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Uma nova pesquisa conduzida por cientistas da École Polytechnique Fédérale de Lausanne (EPFL), na Suíça, apresenta uma técnica promissora de estimulação cerebral não invasiva capaz de restaurar funções visuais em pacientes com hemianopia pós-AVC. O método combina treinamento visual com neuromodulação direcionada, oferecendo uma alternativa inovadora para casos em que as opções terapêuticas atuais ainda são limitadas.

Hemianopia: impacto significativo na rotina dos sobreviventes de AVC

A hemianopia é um dos déficits visuais mais comuns após acidentes vasculares cerebrais, caracterizada pela perda de metade do campo visual, geralmente dividida ao longo da linha vertical. A condição compromete tarefas básicas como ler, dirigir, caminhar em ambientes movimentados e manter independência no dia a dia.

Os tratamentos disponíveis hoje se concentram principalmente em estratégias compensatórias, ensinando o paciente a adaptar-se ao campo visual reduzido. Mesmo protocolos intensivos de reabilitação têm resultados limitados, e a recuperação completa do campo visual é rara.

Um dos principais desafios está na quebra da comunicação entre regiões essenciais para o processamento visual — especialmente entre o córtex visual primário (V1) e a área medio-temporal (MT), fundamental para a percepção de movimento. Após o AVC, os ritmos elétricos que coordenam essas áreas tornam-se desorganizados, prejudicando o desempenho visual.

Reestabelecendo os ritmos cerebrais para restaurar a visão

Partindo de evidências de que a estimulação cerebral pode reorganizar conexões prejudicadas, a equipe de pesquisa desenvolveu uma abordagem que une treino visual a uma estimulação cerebral bifocal chamada cf-tACS (estimulação transcraniana por corrente alternada em frequência cruzada).

O objetivo é alinhar os padrões de atividade neuronal, reforçando a sincronização entre V1 e MT de forma semelhante aos processos naturais de visão.

A técnica mira mecanismos fisiológicos específicos, aplicando frequências distintas em cada área para restabelecer os fluxos de comunicação que sustentam a percepção visual.

Ensaio clínico reforça a eficácia da cf-tACS

O estudo, duplo-cego, controlado por placebo, envolveu 16 pacientes com hemianopia. Durante as sessões, os participantes realizavam um exercício de detecção de movimento na borda do campo visual afetado, enquanto recebiam a estimulação cerebral.

A estimulação seguiu o padrão fisiológico de comunicação “bottom-up” do cérebro:

  • Frequência alfa (baixa) aplicada ao V1
  • Frequência gama (alta) aplicada à área MT

Esse formato imita o fluxo natural de informação visual e busca corrigir a dissociação pós-AVC.

Melhora da percepção de movimento e ganhos no dia a dia

Os pacientes que receberam o padrão de estimulação correto apresentaram:

  • Melhora significativa na percepção de movimento
  • Expansão mensurável do campo visual, especialmente nas zonas treinadas
  • Maior sincronização entre V1 e MT, confirmada por EEG
  • Aumento da atividade em áreas sensíveis ao movimento em exames de imagem

Além das medidas clínicas, muitos participantes relataram mudanças percebidas na vida real. Um deles comentou que voltou a enxergar “o braço direito da esposa no banco do passageiro” — algo impossível antes da terapia.

Os melhores resultados foram observados em pacientes que ainda tinham parte das conexões neurais entre V1 e MT preservadas, sugerindo que mesmo circuitos parcialmente intactos podem sustentar recuperação significativa.

Caminho para uma reabilitação visual mais acessível

O estudo evidencia que a combinação entre neuromodulação baseada em fisiologia e treinamento visual pode impulsionar a recuperação em pacientes com hemianopia, oferecendo uma alternativa mais acessível e menos invasiva que abordagens tradicionais.

Se confirmada em estudos maiores, essa técnica pode se tornar um importante marco na reabilitação visual pós-AVC, especialmente para pacientes que precisam de soluções mais rápidas, eficientes e padronizáveis.

Referência

Estelle Raffin et al, Boosting hemianopia recovery: the power of interareal cross-frequency brain stimulation, Brain (2025). DOI: 10.1093/brain/awaf252

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