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O oftalmologista Paulo Schor tirou um mês sabático e aproveitou para visitar uma fábrica na Inglaterra (Reino Unido) de lentes intraoculares, que são as lentes utilizadas em cirurgias de catarata e que servem para substituir o cristalino, que é a lente natural do olho. Ele compartilhou sua experiência através deste primeiro episódio do Podcast RX Off Label, uma iniciativa que tem como objetivo disseminar conhecimento de última mão, visitas, conversas e muitas informações valiosas.

O especialista afirma que usar as férias para pensar é uma definição de período sabático. Ele diz que se alimenta de novidades e anda em duas rodas, sabendo que se parar cai. “Descobrir outros usos, benefícios e riscos, me deu a ideia de chamar este podcast ocasional de Off Label. Eu os convido a virem junto, refletindo e se posicionando”, ressalta o médico, comentando que a fábrica surgiu depois que uma família bastante conhecida na Inglaterra, que tinha várias ópticas espalhadas pelo país inteiro, reuniu todas as lojas e as vendeu, montando depois uma grande fábrica. “É um espaço bastante arejado, iluminado, que congrega todas as dependências de pesquisa, desenvolvimento, manufatura das lentes e distribuição, e eles fazem três mil lentes todos os dias, um volume absurdo”, acrescenta.

“E eu me perguntava se tinha alguma coisa de especial nessas lentes intraoculares que nós, como cirurgiões, colocamos nos olhos dos pacientes de um jeito rotineiro, sem pensar muito de onde elas vêm, apenas considerando as propriedades das lentes e tendo a preocupação com o custo delas para os pacientes”, continua, ressaltando que a fábrica muda muito a perspectiva do usuário e que ele, como cirurgião e não como pesquisador ou desenvolvedor tecnológico, ficou bastante impressionado com o número de pontos de checagem de qualidade que essas lentes têm ao longo da sua linha de produção. “São cinco ou seis pontos onde todas as lentes são checadas quanto à deformação, grau, tamanho, flexibilidade, sujidade e, assim, se elas estão sujas ou não, por exemplo, isso se chama checagem estética, que é feita por muitas pessoas em turnos nos quais se revezam. E depois as lentes acabam sendo produzidas em diversos graus com diversos modelos”, explica.

Schor questiona qual a adição de valor que uma fábrica dessas na Inglaterra emprega, que possui uma mão de obra cara, um terreno caro e um custo de vida muito caro também. “Por que essa lente custa mais cara? Qual é o valor que ela adiciona em relação as outras lentes? E aí me veio um pouco a metáfora dos carros ingleses que, assim como os carros alemães, têm na sua qualidade a marca original, entre eles o Jaguar, Bentley e Rolls Royce”, diz. Ele cita o caso do Jaguar, especificamente, que vem de uma linha de montagem parecida com os carros da Ford, bastante conhecidos. “Mas o controle de qualidade do Jaguar é muito diferente do controle de qualidade dos carros da Ford, que também são muito bons, além da manufatura usar produtos relativamente diferentes”, aponta, salientando que vê como um grande diferencial esse controle de qualidade, tendo a certeza de que a pessoa terá um carro funcionando muito bem.

No caso das lentes intraoculares, o cirurgião pontua que a fábrica inglesa possui um diferencial que funciona perfeitamente, e que o fez repensar muitas coisas, como o conceito de branding, mas não como marketing, não como uma ferramenta de venda, e sim como um valor em si. “Tive uma reunião muitíssimo produtiva com os desenvolvedores das lentes, em que eu fui apresentado a alguns modelos que irão aparecer daqui a alguns anos no mercado”, revela, esclarecendo que uma das ideias foi exatamente fazer uma transparência desse local para fora da fábrica, usando, eventualmente, ferramentas tecnológicas. “Todos esses pontos de checagem são filmados, são registrados, e eu fico pensando que se o paciente ou o médico, quem quer que seja, seguisse a produção do seu lote de lentes intraoculares, será que não daríamos mais valor para aquilo que vai ficar dentro do nosso olho para o resto da vida?”, questiona o oftalmologista.

“Eu tenho a impressão de que sim e que isso não é um marketing barato, no termo mais puro da palavra, isso é o marketing real, ou seja, teremos a transparência como um valor agregado importante”, analisa o médico, relembrando que também foi bastante discutido durante a sua visita a posição de alguns cientistas brasileiros dentro dessa fábrica. “O primeiro cientista e funcionário colaborador brasileiro veio para a fábrica há muitas décadas. Ele nasceu no Brasil, morou na Itália, veio para a fábrica e inaugurou um pouco dessa linhagem de brasileiros. E não são só brasileiros que têm aqui, a gente anda na fábrica e vê várias nacionalidades, indianos, escoceses, italianos, muita gente e muita diversidade, e essa fábrica tem nesses brasileiros uma potência de pesquisa e desenvolvimento muito grande”, destaca.

Ele conta que foi convidado por um dos líderes de pesquisa e desenvolvimento, que veio de Minas Gerais e que trouxe mais gente de do seu Estado para a fábrica também, que é um celeiro importante da óptica brasileira, assim como São Carlos e Campinas, em São Paulo, e vários outros lugares do Brasil. “São locais muito bons produtores de ciência básica e aplicada e essas pessoas vêm para cá e não só competem em pé de igualdade, mas têm vantagens adaptativas muito importantes. E ainda bem que eles abrem as portas para outras pessoas virem”, declara. Nessa fábrica específica, conforme explica o cirurgião, há uma situação muito interessante que é ainda um crescimento que não faz dela um gigante transatlântico, que tem dificuldade enorme de mudar de rumo, e nem uma fábrica muito pequena que não tem recurso para investir em pesquisa e desenvolvimento. “Existe aqui, portanto, uma janela de oportunidade muito interessante e uma distância muito pequena entre o CEO que estava nessa visita, os diretores, com quem tive mais contato, e os gerentes, de modo que nós consigamos que nossas angústias de usuário e cirurgião, independente do lugar do mundo onde estiver, sejam ouvidas e, eventualmente, desenvolvidas por essa fábrica.

Segundo o especialista, essa é uma situação muito particular e muito interessante para se aproveitar. “E uma das ideias que a gente tenta aproveitar e que já foi levada para a diretoria da Agência de Inovação Tecnológica e Social da Unifesp, por exemplo, da qual sou diretor atualmente, é que a sociedade civil, organizada, com fins lucrativos (empresas) ou sem fins lucrativos, como lideranças comunitárias, organizações de paciente, participem mais ativamente das produções científicas, especificamente das direcionadas das pesquisas aplicadas de dentro da universidade”, comenta. Para Schor, seria muito interessante isso, que é o que tem sido feito na Unifesp, que as empresas ou sociedade civil tivessem junto às qualificações de mestrado e doutorado.

E essa qualificação, de acordo com o oftalmologista, é o momento no qual os estudantes de mestrado e doutorado apresentam o que eles estão fazendo para ser validado para continuar a sua tese, e isso é feito aproximadamente no meio do mestrado ou doutorado, para que a tese chegue a bom termo. “Se apresentarmos projetos que são relativamente iniciais, mas já andaram um pouco, para quem tiver realmente interessado na sociedade, provavelmente teremos uma validação precoce e uma chance muito maior desses produtos irem ao mercado, quer seja com fins lucrativos ou não (inovação social)”, diz Schor, concluindo: “Essa parece ser uma tempestade perfeita, em que a gente consegue chegar nos locais que produzem tecnologia, juntando com os nossos cérebros que são avantajados, assim como em vários locais do mundo, e fazer o bem para o próximo.”

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