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Por Christye Cantero
No dia a dia no consultório, não é raro o médico ter de lidar com pacientes que não estão felizes com seus óculos. Essa insatisfação pode ocorrer por vários motivos, como posicionamento do grau fora do eixo visual, curvas das lentes inadequadas ou até a não aceitação por motivos estéticos. “Quando se passa o grau correto, se confecciona as lentes com o grau certo e a montagem é correta, as causas de insucesso diminuem muito , ressalta Neusa SantAnna, doutora em oftalmologia pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
Segundo ela, enquanto as crianças se acostumam muito fácil, os adultos têm mais dificuldades quando apresentam astigmatismo de graus maiores de 2,00 dioptrias. “Já as pessoas com mais de 45 anos que precisam usar os óculos multifocais, as insatisfações podem ser maiores em função das distorções e dificuldade de achar a posição correta de leitura”, explica Neusa.
Harley Edison Amaral Bicas, professor titular sênior do Departamento de Oftalmologia, Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto – Universidade de São Paulo, conta que, geralmente, a queixa dos pacientes é a de que não se vê bem com os óculos; ou de que eles estão piores do que os antigos, referindo falta de nitidez dos objetos, distorções de suas formas, ou de tamanhos diferentes percebidos pelos dois olhos (anisiconia), visão duplicada (diplopia), etc. “Na verdade há múltiplos fatores causando a insatisfação, sejam eles devidos à prescrição médica (por erros de medição ou de decisão sobre o que, o quanto e como receitar), da fabricação da lente, de sua montagem pelo óptico e, finalmente, do próprio usuário, por uso incorreto de lentes absolutamente bem receitadas, confeccionadas e montadas. Obviamente, todos esses fatores devem ser cuidadosamente revistos”, comenta.
Para Celso Cunha, oftalmologista e óptico prático, médico consultor Hoya, membro do departamento de refração da Sociedade Brasileira de Lentes de Contato, Córnea e Refratometria (Soblec), as queixas mais frequentes de insatisfação de pacientes com os óculos prescritos estão comumente relacionadas à necessidade de maiores ajustes ópticos nas lentes progressivas. “As descentrações de centralização da cruz de progressão e a falta da inclinação pantoscópica correta (entre 10 e 12o) são as causas mais encontradas. As queixas mais frequentes são turvação na visão de longe, cansaço visual, falta de campo de visão de perto”, revela.
Segundo o médico, a refratometria o mais correta possível é fundamental para a adaptação aos novos óculos, assim como a verificação dos dados ópticos sugeridos. “A orientação para os usuários de lentes progressivas evitarem armações muito pequenas, com hastes espessas (que não permitem ajustes do ângulo pantoscópico) também podem ajudar”, explica Cunha.
Ele ressalta que assim que detectado algo incorreto que justificaria a insatisfação, o oftalmologista deve escrever ao óptico para que verifique o que pode ter ocorrido para ajudar o paciente a ter o melhor nível de satisfação com a prescrição realizada.
 
Lentes de contato
Muitas vezes, ao sentir desconforto no uso de óculos, muitas pessoas acabam optando pelas lentes de contato.  Neusa SantAnna aponta que com relação a essa alternativa as indicações dependerão da saúde da córnea e da limpeza adequada. “Não é uma alternativa para todos e nem deve ser usada para substituir os óculos”, aconselha. 
Harley E. A. Bicas explica que, embora em correções, quando não há anisometropias, tanto os óculos quanto lentes de contato possam prover conforto visual e nitidez de imagens, os tamanhos delas são maiores pelas lentes de óculos nas correções de hipermetropias e pelas de contato nas correções de miopias. Mas, inversamente, os esforços acomodativos nas fixações para perto também são maiores com as lentes de óculos nas correções de hipermetropias, mas menores nas correções de miopias. 
“Assim, nas hipermetropias a passagem das lentes de óculos para as de contato dão imagens de tamanhos menores (o que desfavorece o usuário), mas esforços acomodativos também menores (o que o favorece). Nas miopias, essa mudança favorece o paciente quanto ao tamanho das imagens (que se tornam maiores com as LC), mas podem desagradá-lo quanto aos esforços acomodativos (também maiores).  Ou seja, há vantagens e desvantagens nessa mudança, conforme a ametropia considerada”, comenta.
Nas anisometropias, por outro lado, conta o professor, cuidados especiais devem ser tomados para evitar a anisiconia (diferença nos tamanhos das imagens formadas em cada olho), indicando-se lentes de contato nas anisometropias refracionais e óculos nas axiais. “Os efeitos prismáticos desiguais causados por estes são muito desagradáveis e podem inviabilizar a indicação das lentes de óculos mesmo quando adequadas (para evitar a anisiconia) nas anisometropia axiais”, completa.
Tema de livro
Lidar com pessoas que não estão felizes com a correção óptica mereceu um capítulo em um livro composto pela Artmed Panamericana Editora. Com o título “Manejo de adultos insatisfeitos com a correção óptica”, o capítulo foi escrito pelo professor doutor Harley Bicas. Gentilmente, Bicas fez um resumo do conteúdo no que se refere aos erros que levam às insatisfações dos pacientes, listados a seguir:
1) Erros de prescrição, seja por problemas de medida ou de decisão. 
a. De fato, por um lado, as medidas dependem de quatro variáveis em cada um dos olhos. A primeira é a do valor básico do grau, isto é, de sua qualidade ou sinal, que pode ser (convencionalmente) positivo (para correção de hipermetropias), ou negativo (para correção de miopias) e de sua quantidade (magnitude). A segunda é a da eventual diferença desse grau, conforme o meridiano ocular estudado, pois nem sempre o valor (e sinal) de um meridiano (por exemplo, o vertical) é igual ao de sua perpendicular (no caso, o horizontal). É a essa diferença que se denomina astigmatismo. 
A terceira é a da inclinação do meridiano de maior (ou de menor) valor. A quarta é a da prismação (ou posição do centro óptico da lente relativamente ao eixo visual). As medições podem ser objetivamente determinadas por instrumentos (isto é, as medidas podem ser automaticamente determinadas por um instrumento) e, por isso, parecem ser simples, mas exigem critérios que, infelizmente, nem sempre são corretamente obedecidos.
b. Erros de “decisão” dependem da experiência e conhecimentos do médico: idênticas medidas em diferentes pessoas geralmente requerem diferentes prescrições, pois as correções ópticas convenientes dependem da idade do examinado e de seus sintomas e sinais. Aí também entram considerações sobre eventuais diferenças (comuns) entre os dois olhos. Enfim, uma boa prescrição depende de ciência (a medição propriamente dita) e de arte do médico (a decisão de quanto, quando e como prescrever).  
2) Erros de confecção: uma vez suposta que a prescrição seja absolutamente adequada, a insatisfação pode decorrer do fato de as lentes serem inadequadamente compostas. Nesse caso, as insatisfações decorrem de más fabricações das lentes.
3) Erros de montagem. As lentes, supostas corretamente prescritas e adequadamente fabricadas, podem ser mal posicionadas nas armações diante dos olhos dos usuários. Tanto erros elementares de a lente do olho direito ser posta diante do esquerdo e vice-versa, a erros de posição da lente correta no olho certo: erros de rotação (inclinação) em torno do eixo longitudinal, ou ântero-posterior (erros de correção do astigmatismo), de rotação em torno do eixo horizontal (ângulo pantoscópico), de rotação em torno do eixo vertical (ângulo de curvatura). 
Ou erros de translação ao longo do eixo longitudinal (distância vértice), ou ao longo de translação ao longo dos eixos horizontal e, ou vertical (descentrações, ou prismações; montagens altas ou baixas). Obviamente, erros de confecção podem ser associados entre si.
4) Erros de adaptação, que ocorrem por causa dos usuários. Por exemplo, pelo uso intermitente de óculos que requeiram o uso constante. Outro, muito comum, é a do mau entendimento quanto ao uso de multifocais (por exemplo, a pessoa ver TV deitada em um sofá e, pois, usando “para longe” a parte inferior da lente — apropriada para a visão “para perto”).

Fonte: Universo Visual

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