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Paulo Schor – Diretor de Pesquisa e Desenvolvimento Tecnológico da Unifesp e Professor Chefe do Setor de Óptica Cirúrgica da Escola Paulista de Medicina.
Adapto, reconheço e agradeço a sugestão de tema para esta coluna. “Hay que endurecer”, ser firme, mas cortês. No trato com gente (no nosso caso, pacientes), lapidamos as relações ao longo dos anos de prática. No início é mais difícil escapar da insegurança e seguir à risca cada protocolo, é a ordem. A tensão de estar fazendo “tudo certo” esteriliza a conversa. O temor do “erro” coloca mesas, aparelhos e palavras ininteligíveis entre o recém-chegado médico e os pacientes. Ainda não são “seus” pacientes.
Vários de nós param nessa parede e não aparecem de modo transparente. Somos radiologistas, cirurgiões ocupados ou gestores. Lidamos com máquinas e números. Melhoramos a qualidade de vida de muitas pessoas sem o contato humano. Essa escolha (que eventualmente é a única possível para determinadas personalidades), provavelmente atinge mais pessoas do que o cuidado individual. Um ótimo administrador impacta a vida de milhares. Precisamos de muitos e melhores! Um bom médico talvez toque a alma de um ser humano por vez.
Se desejarmos e conseguirmos ultrapassar a parede, sobrevivermos e resistirmos à tentação do monetarismo, teremos a chance de usar o tempo a nosso favor, e muito mais seguros e tranquilos, desfrutar desse delicioso meio de vida.
Ultimamente vemos muitas contas que chegam ao resultado de que não “vale a pena” ser médico. Especialmente o que trabalha no varejo e mais ainda em países com alto custo de formação. Nosso Brasil, indubitavelmente, ruma para uma educação mais cara, apesar da defesa intransigente de vários de nós, da universidade pública. A missão de mudar rumos é o que deveria fazer “valer a pena” ser médico. Essa escolha infelizmente não é percebida de antemão, e quando escolhemos e aceitamos precocemente tal missão, pulamos no escuro.
Os ótimos médicos, aqueles que têm sucesso pessoal, que dormem tranquilos, com certeza de estar no caminho, e frequentemente são acompanhados por leais pacientes, gostam muito do que fazem. Buscam a todo instante entender e ajudar os outros legitimamente. A amanmese (somos perguntadores) é continuamente realizada, e nos tornamos observadores treinados do comportamento. Entendemos as vergonhas alheias, pouco julgamos e escolhemos as soluções mais efetivas. Somos consequencialistas, diretos e corajosos.
Demora muito tempo até ter coragem de decidir e atuar no corpo e alma alheia. É uma responsabilidade imensa, que traz felicidade igualmente enorme, para ambas as partes. Protegemos os pacientes da inexperiência dos médicos muito jovens pela supervisão constante. A residência medica tem exatamente essa característica: treinamento sob supervisão. Pela alta complexidade das relações entre pessoas, ainda somos pouco corajosos aos vinte e poucos anos, e muitos de nós realizam aperfeiçoamentos ou especializações. Alguns até buscam mais segurança na pós-graduação, que não deveria ter essa finalidade.
A idade nos dá coragem responsável, e frequentemente vamos contraindicar procedimentos com risco maior e benefício duvidoso, ao ficarmos mais experientes. Tomar a decisão certa é ter coragem, e não tomar a decisão mais arrojada.
Ao lado da coragem, excelentes médicos, aqueles que sempre são acompanhados pelos seus pacientes, independente de que parte da cidade atendam, são gentis. Também como forma de ouvir melhor e ser ouvido, praticamos e acredito que fomos selecionados entre os mais corteses. São palavras que acalmam, tom de voz baixo e macio, adaptação de termos e linguagem, e o que mais se fizer necessário para uma efetiva empatia com o paciente.
O tal “médico das antigas”, aquele que “não fala muito mesmo”, é o que tem sido questionado pelo paciente moderno, que tendo entendido o recado, agora pode escolher o que fazer, ciente das consequências. A separação de mundos quando atendemos é uma das partes mais difíceis da prática médica. Deixar as angústias e atrasos pessoais na sala de espera é despender o tempo de qualidade com cada pessoa. Saber o que nos incomoda e não transferir ao paciente esse estresse é o que torna o ambiente acolhedor.
Acabo indo aqui na contramão da deflação médica. Exalto um profissional caro na formação e pouco eficiente na quantidade de pacientes atendidos, mesmo porque o tempo de consulta é fundamental para se conseguir esse estado empático, mas me parece ser exatamente esse médico que o paciente ainda busca, e que vai continuar vivo entre as máquinas, e no imaginário.
Sem dúvida a viabilidade econômica se impõe e isso provavelmente torna alguns sistemas de saúde mais rígidos (e menos gentis?), como vemos em instituições e países que se baseiam fortemente nos já citados protocolos. Nesses locais, o atendimento médico público é universalizado e rigidamente regulado. Claro que não é simpático ser tratado do mesmo modo, mesmo sendo diferente. Não é simpático, mas é viável e permite que mais gente possa ter acesso a cuidados ao invés de ser alijada. Reconheço e confirmo essa posição político-social. Aqui também rumamos para um atendimento menos diversificado, que vai diminuir o espaço para a prática personalizada.
O equilíbrio é complexo e inúmeras competências pessoais e fatores externos são necessários para melhorar a qualidade de vida das pessoas. Temos um longo tempo de maturação para se chegar na plenitude, gentil e corajoso. Claro que vale a pena. Vale encontrar seu médico em você.

Fonte: Universo Visual

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