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Na repercussão da entrevista do Programa RX – Por dentro da sua próxima receita médica! com a pró-reitora de Extensão e Cultura da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), Taiza Stumpp Teixeira, o oftalmologista Paulo Schor discute o papel e impacto das universidades em relação a próxima receita médica, desenvolvendo soluções para a sociedade com pesquisas básicas e aplicadas. Ele aborda, também, os programas de investimento e apoio às empresas, em que a tecnologia inicial foi desenvolvida total ou parcialmente na universidade.  

Schor comenta que a conversa com Taiza versou sobre a universidade e a sociedade. “A pró-reitoria é uma das instâncias que cuida de algum setor específico da Unifesp, como a administração, que cuida da administração da universidade; assuntos estudantis, que cuida de problemas relacionados aos alunos, que vão desde bandejão até trote, passando por inserção e diversidade; extensão e cultura, que é exatamente a pró-reitoria da Taiza”, diz, destacando, ainda, outros setores: gestão com pessoas (antigo RH); graduação, que é o ensino em si; planejamento (universidade atual e de futuro); e pós-graduação com pesquisa.  

O médico ressalta que algumas universidades já separaram a pró-reitoria de pós-graduação e pesquisa em duas áreas e algumas incluíram alguns pró-reitores adjuntos (algo como um vice pró-reitor) de inovação dentro da pró-reitoria de pesquisa. Na Unifesp, continuamos com essa estrutura, e a agência de inovação, na qual sou diretor, fica junto com a pró-reitoria de pós-graduação e pesquisa”, explica o oftalmologista. A entrevista seguiu com Taiza falando sobre a extensão, que a sua pró-reitoria cuida, colocando-a como uma ação de transbordamento da sociedade para dentro dos cursos de graduação. Interessante essa colocação que subverte um pouco a ordem. Ela não fala que a sociedade precisa absorver o que a universidade produz, mas sim que a universidade precisa ser contaminada por aquilo que a sociedade pede”, pontua Schor.  

Para ele, existe uma mudança tênue, mas que, no final das contas, modifica tudo muda como os estudantes serão apresentados para os problemas e como eles darão conta de solucionar ou, pelo menos, tentar se envolver nisso. Existem algumas iniciativas que são brilhantes nesse sentido e eu gosto sempre de citar uma que está acontecendo em São Carlos (SP) em uma exfábrica de camisas, que se chama ONOVOLAB”, conta o especialista, salientando que hoje a extensão de uma grande universidade federal se dá também dentro desse laboratório, que junta startups, mentores, empresas médias, empresas grandes e é fora do ambiente acadêmico e dentro do ambiente social. Isso, obviamente, estimula muito o empreendedorismo social e tecnológico e o entendimento pela sociedade da importância da universidade”, esclarece.  

O médico revela que, atualmente, faz parte da coordenação diária do desenvolvimento de pesquisa para inovação da FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo). Essa vertente, que é de pesquisa aplicada, foi criada muito como uma resposta da FAPESP à sociedade, quando a Fundação foi provocada no sentido de produzir algo que a sociedade entendesse como útil. A utilidade da ciência está em prover conhecimento para a sociedade e, a partir disso, a sociedade consegue fazer alguma mudança, nem que seja uma mudança crítica do seu próprio pensamento, mas como algo tangível”, relata, enfatizando que ao copiar o modelo dos Estados Unidos, foi criado o programa de pesquisa para inovação, que produz métodos, produtos e empresas, e que isso pode ser quantificado. Esse é um dos modos de transferência da pesquisa para a sociedade”, observa.  

Continuando no tópico FAPESP, o oftalmologista afirma que vale a pena ficar atento para um programa recém-lançado, que é o Programa de Inovação na Pequena Empresa, direcionado a qualquer empresa que tenha até 250 funcionários sem limite de faturamento. “Pode ser startup, média empresa ou grande empresa, e esse programa implica em uma tecnologia que foi desenvolvida total ou parcialmente na universidade e que precisa ser transferida”, declara. Porém, ele revela que a universidade não tem no seu DNA ferramentas de formatação empresarial, muito menos de comercialização ou de marketing, sendo estritamente empresarial. De acordo com Schor, o incentivo disso é para que quem teve a ideia crie a empresa ou que exista algum grupo de pessoas interessado em criar uma empresa, que pode ser pequena, uma startup ou até, eventualmente, uma empresa maior, e que se junte a grupos desenvolvedores de tecnologia na academia para levar isso adiante 

Ele comenta que a FAPESP financia bolsas, material permanente, material de consumo, uso de instalações etc, e, além disso, ainda dá um suporte importante para mentorias e ligação com outros ecossistemas, algo que facilita muito o andamento da pesquisa em direção ao mercado. E também a FAPESP desenvolve esses programas em uma fase um, que é uma definição da prova de conceito, para verificar se o que a pessoa está pensando se sustenta minimamente em pé, e para isso a FAPESP dá um intervalo de até nove meses e até 300 mil reais; ou em uma fase dois, em que existe um intervalo maior, de 24 meses, e até um milhão de reais”, diz. O oftalmologista ressalta que é um investimento razoável em uma fase dois para se fazer um protótipo minimamente viável.  

A partir disso, o especialista afirma que existe a possibilidade de comercialização, de apresentação para parceiros maiores, de co-investimentos. Dessa maneira, conseguimos fazer um match, um casamento de investimentos, e tem se cuidado bastante dessa transferência da academia para o nosso mundo e, de novo, isso tudo está relacionado com a tal da próxima receita médica, que tem muito a ver com o imposto que a gente paga para as universidades que a gente sustenta devolverem para a sociedade soluções”, informa, lembrando que no Brasil a maioria da pesquisa ainda é feita em universidades públicas e gratuitas. Portanto, temos que prestar atenção e cuidar muito desse bem, dessa pérola que nós temos”, pontua Schor. 

O oftalmologista diz que Taiza também abordou o aumento na prevalência de doenças mentais, principalmente em situações de estresse. E aí eu citei a Covid-19, a pandemia, e agora a guerra. E ontem eu estava conversando com um grande amigo meu, que é psiquiatra e mora em Londres há 30 anos, mas por acaso está no Brasil, e ele estava falando que existe um aumento importante no consumo e na prescrição de drogas psicoativas para pessoas de faixa etária mais baixa”, relata, enfatizando que perguntou ao amigo se a indústria tinha alguma coisa a ver com isso. “Ele disse que nos Estados Unidos tem, mas nem precisa, porque as pessoas demandam essas medicações, porém, na Europa, que é muito mais controlado, houve menos, mas teve sim um aumento no consumo dessas drogas.”

Schor esclarece que, nesse sentido, vale a pena começar a pensar um pouco se existe uma mudança radical no nosso meio mesmo antes do aquecimento global e da mudança climática. Para o especialista, há uma mudança interna já solidificada em nós, complicada pelos estresses externos que não param de acontecer. Será que a gente já não dando conta? E em vez de revolta, a gente está começando a cair na tristeza? Esse é um questionamento um pouco byroniano, pessimista, que eu me faço e acredito que vale a pena pensarmos juntos e ficarmos relativamente atentos”, avalia, questionando o quanto que estamos internalizando esses problemas todos e não conseguindo tanto conversar sobre eles como resolver uma grande parte. Assim como eu escrevi há pouco tempo em um artigo sobre a cura, em que mencionei aquele espetáculo da Deborah Colker, na maioria das vezes ser ouvido é suficiente”, analisa.  

O oftalmologista afirma que não existe cura para tudo, que isso é uma medicalização bastante pequena do conhecimento humano. “Ser ouvido, falar, ter espaço de fala, ter espaço de escuta, fazer escuta ativa, isso diminui a dor de muita gente, e não precisa ser feito por médico, pode ser feito em diversos locais e a própria escola médica tem que se apropriar um pouco mais desse tipo de terapêutica”, destaca, apontando que a rede básica de saúde tem um papel importante nisso. “Antes de eu ter uma dor de cabeça e procurar um neurologista ou uma dor no cotovelo e procurar um reumatologista, eu vou poder conversar sobre isso com alguém que tem mais conhecimento e, principalmente, que tem capacidade de escuta. Acredito que seríamos mais felizes se tivéssemos essa porta aberta”, conclui Schor.  

 

 

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