Tempo de leitura: 17 minutos
Autores: Regina Cele Silveira Seixas1 Marcos Balbino2 Alberto Basile Neto3 Amanda de Alcantara Almeida Costa4 Marcelo Lopes da Silva Jordão5 Heloisa Helena Abil Russ6.
 
1. HCloe Oftalmologia Especializada, Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil; 2. HCloe Oftalmologia Especializada, Centro Universitário São Camilo, São Paulo, SP, Brasil; 3. Clínica Oftalmológica do Complexo Hospitalar Padre Bento de Guarulhos, Guarulhos, SP, Brasil; 4. Clínica Oftalmológica do Complexo Hospitalar Padre Bento de Guarulhos, Guarulhos, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP, Brasil; 5. Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto Medical School, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, Brasil; 6. HR Oftalmologia, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, PR, Brasil.
 
RESUMO
Introdução

Este estudo avaliou a performance em 6 meses e segurança da cirurgia micro invasiva para glaucoma (MIGS) com iStent inject tanto com e sem cirurgia de catarata.

Materiais e métodos
Trata-se de um estudo longitudinal retrospectivo com 86 cirurgias em 49 pacientes com glaucoma de ângulo aberto (GAA) com controle inadequado ou hipertensão ocular que foram submetidos a implante trabecular de iStent inject tanto como cirurgia isolada (grupo isolado), quanto em conjunto com cirurgia de catarata (grupo combinado). Os dois objetivos primários incluíram redução da pressão intraocular (PIO) de e”20% dos valores pré-operatórios (redução satisfatória) e manutenção da PIO entre 6 e 18 mmHg (intervalo satisfatório). Para ambos os objetivos, foi classificado como sucesso “completo” ou “qualificado”, se os pacientes não precisaram ou precisaram de medicações hipotensoras, respectivamente, ao final do acompanhamento. Resultados de segurança incluíram acuidade visual com a melhor correção, eventos adversos e necessidade de cirurgias secundárias.
Resultados
Na análise dos indivíduos que atingiram redução satisfatória, 30,2% atingiram “sucesso completo” e 37,2% atingiram “sucesso qualificado”. Quanto aos que atingiram intervalo satisfatório, 40,7% alcançaram “sucesso completo”, enquanto 39,5% atingiram “sucesso qualificado”. Não houve diferença em redução do uso de medicações (p=0,77) ou redução da PIO (p=0,46) entre os grupos de cirurgia isolada ou combinada. O procedimento se mostrou seguro e similar entre os grupos, com apenas eventos adversos leves e transitórios que não resultaram em sequelas.
Discussão/Conclusão
O implante de iStent inject em conjunto com cirurgia de catarata ou isoladamente foi capaz de reduzir a PIO e o uso de medicações de forma segura ao longo do acompanhamento de 6 meses após a cirurgia.
Palavras-chave
glaucoma, tratamento medicamentoso, micro-bypass trabecular, cirurgia de glaucoma combinada com cirurgia de catarata, cirurgia de glaucoma micro invasiva.
INTRODUÇÃO
Glaucoma é uma doença caracterizada pelo aumento da escavação do nervo óptico e dano ao campo visual.1 É a terceira causa mais frequente de cegueira no mundo e a primeira de cegueira irreversivel.2 Em 2013, pesquisadores estimaram que a prevalência de glaucoma na população idosa do mundo seja de 64,3 milhões, crescendo para 76,0 milhões em 2020 e 111,8 milhões em 2040.3 A redução da pressão intraocular (PIO) é o único tratamento comprovadamente capaz de reduzir a progressão da neuropatia óptica glaucomatosa.4,5 O estudo Early Manifest Glaucoma Trial estimou um risco de progressão 10% menor para cada 1mmHg de redução da PIO.5 De forma complementar, o estudo Advanced Glaucoma Intervention Study (AGIS) demonstrou que olhos com PIO <18 mmHg em 100% das visitas durante o acompanhamento não apresentaram variação média no campo visual medida pela perimetria automatizada padrão (PAP).6
Tratamento com medicações e terapia laser podem reduzir a PIO, entretanto quando essas condutas são insuficientes para reduzir a PIO para valores-alvo de acordo com a severidade da doença são frequentemente necessárias cirurgias filtrantes ab externo para promover maior redução da PIO. Infelizmente cirurgias filtrantes são consideradas opções de alto risco e podem resultar em complicações relacionadas a bolha, hemorragia supracoroide, hifema, hipotonia, infecção, inflamação, perda de visão ou necessidade de reoperações.7
Existe atualmente um número crescente de procedimentos cirúrgicos projetados para reduzir a PIO8, via abordagem ab interno envolvendo trauma mínimo aos tecidos oculares. Esses procedimentos são classificados como cirurgias de glaucoma micro invasivas (MIGS)9,10. O micro-bypass trabecular iStent (o primeiro dispositivo MIGS aprovado pelo FDA nos EUA) e o iStent inject de segunda geração (ambos da Glaukos Corporation, San Clemente, CA, EUA) são fabricados em titânio revestido de heparina e podem ser implantados isoladamente ou em combinação com a cirurgia de catarata.11 Uma riqueza de evidências prova esses stents como seguros e eficazes em reduzir a PIO e a necessidade de medicações12,13. O presente estudo tem como objetivo avaliar a performance e segurança em 6 meses do iStent inject implantado isoladamente ou em combinação com cirurgia de catarata em olhos com glaucoma de ângulo aberto de leve a moderado.
MATERIAIS E MÉTODOS
Aspectos Éticos
O comitê de ética da Clínica de Oftalmologia Especializada (HCLOE) aprovou o estudo e todos as informações coletadas foram tratadas com proteção de dados e políticas de regulação de privacidade. Os métodos do estudo cumpriram com a Declaração de Helsinki. O estudo não necessitou de consentimento livre e esclarecido devido a sua natureza retrospectiva e não intervencionista, tendo sido as informações coletadas de prontuários médicos.
Coleta de Dados e Elegibilidade
Este estudo longitudinal retrospectivo multicêntrico avaliou os resultados de 6 meses de acompanhamento de olhos que foram submetidos a implante de iStent inject em combinação ou não com cirurgia de catarata de agosto de 2017 a agosto de 2019. Todas as cirurgias foram realizadas em um de três centros de cirurgias oftalmológicas por um de três cirurgiões (localizados nas cidades de São Paulo e Ribeirão Preto, no Estado de São Paulo; em Curitiba, no Estado do Paraná, Brasil). Os cirurgiões incluídos no estudo são bastante experientes no procedimento, tendo implantado mais de 50 dispositivos iStent. Dados completos foram incluídos de 86 olhos de 49 pacientes (ambos os olhos em 37 pacientes e apenas um olho em 12 pacientes). 
Pacientes foram elegíveis para inclusão se fossem maiores de 18 anos e tivessem indicação de cirurgia antiglaucomatosa (pela Diretriz da Sociedade Brasileira de Glaucoma) e cirurgia de catarata. Os diagnósticos poderiam incluir glaucoma primário de ângulo aberto (GPAA) ou hipertensão ocular não controlada por drogas e/ou terapia laser.
RESULTADOS
Houve dois objetivos primários: redução da PIO em e”20% dos valores pré-operatórios (redução satisfatória) e manutenção da PIO entre os valores de 6 a 18 mmHg por todo o acompanhamento (intervalo satisfatório). Em ambos os objetivos foi determinado “completo” e “qualificado” caso o paciente não necessitasse ou necessitasse de medicações hipotensoras, respectivamente, ao fim do estudo. Portanto, nas análises de sobrevivência correspondentes, falha foi definida como redução menor que 20% em comparação aos valores pré-operatórios em dois encontros consecutivos (falha relacionada à redução insuficiente) ou um valor de PIO fora do intervalo de 6-18 mmHg em qualquer encontro (falha relacionada a intervalo inadequado).
Outros resultados incluíram redução da PIO, melhora da acuidade visual e redução na necessidade de medicações hipotensoras. Os dados também incluem complicações cirúrgicas, eventos adversos e cirurgias secundárias. Considerando a natureza retrospectiva do estudo, nenhum paciente teve suas medicações retiradas antes da cirurgia.
Análise Estatística
A identificação do olho operado (direito ou esquerdo) foi tratada como unidade de medida na análise, devido à dependência da lateralidade com o objetivo de prevenir a perda de dados de cirurgias específicas. Um teste de skewness e kurtosis verificou uma distribuição normal dos dados. Foi aplicado o t-test (se distribuição normal) e o teste Wilcoxon ranksum (se distribuição não-normal) para comparação de médias. O one-way ANOVA foi aplicado para análise de variância de várias médias e o teste de Qui-quadrado para categorias variáveis. O teste de McNemar foi usado para comparar proporções pré e pós-operatórias de olhos em uso de zero medicações e olhos em uso de e”1 medicação.
Foram calculadas estimativas de sobrevivência usando a análise de Kaplan Meier e avaliadas possíveis diferenças com um teste de Log Rank. Para o objetivo de redução satisfatória, falha foi considerada como redução da PIO menor que 20% em relação a PIO base em duas consultas consecutivas. Para o objetivo de intervalo satisfatório, foi considerado uma PIO fora do intervalo de 6-18 mmHg em qualquer consulta. O valor p foi considerado <0,05 como limite para significância estatística. 
Foram incluídos 86 olhos de 49 pacientes neste estudo retrospectivo (11 pacientes foram submetidos a cirurgia unilateral e 38 a cirurgia bilateral). Um paciente com cirurgia bilateral foi submetido a procedimento isolado em um dos olhos e cirurgia combinada no olho contralateral. Entretanto, todos os outros casos bilaterais (37) receberam o mesmo procedimento em ambos os olhos (isolada ou combinada).
Foram coletados dados do pré-operatório e de até 6 meses após a cirurgia. Foram apresentados resultados de acordo com o tipo de cirurgia: iStent inject como procedimento isolado ou em combinação com cirurgia de facoemulsificação.
Pressão Intraocular
No período de 6 meses do estudo, a PIO média da cohort em geral diminuiu de 18,24 mmHg (95% CI 17,1 19,4) para 12,9 mmHg (95% CI 12,2 13,7), p = 0,0001. (Figura 1). Não houve diferença na variação ao longo de 6 meses da PIO entre os dois grupos (isolada ou combinada). ANOVA Prob > F = 0.46.
Número de Medicações para Glaucoma
No pré-operatório, os olhos do grupo da cirurgia isolada estavam em uso de mais medicações do que aqueles no grupo da cirurgia combinada (2,98 ± 0,89 versus 2,51 ± 1,03, respectivamente; p=0,014). Entretanto os dois grupos tinham uso de medicações estatisticamente comparáveis aos 6 meses de acompanhamento (0,70 ± 0,83 versus 0,95 ± 1,02 medicações nos dois grupos, respectivamente; p=0,10). O número médio de medicações decresceu de 2,74 (95% CI 2,53 2,96) no pré-operatório para 0,83 (95% CI 0,63 1,03) aos 6 meses (p=0,0001). A redução na medicação foi similar em ambos os grupos (redução de 1,81 ± 1,07 no grupo combinado e 2,02 ± 1,14 no grupo isolado, p = 0,77, teste Qui-quadrado de Mc Nemar). 
Quase a metade dos olhos (47,67%, n=41) ficaram livres de medicações hipotensoras ao fim do estudo. Durante os 6 meses de acompanhamento foi reduzido o uso de medicações de 0-4 em comparação ao pré-operatório. 100% dos olhos foram capazes de manter ou reduzir a necessidade de uso de medicações a partir da linha base. Não houve diferença significativa entre os grupos em porcentagem de olhos que se tornaram livres de medicação (p=0,52) ou na proporção de olhos que atingiram diferentes níveis de redução de uso de medicações (p=0,8) aos 6 meses de pós-operatório. 
Análise de sobrevivência mostrou que 67% dos olhos atingiram redução satisfatória (redução de e”20% em relação a linha base) e 81% atingiram o intervalo satisfatório (6-18 mmHg em todas as consultas). O teste de Log Rank não encontrou diferença entre os grupos na análise de sobrevivência para cada objetivo (p=0,056 para redução satisfatória e p=0,82 para o intervalo satisfatório). A estimativa de sobrevivência de Kaplan Meier para todos os olhos por tipo de cirurgia para ambos os resultados primários.
Os termos “sucesso completo” e “sucesso qualificado” expressam a necessidade de colírios hipotensores aos 6 meses de pós-operatório. Olhos atingindo um objetivo primário (redução satisfatória ou intervalo satisfatório) sem medicações foram considerados “sucesso completo”, enquanto os olhos atingindo objetivo primário com uma ou mais medicações foi considerado “sucesso qualificado”. A análise de sobrevivência de Kaplan Meier para o total de olhos para ambos os objetivos primários em termos de “sucesso completo (sem medicações aos 6 meses) e “sucesso qualificado” (com medicações aos 6 meses); p=0,52 e p=0,81 para redução satisfatória e intervalo satisfatório, respectivamente.
 
Acuidade Visual e Segurança
A acuidade visual geral (decimal) melhorou de 0,65 (95% CI 0,59 0,71) para 0,81 (95% CI 0,75 0,87), p < 0,0001 (Figura 6). Quando analisados separadamente, o grupo combinado melhorou a acuidade visual significativamente [de 0,55 (95% CI 0,48 0,62) para 0,85 (95% CI 0,77 0,93), p = 0,0001], consistente com as expectativas após a cirurgia de catarata. No grupo isolado a acuidade visual permaneceu estável ([0,75 (95% CI 0,66 0,85) no pré e 0,77 (95% CI 0,67 0,86) no pós, p = 0,085].
O sucesso no implante de dois stents de micro-bypass de segunda geração foi completo em todos os olhos, exceto dois do mesmo paciente, que estava no grupo isolado e tinha Síndrome de Íris Flácida. Nessas duas cirurgias houve falha na colocação do segundo iStent, após colocação bem-sucedida do primeiro. Em um dos casos o implante permaneceu no interior do injetor e no segundo caso o stent caiu dentro da câmara anterior e foi removido imediatamente sem mais complicações. O paciente não teve elevação ou diminuição da pressão intraocular em ambos os olhos ao longo do acompanhamento.
Três olhos (todos no grupo combinado) tiveram hifema leve no primeiro dia. Um olho teve hifema com elevação da PIO associada (no grupo isolado). Todos estes casos se resolveram na primeira semana após o tratamento com colírios hipotensores (no olho com elevação da PIO) ou observação atenta (nos olhos sem elevação da PIO). Picos de PIO foram mais prevalentes em pacientes do grupo de cirurgia combinada e ocorreram quase exclusivamente no primeiro dia de pós-operatório e foram atribuídos a remanescentes de viscoelástico (Healon®, usualmente removido com Centurion® Vision System). Todos, exceto um paciente, não apresentaram picos de PIO durante o resto do acompanhamento. Nesse único paciente, um pico de PIO foi observado aos 2 meses e 6 meses e foi atribuído à retirada dos colírios hipotensores, sem correlação ao stent. Todos os picos de PIO no grupo de cirurgia isolada ocorreram em olhos pseudofácicos. A Tabela 4 sumariza os índices de complicações em cada grupo; não houve diferença estatisticamente significante entre os grupos (p=0,066).
DISCUSSÃO
Os resultados deste estudo retrospectivo sugerem que o implante de iStent inject é uma opção adequada de tratamento para pacientes com glaucoma, tanto como procedimento isolado quanto em combinação com cirurgia de catarata. Nessa série a PIO foi reduzida de 18,2 mmHg para 12,9 aos 6 meses de pós-operatório e o número de medicações hipotensoras decresceu de 2,6 para 0,7, que são benefícios clinicamente e estatisticamente significantes. Quase um terço (30,2%) dos olhos atingiram “sucesso completo”, definido como redução da PIO em 20% em relação à base sem necessidade de uso de medicações. Outros 37,2% atingiram esse nível de redução de PIO com uso de medicações (“sucesso qualificado”). Não houve diferença estatisticamente significativa entre a magnitude de redução entre os grupos.
A acuidade visual melhorou significativamente no grupo combinado, como seria esperado após cirurgia de catarata. A adição do implante de iStent ao fim do procedimento não parece ter trazido nenhum impacto negativo na melhora da qualidade visual após a cirurgia de catarata. Ao mesmo tempo a acuidade visual permaneceu estável no grupo isolado, sugerindo que o iStent inject é um procedimento acuidade-neutro, como esperado, ao passo que nenhuma medida foi tomada para melhorar a acuidade visual desse grupo.
O grau de redução da PIO e medicações foi similar entre os grupos combinado e isolado, deste modo confirmando os achados de numerosos estudos em configurações isoladas e combinadas.13-23 Por exemplo, Hengerer et al publicou dois trabalhos; no primeiro, foram incluídos 81 olhos submetidos a implante de iStent inject com cirurgia de catarata. A PIO reduziu de 22,6 ± 6,2 mmHg para 14,8 ± 2,2 mmHg após 12 meses de acompanhamento, uma redução de 34,5%.13 O segundo estudo avaliou 44 olhos submetidos a cirurgia de implante de iStent isoladamente. Foi reportada uma redução de PIO de 25,3 ± 6,0 mmHg para 15,2 ± 3,1 mmHg após 12 meses, uma redução de 39,9%.20 Aos 36 meses de acompanhamento a redução da PIO era similar em ambos os grupos.20
O presente estudo avaliou implante de stent de forma isolada ou em combinação com cirurgia de facoemulsificação. Ambos os grupos apresentaram redução similar da PIO, sugerindo que a extração da catarata não realçou os efeitos hipotensivos decorrentes do implante isolado. Em outras palavras, o dispositivo iStent inject – e não a cirurgia de catarata – parecem ser o responsável pela redução da PIO. Além disso, a PIO reduziu em mais de 4,1mmHg (redução de 24,7%), maior que os <2mmHg de redução em média observado após cirurgia de catarata isolada.25-28 Ademais Shrivastava e Singh demonstraram que o ângulo da câmara anterior tem grande influência nos efeitos hipotensores da retirada da catarata, com ângulos mais estreitos tendo maiores reduções pós-operatórias.28 Já que o presente estudo apenas incluiu olhos com ângulo aberto, a extração da catarata seria esperada por ser de pequeno efeito na redução da PIO, portanto sendo a redução atribuída ao implante do iStent.
 
Nesse estudo, olhos com maiores valores de PIO vivenciaram maiores reduções, confirmando os achados de diversos estudos anteriores em olhos glaucomatosos e não glaucomatosos.26 Um efeito similar também foi encontrado em cirurgias de catarata com concomitante implante de stent como descrito por Brown et al. Foi descrito uma redução média de PIO de 7,5mmHg apenas em olhos com mais de 21mmHg no pré-operatório. Em olhos menos afetados (menos de 15 mmHg), a redução foi mínima.24 Esses achados sugerem que pacientes com menores valores de PIO pré-operatória obtêm benefício do procedimento na forma de redução no uso de medicações, em lugar de redução na PIO.
Aplicando a Lei de Ohm para os fluidos, podemos concluir que o fluxo é diretamente proporcional a diferença entre a PIO e a pressão episcleral dividida pela resistência aos canais venosos aquosos do canal de Schlemm. Quanto mais alta a PIO e menor a pressão episcleral e resistência ao efluxo, mais humor aquoso vai fluir através do stent. Seguindo esse princípio, quando as duas pressões são iguais, não haverá fluxo. Portanto a PIO não pode ser menor que a pressão venosa episcleral (8-10 mmHg) em condições fisiológicas. Com um dispositivo de bypass trabecular, que age sobre um sistema de drenagem trabecular fisiológico, é improvável que ocorra hipotonia ocular como complicação pós-operatória.13-24
O mecanismo supracitado explica o influxo ocasional de sangue para dentro do stent logo após o implante. Ao ponto que o cirurgião aspira o viscoelástico, a pressão na câmara anterior brevemente cai para valores inferiores ao da pressão episcleral, revertendo, dessa forma, o sentido do fluxo através do stent e causando com que uma pequena quantidade de sangue flua reversamente do sistema episcleral, causando um pequeno hifema ou microhifema. Ao contrário de ser preocupante, esse efeito confirma o posicionamento correto do stent. 
McEwen et al em uma análise matemática aplicando a Lei de Poiseuille ao efluxo de humor aquoso concluiu que um único orifício de 12 ¼m no trabeculado seria suficiente para superar sua resistência por completo.33 O iStent inject tem um lúmen de 80 ¼m e seus orifícios laterais tem 50 ¼m, tornando-o mais do que o suficiente para reestabelecer o efluxo total.
Aos 6 meses, o fardo de medicações nesse estudo diminuiu em quase duas medicações, uma redução de 72%. Dados semelhantes a outros estudos, tanto em conjunto com cirurgia de catarata ou isoladamente. Por exemplo, Neuhann reportou uma redução de 85% no fardo de medicações aos 12 meses de acompanhamento de 164 olhos que foram implantados com iStent inject em conjunto com cirurgia de catarata.23 Guedes et al encontrou uma redução de 77,8% no número de medicações em uso em 73 olhos que foram submetidos a cirurgia de catarata combinada com implante de iStent ou iStent inject.32 Outros estudos encontraram reduções no uso de medicações similares.13,16,18 Redução no número de medicações em uso diminui a necessidade de adesão ao tratamento por parte dos pacientes18, e cumpre um papel na prevenção da toxicidade induzida por conservantes31,34-37.
Quaranta et al, em uma revisão da literatura publicada em 2016, demonstrou que a complexidade do regime terapêutico de colírios poderia reduzir a satisfação dos pacientes com o próprio tratamento e essa satisfação é um fator essencial em sua adesão ao tratamento.38 Isso foi confirmado por Claxton et al em um estudo de 2001, na qual a adesão foi implicada em relação inversa com o número de doses por dia.39
No presente estudo as estimativas de Kaplan Meier mostram o sucesso de mais de dois terços (67,4%) dos pacientes ao fim dos 6 meses de acompanhamento. Resultado compatível com os achados de Gonnermann et al que concluiu um estudo com 25 pacientes submetidos a cirurgia de catarata com adição de implante de iStent inject. Foi demonstrada uma proporção de sobrevivência de aproximadamente 75% usando um critério de sucesso de pressão intraocular menor que 21 mmHg e redução maior que 20% da linha base sem necessidade de cirurgias secundárias (medicação tópica permitida) aos 6 meses.40 Arriola-Villalobos et al, usando PIO d”18 mmHg como critério de sucesso sem medicação, encontrou proporção de sobrevivência de 50% aos 6 meses de acompanhamento e aproximadamente 70% com uso de medicações.19
O perfil de segurança foi favorável, com eventos sendo em maior parte sendo transitórios e não resultando em sequelas. Nenhum indivíduo sofreu com endoftalmite, hipotonia, obstrução do stent ou complicações ameaçadoras a visão. Esses achados estão de acordo com outros estudos que demonstraram excelente perfil de segurança do iStent e iStent inject em ambas as cirurgias combinadas e isoladas.12-23
Como estudo retrospectivo, o presente trabalho não contou com o poder da randomização. Falta-lhe randomização, poder de cálculo e efeito de rede de tamanho para avaliações estatísticas formais. Os pacientes eram portadores de glaucoma leve a moderado, o que limita a especulação acerca do papel dos stents em glaucomas mais severos. Alguns especialistas em glaucoma podem considerar o acompanhamento de 6 meses como sendo um tempo curto para definir o real efeito terapêutico para controle da doença.
Apesar dessas limitações, o presente estudo tem muitas virtudes. O procedimento cirúrgico foi padronizado nos três centros, dado que os três cirurgiões seguiram estritamente as diretrizes da Sociedade Brasileira de Glaucoma e obtiveram resultados comparáveis. O envolvimento desses três cirurgiões em diferentes centros realça a generabilidade dos achados. A população do Brasil é altamente heterogênea, aumentando ainda mais o poder de generabilidade. Os prontuários dos pacientes continham abundantes informações clínicas com pouquíssimas lacunas. Acreditamos que o estudo traz à luz informações valiosas aos especialistas envolvidos no tratamento cirúrgico do glaucoma.
CONCLUSÃO
Stents trabeculares ainda são relativamente novas tecnologias, entretanto o iStent e o iStent inject já acumulam robustas evidências mostrando resultados promissores. Mais estudos, particularmente cohorts de longo prazo e metanálises, são necessários para avaliar o impacto da redução da PIO em olhos glaucomatosos e segurança de longo prazo. IStent e iStent inject representam uma nova e segura alternativa ao tratamento do glaucoma. Em conjunto com intervenções mais conservadoras como trabeculoplastia a laser e medicações, os stents de mycro-bypass trabecular têm o potencial de postergar ou prevenir uma mais invasiva cirurgia filtrante no futuro. E, dado que são de tamanho quase microscópico e dispositivos que preservam a conjuntiva e são pouco lesivos aos tecidos, não atrapalhariam cirurgias futuras caso fossem necessárias. Estudos recentes trazem à luz a efetividade real e segurança dos stents trabeculares, entretanto poucos cobrem populações tão miscigenadas como a brasileira com tantas origens étnicas diversas.
Em conclusão, nossos dados mostram que o iStent inject oferece uma maneira segura e menos invasiva de redução da PIO, diminuindo a necessidade de colírios e seus custos em um período de 6 meses. A redução substancial de medicações oculares para glaucoma melhora a qualidade de vida dos pacientes e diminui problemas com adesão ao tratamento, cruciais em países em desenvolvimento. Uma nova fronteira na terapia do glaucoma está à frente, trazendo-nos mais perto de nosso objetivo último: fazer da cegueira por glaucoma uma coisa do passado.
CONFLITOS DE INTERESSES
Os autores receberam financiamento da Glaukos Corporation para cobrir o Open Access Article Publishing Charge (APC) do manuscrito. Alberto Basile Neto relata bolsa de residência médica da Clínica Oftalmológica do Complexo Hospitalar Padre Bento de Guarulhos, fora do artigo submetido. Os autores não reportam qualquer outro potencial conflito de interesse neste trabalho.
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Fonte: Originalmente publicado no Dove Press Journal, Clinical Ophthalmology, 2020.

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