Continuando o seu sabático pela Inglaterra, o oftalmologista Paulo Schor relata neste episódio seu maravilhoso encontro com o matemático indiano Ayush Bhandari, amigo que conheceu em 2013 no MIT. Além de passar um tempo agradável com o indiano, o médico conta a visita que fez ao Parlamento do Reino Unido, localizado às margens do Rio Tâmisa, onde acompanhou discussões bastante acaloradas dos políticos ingleses.
O médico comenta que seu mês sabático tem sido fabuloso em relação a pessoas, lugares e experiências. Sobre o indiano Ayush Bhandari, amigo de longa data que conheceu quando era professor visitante no MIT, em 2013, Schor revela: “Ele era de um grupo chamado Camera Culture (Cultura das Câmeras) e não à toa que é um apaixonado por fotografia, mas, na verdade, esse nome meio que esconde o que o grupo de verdade fazia, que era computação”, relembra, mencionando que os indianos são muito bons em matemática. “Isso é uma generalização, mas também é uma verdade, e o Ayush tem um interesse grande por ciência básica. Ele não tem uma grande paixão pela aplicação imediata das coisas e muito menos pela leviandade que as coisas podem ter. E ele tem uma paixão pela qualidade e pelos desenvolvimentos muito detalhados em todos os campos da matemática”, completa.
O oftalmologista diz que Bhandari atualmente faz parte de um grant, que funciona na base de recursos, fomentos e financiamentos para pesquisas, obtidos de modo individual. “Diferentemente do Brasil, em que o programa de pós-graduação no qual estamos inseridos tem uma nota que é dada, claro que pela qualidade dos professores que estão no programa, pela produção que temos e, dependendo dessa nota, existe recurso extra que o programa recebe para ser revertido em bolsas e, eventualmente, para fazer uso para material de pesquisa. Mas não temos esse recurso individual, que aqui em Londres e nos Estados Unidos é bastante presente”, explica Schor. O médico esclarece que antes do grant, existe um processo de seleção no qual os interessados se candidatam a postos na Grã-Bretanha.
Ele declara que o amigo indiano se candidatou a um posto de professor de matemática no Imperial College London (Colégio Imperial de Londres), um lugar bastante prestigioso e com poucas vagas. “Como ele é muito acima da média, conseguiu esse posto e, ao mesmo tempo, aplicou para esse grant 1,2 milhões de libras, e imaginem que um matemático não precisa comprar muita coisa, ele precisa de cérebro, e ele tem alguns estudantes que recebem bolsa de pós-graduação”, afirma o especialista, ressaltando que uma grande parte desse montante é reservada para viagens e para o que ele precisa ao redor do mundo, para atrair gente e ir a lugares importantes, como congressos, conferências etc. “E hoje ele pesquisa sinais escondidos dentro de sinais biológicos expressos”, diz.
O especialista cita como exemplo o eletrocardiograma, explicando que o exame são aquelas ondas que aparecem quando se colocam os eletrodos no peito e nos braços do paciente para verificar como está o funcionamento do coração. “Isso já existe há muito tempo e ficamos bastante espertos em interpretar o eletrocardiograma. E hoje temos inteligência artificial ajudando a interpretar esse exame, tentando enxergar o que não vemos”, informa o cirurgião, salientando que a inteligência artificial é um truque quase estatístico que vai atrás de respostas para algo que não vemos. “Sabemos que esse tipo de traçado do eletrocardiograma tem a ver com pessoas que tiveram infarto e, depois, damos outros traçados para a máquina de inteligência artificial e perguntamos se esses novos traçados têm uma semelhança com aqueles que sabíamos que vieram de pessoas que tiveram um ataque cardíaco”, acrescenta Schor.
O médico comenta que Bhandari faz exatamente isso, ele tenta ver através da matemática aquilo que está escondido dentro de pedaços dos sinais que não são visíveis. “E não são visíveis porque pedaços grandes de sinal obscurecem os detalhes em pedaços muito pequenos. A gente não consegue fazer como no celular, por exemplo, quando ampliamos a fotografia para ver os detalhes, o detalhe se perde. Mas com a matemática, isso é possível e ele chamou isso de dobrar o sinal, ver dentro de lugares que antes eram invisíveis”, relata o oftalmologista. Ele revela que apesar do indiano ser brilhante e fazer coisas que pouco entendemos, tem um relacionamento humano muito bom. “Ele é muito acolhedor, e isso eu ouço dizer também que muitos indianos são”, afirma.
Schor conta que em sua visita, Bhandari o levou a uma doceria norueguesa em South Kensington, razoavelmente perto do Hyde Park, próximo de onde o oftalmologista morou há trinta e seis anos quando ficou um tempo em Londres. “Depois, nós fomos em um restaurante indiano típico daqui, maravilhoso, e ainda bem que fomos com ele, porque foi muito difícil fazer o pedido, não pela língua, mas pelo que vinha na comida. E com alguém da cultura explicando, faz toda a diferença”, avalia, ressaltando que foi um jantar fantástico e, por incrível que pareça, não muito caro. “Quando a gente vai com alguém que não é turista ou quando não somos turistas, ajuda bastante”, complementa.
Na segunda parte das atividades, o cirurgião lembra da visita que fez no dia posterior à conversa com o indiano, que foi no Parlamento do Reino Unido, localizado às margens do Rio Tâmisa. “Nós conseguimos entrar no Parlamento e a minha filha, que está aqui, perguntou para o guarda como que entrava, e ele falou ‘vocês precisam dizer que estão querendo ver o debate’, e nós fomos com essa dica atrás das duas câmaras do Parlamento”, relata, comentando o fato recente da queda de Boris Johnson, ex-primeiro-ministro da Inglaterra. “Por causa disso, estava tendo uma movimentação grande para ver quem seria o próximo primeiro-ministro. Estava cheio de emissoras de TV dentro do Parlamento e nos sentimos bastante atualizados em relação aos fatos, surpreendidos pela movimentação política e impressionados por conseguir entrar nesses lugares sendo estrangeiros. E isso me fez refletir o quanto que não aproveitamos esse tipo de oportunidade no Brasil”, lamenta, enfatizando que mesmo os intelectuais esclarecidos, que falam sobre política nos bares, muito pouco fazem efetivamente.
Durante a visita ao Parlamento inglês, Schor diz que estava havendo uma discussão sobre a independência ou não da Irlanda do Norte. “E tem essa conversa depois da saída do Reino Unido do bloco europeu, cujo plebiscito ficou muito dividido sobre essa decisão, e o ex-primeiro-ministro era muito a favor dessa saída, mas a economia da Inglaterra não está muito boa depois do Brexit, e se questiona se a Irlanda do Norte, que tem uma identidade muito forte, agora tende a querer voltar para a União Europa”, observa, afirmando que talvez a Inglaterra fique mais isolada do que imaginou que pudesse ficar, em vez de ficar mais hegemônica. “Era uma discussão bastante acalorada e muito bem fundamentada por políticos que sabiam o que estavam falando. E eu tenho certeza que no Brasil também temos políticos que sabem o que estão falando. Mas cabe a nós participar mais”, opina.
O médico explica que o Congresso britânico é quem faz as leis e toma as decisões, e como não tem presidente, mas primeiro-ministro, que vem do Congresso, esse é um lugar muito importante para a política do país. “As leis que são formuladas e propostas pelo Congresso passam pelo Senado, que é uma segunda casa, há poucos metros de distância do Congresso. Nós fomos lá também e estava tendo uma outra discussão. Mas o Senado é um pouco diferente, é um lugar onde as leis são polidas. As pessoas podem modificar levemente as leis, podem adicionar algumas coisas, porém não são modificadas, fundamentalmente, todas as leis”, analisa. Para ele, o Senado é uma casa um pouco mais de fachada, “para inglês ver”, do que a Câmara dos Deputados.
E no Senado, ele conta que acontecia uma outra conversa que era sobre a lei da energia limpa e o quanto é importante que uma lei estabeleça quais são os limites e o que será feito efetivamente para que o aquecimento global consiga ser minorado através de mais uso de recursos renováveis. A discussão era que a lei é importante, porém, não é suficiente. “Uma discussão de altíssimo nível. Quem falava que a lei era importante, mas não suficiente, dizia que precisava haver ações efetivas e pontuais, com começo, meio e fim, para que tivesse uma repercussão, uma concretude maior, e não uma lei como muitas vezes a gente vê, leis ótimas, mas cuja execução poucas vezes é vista”, aponta, destacando também a falta de participação da sociedade nos processos políticos detalhados.
“Não adianta a gente ser amador, o amador fica na superfície, ele não consegue se aprofundar e não muda as coisas”, continua o especialista. Segundo o cirurgião, políticos amadores não fazem parte do vocabulário. “Políticos têm que ser, de fato, políticos, e nós temos que ser mais políticos. Por algum motivo, e existem inúmeras teorias sobre isso, nós nos afastamos muito da política”, pontua o médico, salientando que a política hoje passa a ser um campo que navega entre o violento, o bipolar e o “não tenho interesse nenhum, não tenho nada a ver com isso”. “E eu não vejo tantos jovens, como os não tão jovens, envolvidos, eu gostaria muito mais que a gente fosse mais envolvido na política do Brasil”, conclui Schor.