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A cirurgia de catarata com implante lente intraocular pela técnica da facoemulsificação é a cirurgia eletiva mais realizada em todo mundo. Atualmente, cerca de 10 milhões de facectomias são realizadas anualmente.

A facoemulsificação é uma cirurgia eficaz e segura, contudo, a endoftalmite pós-operatória é uma complicação gravíssima que pode levar à cegueira, atrofia do globo ocular, evisceração ou enucleação. Apesar de todos os esforços para preveni-la, a endoftalmite continua presente, assombrando a todos.

A prevalência da endoftalmite ocorre entre 0,07 e 0,13% de todas as cirurgias de cataratas realizadas no mundo hoje. Cerca de uma endoftalmite para cada 1000 cirurgias realizadas. De 60% a 80%% das endoftalmites apresentam cultura positiva para bactérias Gram-positivas, coagulase negativo, Estafilococos Epidermidis. O estafilococus usualmente está presente na pele e pálpebras dos pacientes. As bactérias Gram-negativas acometem cerca de 6% a 29% das endoftalmites.

As endoftalmite ocorre de forma isolada ou em surtos. Surtos de endoftalmite tem ocorrido em várias partes do mundo, incluindo o Brasil. Em revisão recente sobre surtos de endoftalmite, mais de 50% tiveram como agente causador Pseudomonas Aeruginosa (PA). A PA é uma bastonete Gram-negativo, presente no solo e em lugares úmidos, e esta relacionada a infeções nosocomiais, algumas das quais têm resistência a múltiplos antibióticos. Na oftalmologia, é bastante prevalente em ceratite por lente de contado, mas também pode causar endoftalmites.

As endoftalmites causadas por PA, mesmo com tratamento correto e imediato, aos olhos acometidos têm prognóstico bastante reservado. Efrig e colaboradores demonstraram enucleação ou evisceração em mais de 50% dos casos, mesmo tratados de forma imediata. Devido a gravidade e rapidez da destruição ocular, as endoftalmites por PA podem causam grande prejuízo à visão do paciente.

A PA consegui sobreviver em condições bastante adversas, principalmente em ambientes com umidade.  Diversas series de casos publicados descreveram cultura positiva em fluidos utilizados na facoemulsifição (riguer, BSS), azul de tripan, reservatório de água, fluido de lente intraocular, tubulações e ponteiras de do sistema de facoemulsificação, sistema de ar-condicionado, colírios anestésicos e colírios lubrificantes. A presença de cultura positiva em povidona iodine foi inicialmente descrito em 1981. O Povidone iodine é o padrão mundial de prevenção para endoftalmite.

Não menos importante, a presença de cultura positiva em sistema de ar-condicionado foi descrita em vários surtos em diversos países como a fonte provável de endoftalmite, confirmado através da comparação do genoma da PA no fluido ocular e no sistema de ar-condicionado. Até o momento, não há comprovação científica de como o patógeno é transportado do ar-condicionado até o olho ou material cirúrgico. As teorias mais recentes sugerem que bactérias seriam dispersadas pelo ar frio na sala cirúrgica onde, em contado com aumento de temperatura, condensariam em micropartículas contendo a bactéria mais pesadas que o ar, que depositariam sobre os materiais, instrumentos e olho, levando à infecção.

Em centro cirúrgicos modernos, os filtros devem reter particular maiores que 5 mm. Para cirurgias ortopédicas e outros implantes, recomenda-se uso de filtro de alta capacidade para retenção de partículas do ar (Filtro HEPA) com retenção de partículas maior igual a 3 mm. Poucos países exigem limite de bactérias no ar do centro cirúrgico; recomenda-se fluxo de ar laminar na sala cirúrgica com troca de ar média de 20 vezes em 1 hora para obter no máximo formação de 50 a 150 culturas de bactérias em m­3 de ar. A prática de ar ultra limpo tem reduzido a incidência de infecção em cirurgias ortopédicas.

A vigilância constante, com a prática de coleta regular de material do sistema de ar-condicionado para cultura, ainda se mostra controverso. Alguns autores preconizam a coleta somente em situação de exceção onde precisa de investigação; outros, como Lutz e colaboradores sugerem coleta ativa de material para cultura a cada mês do sistema de ar-condicinado.

Na cirurgia de catarata moderna, o uso de diversos materiais se faz necessário e mandatório, contudo, a contaminação em diversos destes materiais se faz presente em diversas publicações apesar dos cuidados zelosos do cirurgião e enfermagem.  O uso exclusivo do material descartável para cada paciente deve ser mandatório. Bawankar et al demostraram surtos de endoftalmite por compartilhamento de azul de tripan em cirurgias de catarata na India.

O tratamento para endoftalmite com uso de antibióticos intravítreos foi publicado em 1995 pelo estudo multicêntrico Endophthalmite Vitectomy Study, neste estudo, o uso de antibiótico intravítreo vancomicina e amicacina demostrou superioridade comparado com uso de antibiótico intravenoso. Estudos sobre surtos de endoftalmite por PA têm demostrado multirresistência a antibióticos em algumas cepas. Cultura com antibiograma para orientar a melhor escolha do antibiótico e impedir a destruição do olho é crucial para a eficácia do tratamento.

Por último, e não menos importante, a estado psicológico dos pacientes em primeiro lugar e dos cirurgiões e enfermagem não pode ser relegado. A perda da visão é algo devastador e indutor de doença mental no paciente e equipe multidisciplinar assistente. O acompanhamento psicológico de ambos é necessário para sucesso terapêutico.

A visão do paciente, objetivo maior do cirurgião oftalmologista e toda equipe de suporte de enfermagem, mesmo nos melhores padrões internacionais de segurança, podem ser acometidos a tragedia da endoftalmite. Apesar de todos as melhores práticas e esforços de vigilância, o risco existe e não pode ser negado. Devemos discutir e aprimorar as melhores práticas preventivas. Não podemos ser superficiais e simplista, atribuindo toda culpa e castigo aos cirurgiões sem uma investigação ampla e científica de todo teatro que ocorrem os procedimentos cirúrgicos.

Aquele que tem sentimentos sofre reconhecendo seu erro. É seu castigo, independente da prisão.”
Crime e Castigo

Fiódor Dostoiéviski

Jorge Rocha – Doutor em ciências médicas USP/SP – Retina Hub
Newton Andrade Junior – Doutorado – USP/SP
Antonio Marcelo Barbante Casella – Editor chefe do IJRV; Doutor em oftalmologia – Unifesp; Professor orientador da pós graduação de ciências da saúde UEL

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