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Por Flávia Lo Bello
O Dia Nacional de Combate ao Glaucoma é celebrado anualmente no dia 26 de maio. Conscientizar a sociedade como um todo sobre a importância do diagnóstico precoce desta doença é um dos principais objetivos desta data. O glaucoma é uma doença ocular silenciosa, influenciada principalmente pela elevação da pressão intraocular (PIO), que provoca lesão no nervo óptico e, como consequência, comprometimento visual. Quando não tratado, pode levar à cegueira. Estima-se que haverá cerca de 80 milhões de pessoas com glaucoma no mundo em 2020. 
Na entrevista abaixo com a presidente da Sociedade Brasileira de Glaucoma (SBG), Wilma Lelis Barboza, comenta, entre outros aspectos, sobre como a SBG vem atuando na conscientização da população a respeito da doença e também sobre as perspectivas futuras em relação ao diagnóstico e tratamento do glaucoma. “Estamos em um momento muito bom em termos de novidades cirúrgicas, que nos levam a discutir mais a opção cirúrgica do tratamento do glaucoma, seu melhor momento de indicação e estadiamento da doença. Também a tecnologia nos traz esperança de melhorar a avaliação do campo visual dos pacientes com maior facilidade na realização do exame, com a utilização da realidade virtual, por exemplo”, ressalta a oftalmologista.
Revista Universo Visual – Qual a importância do Dia Nacional de Combate ao Glaucoma?
Wilma Lelis Barboza – A importância do Dia Nacional de Combate ao Glaucoma é ter um marco no calendário que possa levar toda a sociedade a trabalhar em atividades de conscientização sobre o glaucoma, por meio das mídias sociais, rádio, TV, iluminação de monumentos públicos, reuniões médicas etc.
UV – Em termos epidemiológicos, qual o cenário atual do glaucoma no Brasil e no mundo?
Wilma – Estima-se que haverá cerca de 80 milhões de pessoas com glaucoma no mundo em 2020. No Brasil, não temos dados epidemiológicos precisos, porém, considerando alguns estudos nacionais e aspectos raciais de nossa população, podemos extrapolar dados internacionais que nos levam a cerca de 2-3% de prevalência de glaucoma.
UV – Quais são os fatores de risco para o glaucoma?
Wilma – O principal fator de risco para glaucoma é, sem duvida, o aumento da pressão intraocular (PIO). É um fator de risco, ou seja, é possível ter PIO alta e não ter glaucoma no momento daquele diagnóstico, entretanto há glaucoma mesmo com a PIO dentro da normalidade populacional. Além deste, o histórico familiar de glaucoma é muito relevante, pois aumenta a chance de um indivíduo ter glaucoma em 6-10 vezes quando se tem um parente de primeiro grau com glaucoma. Outros fatores incluem, por exemplo, a raça negra, miopia e idade avançada.
UV – Que exames fundamentais são realizados para o diagnóstico do glaucoma?
Wilma – O exame do nervo óptico determina o diagnóstico do glaucoma. A conclusão de que há neuropatia glaucomatosa pode ser feita pela avaliação do fundo-do-olho, por métodos de imagem, como retinografia e tomografia de coerência óptica, e por métodos que avaliam o funcionamento do nervo, como a perimetria.
UV – Como a Sociedade Brasileira de Glaucoma (SBG) vem atuando na prevenção da doença e conscientização da população?
Wilma – Os pilares de atuação da SBG são:
  • A educação médica continuada, com atividades que contemplam os oftalmologistas de forma geral e aos que se dedicam mais ao atendimento de glaucoma. Promovemos reuniões com pequenos grupos de discussão, aulas em congressos nacionais, aulas via web, materiais impressos como calendários, entre outros;
  • Educação médica de áreas afins: este ano estamos trabalhando o diagnóstico precoce e orientação sobre o tratamento do glaucoma congênito, participando de um Congresso Nacional de Pediatria e incluindo aulas em serviços de residência médica de pediatria. Esta é uma ação que foi possível graças aos representantes regionais da SBG, que atuaram de norte a sul do país.
  • Entrevistas em rádios e TVs de todo o país, como Rádio Nacional do Amazonas, Salvador e Brasília, CBN, TVs Band News SP, Globo News RJ, Tribuna de Curitiba e diversos jornais, sempre enfatizando a importância do diagnóstico precoce e do acompanhamento disciplinado para evitar a progressão da doenca.
  • Iluminação de marcos/monumentos públicos com comunicação à imprensa local: graças aos representantes regionais da SBG, foram iluminados monumentos em todas as regiões do país, como Ponte do rio Guaíba (RS), Museu do Olho de Curitiba (PR), Arcos da Lapa (RJ), entre outros no Rio de Janeiro, Assembléia Legislativa de SP, Obelisco em Campo Grande (MS), Elevador Lacerda em Salvador (BA), e também Maceió (AL), João Pessoa (PB), São Luís (MA) e Porto Velho (RO).
UV – Quais as maiores dificuldades para a falta de diagnóstico e também para o controle adequado da doença na população?
Wilma – A conscientizacão sobre a doença é o maior problema. O diagnóstico muitas vezes é tardio, outras vezes o diagnóstico é negligenciado por falta de compreensão de que o glaucoma é uma doença assintomática que progride, a despeito da percepção do indivíduo, e é irreversível. O glaucoma não tem cura, portanto, quanto mais precoce é feito o diagnóstico e quanto melhor é o seguimento, maior a chance de evitar a cegueira.

UV – Qual a sua opinião sobre a implantação de mutirões de cirurgia de glaucoma em algumas regiões do Brasil?
Wilma – O glaucoma pode ser tratado de diferentes formas, sendo uma delas a cirurgia, que visa o controle da pressão intraocular, e que tem sobrevida limitada. Isso significa que muitos pacientes que necessitam de cirurgia precisam, ao longo do tempo, de avaliações que podem levar à necessidade da revisão da cirurgia ou o retorno à medicação em algum momento. Além disso, o pós-operatório com visitas no mínimo semanais ao oftalmologista é imprescíndivel por cerca de 40 dias. A cirurgia do glaucoma nao é curativa, logo se vê por essas pontuações que o tratamento cirúrgico do glaucoma é absolutamente distinto de uma catarata, por exemplo. Dessa maneira, operar glaucoma e não seguir sua evolução é inadmissível. Nesse sentido, considero os mutirões de cirurgia de glaucoma inviáveis.
UV – Em termos de tratamento clínico, o que há de melhor disponível na atualidade?
Wilma – Não temos drogas novas para o tratamento do glaucoma. O lado bom é que são drogas bem conhecidas tanto pelo seu efeito de hipotensão quanto pelos seus efeitos colaterais possíveis. Isso melhora a qualidade do tratamento. A combinação de drogas em mesmo frasco facilita muito o tratamento do glaucoma e temos várias combinações fixas com e sem timolol. Em breve, teremos uma combinação tripla à nossa disposição.
UV – E quanto às opções cirúrgicas e a laser?
Wilma – Quanto ao laser, a trabeculoplastia seletiva, por ser um método de fácil aplicação e baixíssimo risco, tem sido cada vez mais incorporada ao tratamento do glaucoma, seja como primeira opção, seja como complementacão do tratamento medicamentoso. Há também novas opções de laser para ciclodestruição, aumentando nosso armamentário para glaucomas avançados.
Do lado cirúrgico, temos os MIGS, que seriam cirurgias minimamente invasivas. Foram aprovadas pela SBG junto à AMB, com a seguinte descrição de procedimento: “Cirurgias via angular, com ou sem dispositivos de drenagem”. Assim, temos incluídos os procedimentos como viscocanoloplastia, Kahook, GAAT, iStent e os que estão por entrar no mercado, como Cypass e Xen. 
Estamos em um momento muito bom em termos de novidades cirúrgicas, que nos levam a discutir mais a opção cirúrgica do tratamento do glaucoma, seu melhor momento de indicação, estadiamento da doença etc. Há ainda hoje o pensamento: “O glaucoma já está muito avançado, não adianta mais operar”. Isso está absolutamente equivocado. Enquanto há visão, precisamos tratar adequadamente para mantê-la. A cirurgia é uma das principais armas nessa fase. Os MIGS, apesar de não serem indicados para essa fase da doença, nos abrem para essa discussão.
UV – O quanto estes tratamentos são efetivos em termos de controle de progressão da doença?
Wilma – A realização de exames complementares, como retinografia, tomografia de coerência óptica e perimetria, é fundamental para definir se o glaucoma está ou não estável. Esse é o nosso objetivo: estabilizar a doenca. Assim, todas as medicações e tratamentos a laser e cirúrgicos são efetivos, com diferentes potenciais de redução, podendo ser utilizados de forma combinada ou substituídos. Pode-se, por exemplo, fazer uma trabeculoplastia a laser e manter o paciente com menos medicação, ou operar e ainda adicionar uma medicação para alcançar o nível ideal de pressão. O tratamento do glaucoma é individualizado. 
UV – Para finalizar, poderia falar um pouco sobre as perspectivas futuras em relação ao diagnóstico e tratamento do glaucoma?
Wilma – Há muitas expectativas em diferentes etapas do diagnóstico e tratamento do glaucoma. Temos expectativa de que os métodos para diagnóstico e avaliação de progressão se tornem cada vez mais robustos. A tomografia de coerência óptica tem trazido aprimoramentos na mensuração das estruturas da retina e nervo óptico, assim como da sua circulação. Informações muito empolgantes que serão sedimentadas com o tempo. 
 A tecnologia nos traz esperança de melhorar a avaliação do campo visual dos pacientes com maior facilidade na realização do exame, com a utilização da realidade virtual, por exemplo. Métodos que nos permitam conhecer a PIO 24 horas ainda são muito esperados e estão em franco desenvolvimento. Há também muitas drogas em pesquisa. Finalmente, a grande expectativa está focada na neurorregeneração, que esperamos que se torne realidade.

Fonte: Universo Visual

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