Atualmente, fala-se muito em humanização, mas será que o atendimento médico atual é de fato humanizado? Algo que parece simples, mas que foi enfatizado nesta repercussão da conversa com o nefrologista e clínico Daniel Sigulem no Podcast Rx – Por dentro da sua próxima receita médica! é o respeito do médico pelos pacientes, a priorização e inclusão destes como centro do cuidado, mobilizando profissionais para esse cuidar, mesmo quando em conjunto com outras especialidades médicas.
“Porém, não apenas com encaminhamento, mas com acompanhamento”, ressalta o oftalmologista Paulo Schor, que nesta repercussão também levanta outros questionamentos, tais como: Será que essa não é uma boa oportunidade para uma revalorização da opinião do médico e não do médico como um “vendedor” de tecnologia? Será que não é preciso prestar um pouco mais de atenção nisso?
“Daniel é um grande amigo meu e da minha família, de vários anos, um nefrologista muito especial, e o melhor amigo dele era o meu tio Nestor, que faleceu há dois anos e ainda faz muita falta. Por essa referência que me diz muito, eu tenho um carinho especial por essa conversa que foi muito esperada por mim”, comenta Schor, enfatizando que Sigulem possui uma trajetória invejável e testemunhou vários desenvolvimentos, avanços, evoluções e continuou um eterno moderno, que trazia a tecnologia junto com o uso. “E isso é algo muito raro, porque em geral uma coisa vem antes da outra: ou a tecnologia vem antes do uso, e a gente fica procurando o uso para ela, ou a necessidade vem antes e a ferramenta vem depois, fazendo com que as pessoas sofram bastante”, afirma.
O médico relata que por ser um eterno moderno em um local de relativo conservadorismo, que é a academia, Sigulem teve grandes dificuldades dentro desse espaço, embora tenha tido vários apoiadores, como o professor Oswaldo Ramos, e inúmeros outros que apoiaram o surgimento/crescimento da informática em saúde na Escola Paulista de Medicina na década de 1980. “Me chama muito a atenção a conversa com o Daniel e eu quis trazê-la para vocês, porque ela faz coro com discussões absolutamente atuais, uma delas que publicamos há pouco tempo em uma revista denominada “Ser Médico”, do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (CREMESP), e que fala sobre quanto vale a opinião do médico, que deveria ser tratada de modo autônomo e não ligada à tecnologia, que de vez quando é até obtida através do médico, mas por equipamentos.
Para o especialista, Sigulem vem concretizar esse fato, simbolizar, exemplificar, ilustrar de uma forma muito direta, como que as pessoas conseguem, estando longe da tecnologia – e eventualmente até estando longe da tecnologia mais básica, por exemplo um estetoscópio, um aparelho para medir pressão -, fazer uso dessas ferramentas a distância e continuar “vendendo” a opinião médica pelo valor que ela tem. “Eu queria trazer esse exemplo para as gerações atuais que se perguntam muito o que irá acontecer com a medicina quando existe toda essa verticalização”, observa, apontando que as grandes operadoras e os diversos grupos econômicos começam a adquirir estruturas de saúde e, por “economicidade”, tiram das mãos dos médicos o papel do empresário enquanto eles viram os empresários.
“E os médicos, que eram antes confundidos com médicos–empresários, agora passam a ser ou empresários, e aí eles sentam no board das empresas como acionistas, ou médicos prestadores de serviço”, continua Schor, esclarecendo que esse fato tem incomodado muito a comunidade médica, porque aparentemente tolhe alguma autonomia dos profissionais de saúde. “E provavelmente essa autonomia tem que ser balizada frente a custos e benefícios para os pacientes, mas a saúde completamente universal, com todos os recursos para todo mundo, é impagável, e essas escolhas são dificílimas para os gestores, porém aqueles que têm o foco na economia e na entrega de resultados farão essas escolhas“, diz, declarando que os médicos ficarão do outro lado à mercê dessas escolhas, mas podendo exercer, eventualmente, a sua opinião e com esta sendo valorizada.
Para o cirurgião, esse é o chamado que se tem feito nas redes e em locais de encontro de médicos, tanto nas congregações, que são lugares onde se discutem as ideias dentro das universidades, como nas sociedades médicas, por exemplo na Associação Paulista de Medicina (APM) e no Conselho Federal de Medicina (CFM). O médico questiona se essa não seria uma boa oportunidade para uma revalorização da opinião do médico, e não do médico como um “vendedor” de tecnologia. “Será que não deveríamos prestar um pouco mais de atenção nisso, tendo como exemplo o Daniel, que conseguiu fazer isso tudo junto? Gostaria que isso fosse bastante pensado”, pontua. Schor lembra que também durante a conversa com Sigulem foi colocada diversas vezes a questão da qualidade, algo do qual o nefrologista nunca abriu mão.
Na opinião do especialista, além de Sigulem ser um médico ainda extremamente ativo e bastante atualizado, ele preza pela maior qualidade das segundas opiniões que pede para seus pacientes buscarem. “Orgulho à parte, uma das segundas opiniões que ele pede são as minhas em casos oftalmológicos”, revela, destacando que Sigulem faz uma coisa bastante interessante, que é cobrar dos outros médicos a opinião sobre seus pacientes. “Se nós não devolvermos a opinião para ele em um tempo recorde, ele fica muito bravo. E eu aprendi muito com ele também que isso faz parte do respeito ao paciente. O Daniel possui uma fidelidade e uma confiança dos seus pacientes que é ímpar, por isso ele retém pacientes”, salienta, enfatizando que isso acontece porque ele prioriza seus pacientes, os tem, de verdade, como o centro do cuidado e faz todo mundo se mobilizar no cuidar dessas pessoas.
“Não é alguma coisa jogada, como a gente vê acontecer muito, do tipo: Caro colega cirurgião gástrico, solicito o diagnóstico e conduta de fulano de tal e adeus. Essa é uma atitude que acaba sendo repetida em sistemas de saúde despersonalizados e entendida como uma falta de confiança enorme por parte do paciente e por parte do próprio médico que o recebe”, ressalta, afirmando que quando o médico consegue personalizar a indicação, fazer o círculo de confiança, muda completamente o cuidado com o paciente e isso não é economicamente inviável, é comunicação, é preocupação“, destaca, voltando a mencionar seu tio Nestor: “Ele tinha o costume de falar ainda tenho que despachar várias ligações, que eram as ligações que ele fazia quando acabava o consultório”, relembra.
O oftalmologista conta que seu tio era clínico e nefrologista também e tinha essa forte conexão com os pacientes. “Essa conexão toma o nosso tempo sim, mas não precisa ser mediada por uma high–tec, basta um telefonema, um e–mail, um vídeo”, avalia. Para ele, isso toca as pessoas, mantém a empatia e, com certeza, aumenta muito a adesão ao tratamento do qual as pessoas necessitam. O cirurgião comenta, também, que é bastante comum receber pacientes que moram fora do Brasil e que voltam para passar nos médicos que eles confiam, que em geral inclui ginecologista, dentista, e de vez em quando oftalmologista. “E me custava um pouco entender por que isso acontecia até eu ir para os Estados Unidos, no meu doutorado em 1995, quando fiquei em Boston”, esclarece.
Ele diz que foi lá que entendeu bem como funciona a medicina americana. “A qualidade técnica específica é inconteste, mas a ligação com o paciente depende do médico completamente”, revela, informando que em Boston ficou em um grupo que tinha um acolhimento muito grande em relação ao paciente, mas que isso não é a regra. “O que se observa aqui é um pouco dessa repetição, de um acolhimento ao paciente nem sempre bem cuidado, com todas as desculpas que incluem eu tenho pouco tempo na consulta para dar esse acolhimento; não tenho esse tempo de retorno ao paciente na minha agenda”, pontua, relatando entender e concordar. “Mas eu queria trazer um testemunho da Holanda, onde eu também passei algum tempo e vi de perto como funciona o Programa de Saúde da Família, que seria um modelo também para cá”, destaca.
Ele conta que os médicos holandeses, pelo menos uma hora antes de começar as consultas, fazem o tal do “despacho”, ou seja, conversam com seus pacientes, retomam as dúvidas, têm uma agenda de novos exames e exames anteriores que foram remetidos e que não tiveram retorno ainda. “Existe, portanto, um comprometimento grande com o seguimento dos pacientes e essa pode ser uma revolução anterógrada, porque isso já é feito, sempre foi feito. Quando a gente tinha menos tecnologia, dávamos mais atenção às pessoas e agora, com muita tecnologia, acabamos nos afastando disso”, analisa o médico. Para ele, a tecnologia está tomada, pelo menos a tecnologia dura. “Usar a tecnologia dura para voltar a conversar com as pessoas, para ganhar tempo para falar com os pacientes, é um exemplo grande que vocês vão poder ouvir, quem ainda não ouviu, na conversa com o Daniel e que eu trago aqui para nossa reflexão”, conclui Schor.
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