Tempo de leitura: 5 minutos
Marcos Ávila
Professor Titular em Oftalmologia
da Universidade Federal de Goiás
 
 
 
Mauro Nishi 
Doutor pela Universidade de Tóquio 
 
 
Imagine uma mulher de ascendência oriental de 35 anos de idade, com a doença de Vogt-Koyanagi-Harada, em uso de medicação biológica anti-inflamatória, que desenvolveu catarata que compromete sua visão de maneira significativa. Quais resultados de uma cirurgia de catarata poderiam ser antecipados? Tradicionalmente, a maioria dos oftalmologistas consultaria um colega especialista na área, ou procuraria um artigo mais recente sobre o assunto. Provavelmente receberíamos o benefício da experiência anedotal de um colega que milita na especialidade ou encontraríamos uma pequena série de casos publicados já há alguns anos.
A inteligência artificial (IA), que integra a quarta revolução industrial que atualmente vivenciamos, certamente mudará a maneira do trabalho médico, empregando análises preditivas e ferramentas de apoio à decisão no nosso dia a dia assistencial. Em futuro bem próximo, estaremos conectados em grandes registros de dados clínicos (big data), que em questão de alguns segundos poderão dizer que “as últimas 500 mulheres orientais, com menos de 40 anos, fazendo uso de produtos biológicos e que foram submetidas a cirurgia de catarata, obtiveram uma taxa específica de acuidade visual melhor ou igual a 20/40 em seis meses de pós-operatório .
O mundo atual que se caracteriza pela abundância de informação, nos impõe a dificuldade de reconhecer aquele conhecimento que seria relevante para os nossos casos específicos do consultório. Daqui para frente, ferramentas “inteligentes nos trarão uma ajuda “artificial” para a melhor tomada de decisões médicas.
O Registro IRIS (Intelligent Research in Sight), da Academia Americana de Oftalmologia, é o primeiro banco de dados completo de resultados clínicos oftalmológicos, relacionados com prontuários eletrônicos de membros participantes. Atualmente o Registro IRIS inclui dados do mundo real de 41,2 milhões de pacientes. Uma nova modalidade de evidência científica está sendo produzida baseada no mundo real (real world evidence). Como estes registros clínicos dependem de médicos também do “mundo real , os dados serão menos “limpos do que os obtidos de um estudo clínico prospectivo controlado.
Assim, uma evolução nos prontuários eletrônicos também deve acontecer a fim de que este “big data seja “minerado de maneira mais efetiva. Atualmente, nosso grupo está envolvido na construção de sistema de apoio à decisão baseado no input de dados em formato mais estruturado e que se adapte a outros prontuários eletrônicos existentes no mercado (machine to machine).
Este sistema baseado em informações colhidas no pré-atendimento (anamnese e exames pré-consultas), além dos achados na consulta oftalmológica, vai gerar sugestões de conduta, com base na melhor evidência científica disponível, além de sugerir exames subsidiários, tratamentos e até o período de retorno para controle. Este sistema em desenvolvimento utilizará a inteligência artificial na construção de árvores de decisão e ainda empregará na sua interface com o usuário processamento de linguagem natural.
O input de dados para o processamento destes sistemas de inteligência artificial incluirá diversos formatos de informação, como as imagens que são muito abundantes na oftalmologia. Trabalho recente do grupo de pesquisa liderado por Kang Zhang (Guangzhou Medical University e University of California San Diego) criou um sistema de deep learning que reconhece imagens de tomografia de coerência óptica, e tem desempenho comparável ao de especialistas humanos na classificação de degeneração macular relacionada à idade e edema macular diabético.1 Outro trabalho recente, de Poplin e colaboradores,2 extraiu novos conhecimentos da retinografia colorida. Usando modelos de deep learning treinados com dados de 284.335 pacientes e validados em dois conjuntos de dados independentes de 12.026 e 999 pacientes, foi possível prever fatores de risco cardiovasculares que não se pensava estarem presentes ou quantificáveis em imagens retinianas, como idade (erro absoluto médio dentro de 3,26 anos), gênero, status de tabagismo, pressão arterial sistólica (erro absoluto médio dentro de 11,23 mmHg) e eventos cardíacos adversos maiores.
A Dra. Katia D. Pacheco, membro de nosso grupo no Centro Brasileiro da Visão, está envolvida em pesquisa que utiliza sistema de machine learning (ou deep learning) com redes neurais convolucionais, que aprende e realiza suas tarefas através da repetição e autocorreção. Seu sistema analisa e classifica degeneração macular relacionada à idade também baseada em retinografias coloridas do polo posterior.
Publicação recente demonstrou que o desempenho do sistema inteligente foi de alto nível, semelhante aos resultados de um especialista em retina.3 Como a captura da informação utiliza sistema de análise automática de imagem retiniana, o futuro próximo se desdobrará em um excepcional instrumento de triagem, inclusive utilizável por telemedicina.
O apoio à decisão clínica disponível por meio de consultores on-line, como oferecido no Estado de Goiás pelo Núcleo de Telemedicina e Telessaúde (NUTT) do Departamento de Oftalmologia da Universidade Federal de Goiás, favorece a prática em lugares remotos, onde a disponibilidade de recursos e a possibilidade de discutir o caso in loco são escassas ou inexistentes. A disponibilização contínua de sistemas computadorizados de apoio à decisão clínica seria outra alternativa a ser postulada com grande impacto social e à saúde ocular comunitária.
Na oftalmologia já temos dispositivos vestíveis, como lente de contato que monitora a pressão ocular. Este e outros wearable devices poderão gerar ações automatizadas baseadas em inteligência artificial, provocando, por exemplo, variação na dose ou frequência de medicamentos, trazendo melhor controle às doenças oculares.
Todas estas plataformas de inteligência artificial em Oftalmologia que usam sistema computadorizado para analisar um grande volume de dados reconhecem padrões seguindo algoritmos definidos por especialistas, de uma maneira extremamente ágil. Como qualquer inovação tecnológica, estas tecnologias trarão maior eficácia e produtividade, colaborando na sugestão de hipóteses diagnósticas, além da probabilidade de suas ocorrências. Trata-se de informação valiosa que favorece o “know what dos casos assistenciais. Mas ainda caberá ao médico discutir o caso agregado, buscando o “know why . O médico na sua interação com o paciente busca, além das informações somáticas, outros elementos importantes para a completude de sua saúde, tanto questões psicológicas quanto sociais. Além disso, cabe ao médico discutir com o paciente seu problema de saúde pessoal e conjuntamente construir as possíveis soluções, valendo-se justamente do “know why . Desta forma, o médico é o mais importante agente terapêutico através da orientação e da relação humana médico-paciente que se constrói, levando alívio das angústias e necessidades do paciente, nunca sendo substituído por uma máquina, mesmo que inteligente.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Kermany DS, Goldbaum M, Cai W, Valentim CCS, Liang H, Baxter SL et al. Identifying medical diagnoses and treatable diseases by image-based deep learning. Cell 2018;172:1-10.
2. Poplin R, Varadarajan AV, Blumer K, Liu Y, Michael V. McConnell MV et al. Prediction of cardiovascular risk factors from retinal fundus photographs via deep learning. Nature Biomedical Engineering 2018;2:158-64.
3. Burlina P, Pachecho KD, Joshi N, David E, Freund DE, Bressler NM. Comparing humans and deep learning performance for grading AMD: A study in using universal deep features and transfer learning for automated AMD analysis. Comput Biol Med 2017;82:80-6.

Fonte: Universo Visual

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