoma mostram que uma proporção significativa dos pacientes interrompe o uso da terapia recém-prescrita ainda no primeiro ano de tratamento, sendo a persistência pior quanto maior o número de colírios prescritos.
Um outro ponto a ser levado em consideração é a dificuldade do médico em avaliar a adesão de cada paciente ao tratamento proposto, uma vez que estudos sugerem que o paciente, além de não informar de maneira fidedigna sobre o uso da medicação, ainda melhora muito sua aderência ao tratamento na semana que antecede a consulta oftalmológica. É importante ressaltar que pacientes não aderentes apresentam maior chance de progressão funcional a despeito da PIO medida na consulta. 
Uso da trabeculoplastia seletiva para tratamento do glaucoma de ângulo aberto
Nesse contexto, vemos a trabeculoplastia seletiva a laser (SLT) como uma alternativa segura (poucos efeitos colaterais), rápida e relativamente eficaz de tratamento para casos de glaucoma de ângulo aberto e hipertensão ocular, e que apesar de contar com respaldo significativo na literatura, ainda é subutilizada no Brasil. Nos parágrafos a seguir vamos tentar responder, de forma bem clara e objetiva, alguns pontos importantes sobre como incorporar a SLT no dia a dia do consultório.

FAQS IMPORTANTES SOBRE O TRATAMENTO SLT
1. Quais são os pacientes candidatos ao SLT? Em quais situações indicar? 
R: Os melhores candidatos para o SLT são os pacientes portadores de hipertensão ocular ou de glaucoma de ângulo aberto (principalmente casos de glaucoma primário de ângulo aberto, pigmentar ou pseudoesfoliativo).
O SLT é indicado para as seguintes situações: (1) redução adicional da PIO em pacientes com controle insatisfatório da PIO a despeito do tratamento com hipotensores tópicos; (2) pacientes bem controlados, com o intuito de reduzirmos o número de drogas; (3) alternativa para terapia primária.
2. Quando não indicar?
R: O SLT não deve ser indicado quando a PIO-alvo está fora da capacidade de redução pressórica do laser. Também evitamos indicar o laser em olhos com glaucoma avançado, em uso de múltiplas drogas e com ameaça de fixação, pelo risco de pico hipertensivo e consequente comprometimento da função visual.
3. Qual a redução esperada da PIO ao longo do primeiro ano após o SLT? 
Em média, espera-se uma redução de 25% da PIO basal.
4. Quanto tempo dura o efeito do laser?
R: Ao final de um ano, a taxa de sucesso é de aproximadamente 75%. Com 3 anos, cai para 46%. E ao final de 5 anos, apenas 32% dos pacientes mantêm sucesso. 
5. Uma vez que o tratamento não dura para sempre, posso repetir? 
R: Os estudos têm mostrado de maneira consistente que o SLT pode ser reaplicado, com taxas de sucesso similares ao primeiro tratamento, em olhos que tiveram uma boa resposta ao primeiro tratamento com SLT.
6. Existem efeitos colaterais? Quais são?
R: Os efeitos colaterais são infrequentes com SLT. Quando presentes, parecem estar relacionados à aplicação de energia excessiva em olhos muito pigmentados ou já muito comprometidos.
O principal efeito colateral observado é o aumento transitório ou permanente da PIO. Outros, também muito infrequentes, são edema corneano transitório e formação de sinéquia anterior periférica.
7. Tratar 90º, 180º ou 360º? Qual a extensão ideal do tratamento?
R: Em geral, observamos uma resposta melhor com a aplicação nos 360 graus. Nesse caso, observa-se uma redução da PIO similar àquela obtida com os análogos de prostaglandina. Preconiza-se a aplicação de 100 a 120 disparos, sendo cerca de 25 a 30 por quadrante. Em pacientes com trabeculado muito pigmentado, orienta-se a realização do laser em uma extensão menor com um nível menor de energia. 
8. Existem possíveis preditores de sucesso? 
R: Sim. O sucesso do 1o olho aumenta em muito a chance de sucesso do olho contralateral. Os resultados também parecem ser melhores em pacientes que não usam análogos de prostaglandina, em olhos com PIO basal mais elevada e quanto menor a quantidade de drogas em uso no momento da indicação do laser. 
9. Indicar um olho por vez ou os dois olhos ao mesmo tempo?
R: Nossa preferência é por fazer um olho por vez, embora não exista contraindicação formal para realizar os dois olhos ao mesmo tempo. Como dito anteriormente, existe uma grande dependência interocular no padrão de resposta ao laser, sendo que caso não haja sucesso da aplicação no primeiro olho, não acreditamos que seja justificada a aplicação no olho contralateral. Além disso, o segundo olho pode ser utilizado como controle para avaliarmos o sucesso do primeiro olho. 
10. O tratamento com SLT pode prejudicar uma TREC futura?
R: Não, o SLT não tem influência sobre a taxa de sucesso da TREC.
11. Qual a dificuldade técnica para o procedimento? 
R: Dominar a técnica de gonioscopia é ESSENCIAL. Principalmente para correta avaliação pré-operatória e indicação do tratamento. 
Uma vez dominada a gonioscopia, o procedimento é relativamente simples, sendo os resultados de pacientes tratados por residentes semelhantes aos obtidos por médicos experientes.
12. Como é o manejo pós-laser? Deve-se manter o hipotensor ocular? 
R: Normalmente utilizamos anti-inflamatórios tópicos não hormonais ou corticoide milesimal. A dose sugerida seria 4 vezes ao dia durante uma semana. É importante ressaltar que o hipotensor ocular tópico deve ser mantido inicialmente para que não se perca a referência do padrão de resposta do laser. Durante o acompanhamento, a medicação tópica deverá ser manejada conforme cada caso.
13. Por fim, seguem algumas novidades com base em publicações recentes. 
– SLT transescleral: Um estudo recente sugeriu que a eficácia do SLT transescleral (aplicado diretamente sobre a região limbar, sem lente) é similar àquela obtida com a aplicação convencional (com lente). Acreditamos que esses dados sejam interessantes, mas precisam ser confirmados em estudos futuros. É importante ressaltar também que esta técnica de SLT transescleral não elimina a necessidade de gonioscopia para a correta indicação do procedimento.
– SLT anual com baixa potência: Gandolfi e colaboradores mostraram que a aplicação anual de SLT com baixa potência (360°, 0.4 mJ, 50-60 disparos) pode ser uma alternativa eficaz para tratamento inicial do glaucoma. Apesar de promissores, esses resultados ainda necessitam de confirmação. 
– Numero de disparos versus eficácia do SLT: um estudo retrospectivo sugeriu recentemente uma maior taxa de sucesso, sem maiores efeitos colaterais, com 160 disparos ao invés de 120. Ou seja, existiria uma correlação positiva entre a quantidade total de energia utilizada e a resposta ao laser nesses olhos. Acreditamos que esses dados precisam ser confirmados através de um estudo prospectivo, com PIO basal mais homogênea entre os grupos.
Conclusões
A maior parte dos nossos pacientes apresenta glaucoma de ângulo aberto e por isso seriam de antemão candidatos a trabeculoplastia no momento do diagnóstico. Dentre as modalidades disponíveis de trabeculoplastia, apesar de não haver diferença significativa na redução pressórica final, nossa opção é pela forma seletiva, em função da maior facilidade técnica (o que minimiza o risco de complicações) e possibilidade de repetição do tratamento.
Sabemos que a perda da reserva funcional da malha trabecular é progressiva no glaucoma, e que por isso uma parcela significativa dos nossos pacientes irá precisar de duas ou mais drogas para controle da PIO ao longo do tempo, sendo alguns invariavelmente operados. Logo, acreditamos que o tempo e qualidade de vida são variáveis muito importantes no controle da doença, sendo a trabeculoplastia uma forma de alcançar ambos.
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Fonte: Universo Visual

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