Neste episódio do Programa RX – Por dentro da sua próxima receita médica!, realizado em 29 de abril de 2022, conheça mais sobre a história de Ralf Toenjes, que se denomina um empreendedor social, com o desejo de devolver à sociedade todo o bem alcançado através das suas graduações. Toenjes fundou a ONG Renovatio, que tem como missão transformar o excludente cenário da saúde visual no Brasil.
Com mais de 60 mil consultas oftalmológicas realizadas, seguidas de doações de óculos, quando necessário, o objetivo ainda está longe de ser alcançado, uma vez que muitos municípios do país não possuem médicos oftalmologistas. Confira abaixo, a entrevista completa que o oftalmologista Paulo Schor fez com o empreendedor social para saber um pouco mais da sua trajetória de vida, desde que saiu de Petrópolis, no Rio de Janeiro, e veio morar em São Paulo para estudar.
Paulo Schor: Hoje eu vou conversar com o Ralf Toenjes. Nós nos conhecemos já há algum tempo, o Ralf é um querido e ele foi eleito um dos jovens mais influentes abaixo dos 30 anos pela revista Forbes. Ele tem um currículo bastante extenso, possui três formações, duas pelo Insper e uma pela USP. Ele abriu mais de 15 clínicas oftalmológicas e vai contar para nós como é que ele fez isso, sendo um economista, um advogado e um homem de negócios. Ele já viu mais de 200 mil casos oftalmológicos no Brasil, Moçambique, Haiti, Índia, conversou com Warren Buffett e fez parte de uma bolsa da Fundação Estudar. Um começo que eu acho que vale a pena a gente conversar, Ralf, é a história do One Dollar Glasses e de onde surgiu a ideia de você ser um empreendedor social. E eu também queria que você definisse o que é um empreendedor social.
Ralf Toenjes: Primeiro Paulo, obrigado pelo convite. Vou contar um pouco dessa história, principalmente de como começou a Renovatio. Acho que você foi o primeiro oftalmologista que apoiou a gente, que aceitou ouvir a nossa ideia, e eu queria agradecer pela oportunidade de falar aqui no podcast, mas também por você fazer parte dessa história lá no comecinho, quando acreditou em alguns jovens universitários que queriam fazer algo diferente. Na época, nem pela saúde oftalmológica, pois não tínhamos tanto essa visão, mas para fazer algo diferente em termos de impacto. Eu me defino como empreendedor social e hoje lidero a Renovatio, que é a maior ONG independente de saúde oftalmológica do país, e quando eu falo independente é porque a gente não utiliza recurso do Sistema Único de Saúde (SUS). Nós conseguimos viabilizar os atendimentos com recursos privados e algum tipo de recurso público, mas sempre independente do SUS.
Eu me formei em três faculdades, fiz Direito na USP (São Francisco) e Economia e Administração no Insper. Eu morava no interior do Rio de Janeiro e vim para São Paulo com o sonho de estudar Direito. E, teoricamente, a melhor faculdade de Direito do país é a USP e eu fui muito bem no vestibular e consegui, com 17 anos, passar bem na Fuvest. Mas mudar de Petrópolis para São Paulo foi um baque financeiro, e aí meus avós e minha mãe se juntaram para me ajudar e eu vim para São Paulo para estudar. Eu comecei a estagiar em Direito e vi que eu era bom com números, e pensei que, talvez, se eu tivesse uma formação em Economia, isso poderia alavancar minha carreira jurídica, que era a minha ideia inicial de trabalho. Prestei vestibular para o Insper, que é uma faculdade de negócios super reconhecida em São Paulo, passei e aí veio outro baque, o custo da faculdade, que era muito alto.
No primeiro ano de faculdade, e acho que essa informação é importante, porque ela faz parte do propósito de querer empreender, o meu colégio, onde tem o ensino médio, pagou a minha faculdade, depois eu ganhei bolsa do próprio Insper para fazer os cursos de Economia e Administração. Então, nesse processo eu tive muito apoio, e nos últimos dois anos da faculdade eu pensei “olha, eu pude estudar nas melhores escolas do país porque eu tive apoio de muita gente.” Daí, eu virei para um grupo de amigos e falei “vamos tentar fazer algo para retribuir isso?” A missão inicial era um projeto no qual pudéssemos retribuir as oportunidades que eu recebi e que as outras pessoas na faculdade também receberam porque são privilegiadas. Então nós começamos esse processo fundando uma organização social na faculdade chamada Enactus, que é uma organização estudantil e que cria times em faculdades para competir mundialmente.
E nesse projeto, a gente viaja para fora do país e eu queria participar disso, e numa dessas competições eu ganhei e conheci um grupo da Alemanha que falava que 680 milhões de pessoas no mundo precisavam de óculos e não podiam pagar por eles. Imagina que 10% população mundial precisa enxergar e não consegue, por não ter acesso, por não ter dinheiro para pagar por algo simples, que é um par de óculos. Aí um alemão, que é o Martin Aufmuth, inventou uma máquina em que ele conseguia produzir óculos de grau de baixo custo, e foi feito um projeto chamado One Dollar Glasses, esse nome porque há dez anos o custo do material era de um dólar. São óculos muito eficientes, super resistentes e quando eu vi esse projeto, achei muito legal, porque pode ser produzido localmente e tinha aquela ideia de produzir para as pessoas em vulnerabilidade, então nós entramos em contato com o grupo e propusemos a realização do projeto no Brasil.
No início da Renovatio, começamos a desenvolver maneiras de promover saúde visual, de como fazer as consultas e distribuir os óculos, e esse processo rodou super bem, até o momento em que a gente teve de tomar uma decisão onde queríamos focar, se devíamos focar na produção ou se queríamos expandir o atendimento à saúde. Porque as duas coisas eram muito para nós naquele momento, estávamos na faculdade ainda, e daí nós terceirizamos a produção, que é feita hoje na Bolívia e atualmente nós focamos em saúde visual. A missão da Renovatio é transformar o excludente cenário da saúde visual no Brasil e fazemos isso levando saúde oftalmológica, com o médico oftalmologista, para os lugares mais distantes do país. Fomos para Moçambique, para a Índia, para o Haiti, esse ano vamos para o Iraque, vamos para o Egito no ano que vem, mas o foco, de fato, é o Brasil.
Schor: Eu acho a sua história fantástica por si só, ela é super motivadora, em todos os lugares que você vai as pessoas querem fazer parte do movimento. Gostaria que você definisse um pouco o que para você é inovação social e empreendedorismo social, desvinculado de voluntariado. E como que o social é autossustentável e qual é a diferença da inovação social, no sentido de entregar uma solução sem necessariamente ser movido pelo lucro. Coloca um pouquinho disso em perspectiva para nós.
Toenjes: O setor social mudou muito de dez anos para cá, desde 2013, quando fundamos a Renovatio, até hoje, e eu decidi seguir uma carreira. E aí foi um processo de decisão muito complexo até para mim, de continuar na Renovatio. A gente chegou em um momento em que ou eu continuava e a gente fazia isso acontecer ou eu ia para o mercado tradicional e tinha plena consciência de que aquilo iria acabar. Então, nos primeiros 16 mil óculos, os 15 estados em que atuamos, as primeiras 20–30 mil consultas, ainda éramos estudantes universitários e voluntários e fazendo aquilo acontecer. Mas chegou um momento em que precisávamos decidir e quando nos formamos, entendemos o que queríamos com aquilo. Eu tenho um desafio, como que eu resolvo? É um problema gigantesco que até várias indústrias, várias empresas não conseguiram resolver.
Existem inúmeras empresas que são qualificadas e que têm gente boa, mas que não conseguiram resolver o problema, então como que eu vou tentar resolver isso de forma voluntária? Porque amor não paga boleto, né? Então, se eu tenho um desafio gigantesco, eu preciso resolver da mesma forma que uma grande empresa busca resolver uma dor do mercado. Eu quero resolver uma dor, mas uma dor mais social, certo? Só que é uma dor gigantesca. Daí eu preciso trazer para trabalhar com a gente as melhores pessoas e eu vou entrar no que você falou de definição de inovação social e empreendedorismo social. Hoje temos 50 pessoas trabalhando para nós, recebendo salário todo mês e elas são remuneradas em salários iguais ou até às vezes maiores do que elas receberiam no mercado tradicional. Por que a pessoa pode trabalhar em uma grande empresa e ganhar um salário x e ela deveria vir para uma empresa social e ganhar menos?
Eu quero trazer para nós a pessoa que trabalha na Ambev. A gente trouxe o diretor de marketing de uma grande empresa, porque são essas pessoas boas que se a gente se unir e conseguir fazer com que as pessoas trabalhem motivadas – e aí tem um pagamento adicional, que é o impacto e o propósito –, elas conseguem entregar muito mais. A gente tem um time que é profissional, que vive de entregar aquele impacto e aí, óbvio, temos um combustível adicional para essas pessoas, que é o impacto que elas causam. Estou com um time hoje no Tocantins, tenho outro time em Brasília fazendo uma ação, um time tentando entrar em terra indígena na semana que vem. E sim, eu tenho pessoas que vão ficar 55 dias longe de casa, mas elas estão bem com isso.
Primeiro, porque elas recebem por isso, mas mais do que receber, elas entendem o impacto que causam na vida das pessoas. Todo mundo que trabalha com a gente, entende o impacto social que causamos e, portanto, são todos movidos pela causa. Não fazemos um trabalho voluntário, eu tenho meta, eu tenho resultado, a pessoa tem bônus, todo mundo ali faz parte de um processo quase de empresa e não existe certo ou errado. E esse foi o caminho que escolhemos para poder resolver um problema e, para fazer isso, precisamos de gente boa, focada naquilo. Por mais que a Renovatio seja uma organização sem fins lucrativos, nós desenvolvemos uma metodologia de trabalho, um produto, que é fazer oftalmologia em larga escala, e eu tenho hoje um modelo de atendimento.
Nós começamos lá atrás com uma missão inicial, que era o foco dos óculos, fazer a consulta, mas com foco na refração e entregar os óculos. Na verdade, fizemos uma ação em Barretos (SP) e entendemos que 84% dos casos eram resolvidos com óculos, mas 16% tinham uma patologia. Daí começamos a desenvolver um processo de saúde visual completo, no qual esse paciente é triado, faz a consulta, se for óculos, resolvemos esse problema e com a vantagem dos nossos óculos, que são montados na hora, e os 16% que têm alguma doença, é preciso facilitar o acesso desses pacientes ao terciário e garantir uma solução a eles. A gente faz ações hoje com 1000-1500 pacientes, fizemos 2 mil pessoas em um só dia e é um processo todo modular que a gente desenvolveu. Isso é um produto, esse produto é o atendimento e entrega. E aquilo ali tem margem, ele viabiliza o pagamento do nosso time também, para a estrutura funcionar e para os investimentos que precisamos fazer.
E eu sei que esse produto é eficiente e que essa margem tem que bancar a estrutura de uma organização, de uma empresa, o time que está lá dentro trabalhando, que está se movendo por aquilo, então não é voluntariado, é uma inovação social. Inovação social pode ser um produto, pode ser um processo, pode ser uma solução em geral que causa um impacto social na sua essência. A inovação social é um processo de solução de um problema social de uma forma sustentável. Todos esses produtos que a Renovatio oferece possuem margem, porque elas financiam o time que trabalha para fazer aquilo acontecer, trabalhando com amor, porque eles adoram o que fazem, mas sim, eles têm que receber no final do dia. E a gente entrega um resultado, que é reinvestido para poder potencializar o impacto social.
Schor: Eu acho isso tão importante, Ralf, porque a gente, de vez em quando, coloca tantos negócios de impacto social, como as inovações sociais ou o empreendedorismo social como algo que é, como você falou, por amor, mas amor não paga boleto. Acho que você é um exemplo enorme de como é que faz isso funcionar, mantendo o foco, e o que você falou é mais importante ainda, ter o foco no impacto. O foco não é assim “vamos fazer qualquer coisa que dê dinheiro”, não, você nunca saiu do teu foco, você podia ter feito outras coisas que dariam muito mais dinheiro do que o que você está fazendo, mas o teu objetivo é no impacto, acho isso muito importante. Indo um pouco para o lado da tecnologia, você entrega óculos que a gente sabe que resolvem o problema das pessoas muito bem, suficientemente bem para que elas realizem suas atividades e para que tenham uma performance adequada. São óculos, como você mencionou, que têm a esfera, não corrigem o astigmatismo. Falando aqui com o chapéu de oftalmologista, está perfeito, mas eu imagino que você tenha tido uma resistência do tipo assim “ah, mas os teus óculos não corrigem 0.25 de astigmatismo”.
Toenjes: Olha, eu respeito a receita do médico, então eu não faço equivalente esférico. A gente tem os óculos que são entregues na hora, entretanto, temos os óculos de acetato normal. Eu produzo óculos tradicionais que resolvem o resto do problema. Portanto, temos uma proporção ali hoje, quando falamos de doação, de 60% a 40%, dependendo da idade do público. Se é criança tem mais astigmatismo e aí tem mais uma dificuldade de fazer a correção, e se for mais idoso, mais adulto, é pela questão de leitura e tudo mais. Eu consigo entregar mais a parte do esférico, mas a gente respeita sempre a receita do médico. Aquilo que o médico prescreveu é a bíblia que a gente tem que seguir. Os óculos que montamos na hora são ainda mais relevantes hoje para a gente em locais mais longínquos.
Eu estou entrando na Amazônia, estou em terra indígena, na qual a logística reversa é muito complexa, onde eu sei que eu vou perder o paciente e aí, sim, é um acordo com o médico. O entendimento de que a gente pode fazer e dar a melhor solução possível para aquele paciente, dado que eu não consigo ter a logística reversa, por uma questão geográfica, operacional, eu não consigo atingir; aquele paciente às vezes vem com avião da FAB do interior da aldeia, ou helicóptero da FAB para ser atendido naquele momento. E eu sei que se eu mandar por Sedex aqueles óculos não vão chegar na casa do paciente, então vamos fazer o melhor impacto possível. Quando a gente fala em lugares mais urbanos, isso não é mais necessário.
Dessa maneira, temos hoje custos até muito competitivos, temos várias decisões financeiras que se eu botar na ponta do lápis em termos de dinheiro não fazem tanta diferença, mas às vezes se eu preciso ter um fluxo de caixa mais complicado numa ação, porque o pagamento é mais para a frente, então eu prefiro, eventualmente, fazer os óculos de acetato em laboratório que eu tenho o prazo de pagamento também. A gente é muito financeiro, é muito na planilha, no número. Qual é o impacto que podemos causar? Em uma região urbana, vamos fazer o melhor para o paciente, a melhor refração possível e entregar o melhor óculos. Mas e se eu não consigo voltar nesse paciente, como que eu resolvo, dado esse cenário? É sempre um acordo com o profissional médico em prol do paciente, em prol do melhor impacto possível para ele. Portanto, hoje a gente resolve o problema do paciente tanto dos óculos como na parte da doença.
Schor: Eu acho que isso é uma discussão que temos que ter mais, que é a responsabilidade médica nessa combinação que você fala, porque, muitas vezes, o médico, principalmente aquele mais antigo, é formado para achar que está resolvendo o problema com aquilo que está prescrevendo, e acaba aí a responsabilidade dele. Mas se você não combinar o que dá para entregar, como que dá para entregar, você fica inócuo. Portanto, não adianta você fazer a melhor refração do mundo se não chegar na mão do paciente. Essa história de você ter usado essa combinação e ter tido a habilidade de fazer um acordo para que a tecnologia, para que a low-tech seja muito melhor do que a no-tech, é uma coisa relevante e a gente faz pouco, ensina pouco e leva pouco em consideração.
Você teve a enorme coragem de, mesmo não sendo de um local oftalmológico, ter o mérito completo de fazer essas negociações na maior tranquilidade do mundo e botando tudo na mesa. E agora a coragem é maior ainda no sentido de você montar um processo, e a (oftalmologista) Bruna (Gil Ferreira), com certeza, te ajuda muito, mas de novo, é a cabeça de vocês dois lá, que está num lugar que, tradicionalmente, é fragmentado, como você bem sabe, tanto do ponto de vista de complexidade como no espaço e no tempo. Então, eu queria que você comentasse um pouquinho desse teu processo médico, que também é uma entrega de combinação de espaço, tempo e complexidade, porque às vezes a logística trava, como acontece com os teus óculos, por exemplo, que vão para as aldeias da Amazônia e não chegam no paciente. Você pode ter o melhor serviço do planeta, mas o acesso a ele, por vezes, é impossibilitado, como é que se resolve isso e se esse é o grande segredo da tua entrega?
Toenjes: Foi um processo. Eu não sou médico, a Bruna agregou muito isso desde quando ela começou, quase junto com a gente, na residência ainda, e nós fomos aprendendo juntos. É um processo de entender essa parte com a medicina e como que a gente potencializa esse processo para poder entregar a melhor solução ao paciente. Eu entrego uma solução ao paciente que é igual um mega hospital de olhos? A experiência de hotelaria não, mas a experiência da consulta hoje eu falo que sim, porque a gente desenhou um processo e isso foi sendo aprimorado com o tempo. Mas hoje nosso processo é inteiro modular do atendimento, meu paciente entra, faz a acuidade visual, passa pelos técnicos fazendo tonometria, vai medir a pressão do olho e uma coisa importante, o médico tem que seguir o protocolo da Renovatio. A Bruna desenvolveu um protocolo médico e o médico do paciente vai participar e trabalhar com a gente. Hoje, 80% do nosso atendimento médico é pago, e aí a condição é seguir o nosso protocolo.
Lógico que se ele tiver algum caso mais específico ali, tem liberdade de falar. Mas o protocolo padrão é o nosso, você não escolhe. O colírio é aquele, porque aquilo foi desenvolvido no modelo que a gente pensou para poder dar eficiência e garantir o atendimento do processo para o paciente. Então, ele passa nesses exames, depois faz retinografia de todos os pacientes, porque é um controle de qualidade para o processo médico, se a gente perdeu alguma coisa naquele processo, que é eficiente, eu consigo recapturar isso na retinografia, e depois esse paciente faz a microscopia, vai para a consulta completa, faz a refração e depois, eventualmente, recebe os óculos. Aí já automatizou esse processo, deixou–o mais eficiente e hoje, com a tecnologia, nós gostamos de testar coisas novas, às vezes tem aparelhos que a gente usa que nenhum hospital no Brasil tem.
Um pouco antes da pandemia eu viajei para fora do Brasil, eu fui para Israel, para a Itália, para a China, procurando o que há de mais inovador em tecnologia de oftalmologia. E tem muita coisa que a gente está testando aqui para poder deixar sempre esse processo mais eficiente. O nosso maior custo hoje é o oftalmologista porque ele tem toda a formação, tem todo um processo, então como que eu deixo o trabalho dele mais eficiente? Eu consigo que o paciente chegue para ele o mais mastigado possível para que ele bata o olho ali e consiga tomar uma decisão, consiga fazer a refração e dar o diagnóstico correto de forma eficiente, obviamente tendo o contato com o paciente, respeito ao paciente, mas o mais eficiente possível.
O diferencial da Renovatio hoje não são os óculos, mas o que a gente aprendeu nos últimos anos é como fazer um processo de oftalmologia de qualidade, garantindo ao paciente a melhor solução possível e em larga escala. A gente faz ações com muitas pessoas. Não podemos deixar aquele paciente entrar às 7h da manhã e ficar 8 horas na fila. É quase um McDonalds, linha de montagem, para aquele paciente sair atendido, satisfeito e, assim, o nosso MPS (Plano Mestre de Produção)/ é super alto nas ações. Por mais que não pague a consulta, ele é um cliente e, como tal, tem que sair dali satisfeito. Esse processo está cada vez mudando mais, a gente fazia esse processo de facilitação terciário. Ano passado houve uma coisa muito legal junto com a Mercedes, demos um passo ainda maior, a gente montou o que chamamos de a mais moderna unidade móvel oftalmológica do país, uma carreta que quando abre fica com 100 m². Ela tem um centro de diagnóstico completo, para poder facilitar o acesso para o paciente chegar com o problema quase resolvido. Só não faço cirurgia porque ainda é uma questão difícil.
Schor: De regulamentação?
Toenjes: Não, nem é de regulamentação, é de eficiência, a cirurgia no centro hospitalar é mais eficiente, mais barata do que em uma unidade móvel e tem menos risco para o paciente, com uma taxa de infecção menor. Portanto, não faz sentido hoje botar uma cirurgia em uma carreta se eu consigo separar aquele paciente que é o cirúrgico e levar a um centro de referência, fica mais barato transportar esse paciente, já triado, com todos os exames feitos, do que eu tentar, com um risco maior para ele, fazer essa cirurgia na unidade móvel. Queremos entregar a melhor solução possível para o paciente que ele teria em qualquer outro centro de referência.
Schor: E a escala não é suficientemente grande para você montar alguma coisa lá. Mas o que você está dizendo para mim é fantástico, porque você chega num lugar em que temos batido muito, que é como você escala humanidade. Como usar a tecnologia para aproveitar do melhor jeito possível o que o ser humano ainda tem de diferente da máquina. E como é que você espanta esse fantasma de a máquina substituir o ser humano. E você está mostrando na prática essa conversa toda de como tirar o máximo do oftalmologista, que, com certeza, vai ficar menos cansado na hora que ele atende os pacientes com essa “mordomia” de ter todos os dados de antemão, quer dizer, ele não precisa “cabecear”, só precisa “marcar os gols”.
Toenjes: Exatamente isso.
Schor: Acho isso genial e não dava para vir do oftalmologista, infelizmente, acho que tinha que vir de fora, Ralf, por isso que você é um super exemplo de como você traz isso para dentro do meio médico não sendo médico e tendo uma visão humana. Por isso também não é à toa que você, como empreendedor social, traz isso para um lugar que é muito viciado, regulado, preconceituoso, de algum jeito. Um lugar tradicional e que você vem quebrando esse monte de paradigma.
Toenjes: Eu não tenho pretensão nenhuma de achar que a máquina vai substituir o médico. Eu quero deixar o processo do médico o mais eficiente possível. Tudo o que a gente desenha hoje, tudo o que pesquisamos fora do país é como eu deixo aquele paciente chegar para o médico, para que ele possa exatamente só “marcar o gol” e dar a melhor solução para aquele paciente. Óbvio que tem algumas coisas que serão automatizadas, que irão poder ampliar, mas sempre entendendo, na nossa visão, que é diferente você falar com o médico e falar com a máquina. Não vislumbro no curto prazo, no médio prazo, um robô fazer uma consulta. O que a gente sempre busca é deixar esse processo usando uma tecnologia mais eficiente para o médico ser mais aproveitado. A tecnologia pode permitir fazer isso, eventualmente até na clínica dele.
Se hoje ele atende 30 pacientes, com a tecnologia ele pode atender 40, 50, saindo da parte social, mesmo na parte privada. Então, como que a tecnologia potencializa aquele processo de atendimento para ele continuar tendo a qualidade que sempre teve, e a tecnologia pode permitir isso. É o que a gente tem no nosso processo, tem coisa que a gente testou e deu errado, tem coisa que está dando certo. É um processo de testar e mensurar e a gente mensura tudo, o tempo daquele paciente no autorrefrator, o tempo do paciente para poder passar na lâmpada. Assim, a gente tenta mensurar o máximo possível para capturar dados e garantir a eficiência do processo sem pressionar o profissional. Eu não fico lá “doutor, você tem que atender cem pacientes”. Não, a gente mensura para poder saber onde está o gargalo e onde eu consigo deixar essa linha de montagem mais eficiente para garantir a solução, que é entregar o melhor resultado clínico para o paciente.
E nós fizemos achados super relevantes, tem populações nas quais percebemos uma taxa de toxoplasmose muito mais alta do que esperávamos e, talvez, seja um indicativo de, por exemplo, falha no saneamento básico dessa região. A gente começou, com base nisso, a identificar muito dado e agora está tentando entender. Nós montamos um centro de pesquisa agora também na Renovatio de como fazer esse processo gerar ciência, gerar dado, para poder, inclusive, apoiar a política pública. Queremos resolver o problema e tenho plena consciência de que a Renovatio não vai resolver o problema sozinha, pois a saúde visual é carente no Brasil, e a gente não pode deixar de discutir isso, é um fato. Mas como que a gente resolve isso? Acredito que conseguimos fazer isso com eficiência usando tecnologia e facilitando o processo do atendimento, garantindo acessibilidade para todo mundo.
Schor: Joia, não é à toa que a gente, em geral, coloca a inovação social com inovação em política pública, uma meio que leva a outra, e o que a gente precisa, Ralf, é te escalar. A gente precisa ter mais Ralfs por aí, porque só podia vir da tua cabeça mesmo esse foco tão direcionado, super do bem, para fazer com que haja um impacto grande. Você consegue manter esse negócio de pé e esse processo, sendo tão metodologicamente estudado, e você está colocando ciência em cima disso. Há pouco tempo eu li algumas coisas do super consultor Vicente Falconi, de Minas Gerais, que fala muito isso, sem medir não há gestão. E você está fazendo isso, você tá colocando uma métrica quase científica para que isso consiga ser repetido.
Então, eu não tenho dúvida de que você está deixando um legado. Isso vai ser uma coisa que pode ser repetida e pode ser escalável e sai um pouco daquela história de que precisa ser artesanal e não dá para a gente escalar alguma coisa e você mostra super claramente que dá. Eu acho que isso é um outro exemplo para a gente te agradecer aqui em público o que você tem feito e, de verdade, tenho certeza que esse é um trabalho que vai cada vez ser mais reconhecido e eu espero que o governo comece a olhar para isso. Eu sei que você tem várias iniciativas próximas ao governo, a gente também tenta ligar isso mais fortemente, tanto o governo nacional como organismos multilaterais internacionais, que é um processo para ser aplicado em larga escala em vários países que têm diferenças e semelhanças em relação a nós. Então te agradeço muito, Ralf.
Toenjes: Eu que agradeço a oportunidade. O mundo hoje está vendo um impacto social, negócios sociais que são muito diferentes do que há dez anos; existem hoje negócios sociais super relevantes, temos atualmente fundos de impacto extremamente importantes, o ecossistema de impacto social e negócios de impacto, isso está cada vez mais forte. Nós somos a maior geração de jovens do Brasil, da história do país, então, essa geração está cada vez mais se importando aonde ela quer trabalhar. O desenvolvimento desse setor era muito diferente antigamente, a Renovatio é de 2013, e a gente fala que aquilo era um “mato” e a gente foi ajudando a tirar o “mato”, e hoje o setor está muito desenvolvido.
Temos casos de sucesso de empresas que receberam investimentos altos de impacto social, de negócios sociais, negócios de impacto, que captaram rodadas grandes, dessa forma, o setor está desenvolvido, tem recursos para o setor e virá cada vez mais recursos. A gente não consegue ser egoísta e buscar um desenvolvimento para todo mundo. Dessa maneira, tem que desenvolver sem deixar partes para trás, porque também é um problema econômico. Hoje estou bem esperançoso por poder conseguir resolver alguns problemas, pelo menos no modelo de impacto, de negócio social, para uma escalada sustentável.
Schor: Ralf, não sei se você acha que você inspira, mas eu tenho certeza que sim. E você faz as pessoas transpirarem também, ou seja, você as faz executarem, não as faz só pensarem, você coloca isso em ação e a inovação é isso, é o uso. Portanto, você é um inovador, meu chapa.
Ralf: Estamos juntos. Muito obrigado pelo convite, de verdade, foi super legal!
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