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Letícia SantAnna – Departamento de Oftalmologia da Universidade Federal de São Paulo
Reconhecer a topografia de uma lesão de vias ópticas através da história clínica, propedêutica e dos exames auxiliares faz parte do cotidiano de uma consulta neuro-oftalmológica e é comum o encaminhamento de colegas não especialistas para investigação de lesões de vias ópticas por alterações de campo visual ou tomografia de coerência óptica (OCT) suspeitas que não se encaixam nos padrões de lesões glaucomatosas ou retinianas clássicas. 
Entretanto, é importante para o oftalmologista geral saber reconhecer e identificar a topografia de uma lesão em vias ópticas? A resposta é sim, visto que a identificação correta desses tipos de lesões permite diagnóstico precoce de alterações neurológicas potencialmente graves e encaminhamento para o especialista mais precocemente possível, evitando confusões de diagnóstico (glaucoma é um dos principais) e tratamento. 
Como ferramenta básica para reconhecer qualquer lesão de via óptica, o uso de três elementos básicos é essencial: o exame de reflexos pupilares; a análise do nervo óptico e da camada de fibras nervosas (além do exame clínico, a retinografia e a tomografia de coerência óptica- OCT- têm um papel auxiliar importante) e a campimetria. Com essas três ferramentas, o oftalmologista pode raciocinar e estabelecer a provável topografia da lesão de vias ópticas, antes mesmo da análise de imagens, como tomografia computadorizada ou ressonância magnética. 
Reflexos pupilares 
As células ganglionares fotossensíveis retinianas são o início da via pupilar aferente. Após passar pelo trato óptico, esta via conecta-se ao núcleo pré-tectal do mesencéfalo superior, contornando o núcleo geniculado lateral, no colículo superior, constituindo a via do reflexo aferente.¹
A partir do núcleo pré-tectal, os axônios se conectam aos neurônios do núcleo de Edinger-Westphal bilateralmente, direcionando para os nervos oculomotores, constituindo a via eferente. 
Considerando que a via do reflexo pupilar aferente não alcança o corpo geniculado lateral, é importante ressaltar que lesões posteriores ao trato óptico não alterarão o reflexo pupilar. Portanto, diante de um paciente com suspeita de AVC ou qualquer outra lesão afetando o corpo geniculado lateral ou até mesmo as radiações ópticas ou lobo occipital, os reflexos pupilares serão presentes e normais. 
Análise do nervo óptico/camada de fibras nervosas 
Para entender o padrão de perda de fibras nervosas nas diferentes lesões das vias ópticas, é importante lembrar que as fibras verticais que chegam ao disco óptico em suas porções superior e inferior são arqueadas. Já as fibras horizontais que atravessam o feixe papilomacular não têm o padrão arqueado como as demais e são responsáveis pelas porções temporal e nasal do disco óptico. 
Outro ponto importante de ressaltar é que as fibras horizontais não arqueadas que chegam ao disco óptico são as fibras nasais que se cruzaram no quiasma óptico, realizando a inervação das porções temporal e nasal do disco, como dito acima. Portanto, as fibras arqueadas verticais que chegam às porções superior e inferior do disco são as fibras temporais, que não decussaram no quiasma como as anteriores. 
Uma lesão de trato óptico, por exemplo, atingirá fibras nasais que chegam à região do feixe papilomacular e porções temporal e nasal do olho contralateral à lesão, causando palidez em faixa, enquanto no lado ipsilateral à lesão afetará as fibras verticais arqueadas temporais, o que pode ser visualizado na fundoscopia e com mais detalhes no OCT de camada de fibras nervosas. 
É também fundamental lembrar que a sinapse do nervo óptico é feita no corpo geniculado lateral. Portanto, lesões posteriores a ele não afetariam a aparência do nervo óptico no exame de fundoscopia e, consequentemente, também não alterariam o OCT. 
Campo visual 
Para compreender melhor os defeitos de campo visual, além de lembrar que são invertidos em relação ao lado retiniano afetado, é importante ressaltar que devemos pensar nos defeitos de campo traçando uma linha vertical em referência à fóvea e não ao nervo óptico. 
Por exemplo, em uma hemianopsia heterônima bitemporal, o defeito ocorre em ambos os campos temporais respeitando à linha média vertical porque houve perda de ambas fibras nasais que cruzam o quiasma, afetando as duas hemirretinas nasais concomitantemente. 
Lesões quiasmáticas
Lesões que afetam a porção anterior do quiasma (ou seja, a porção distal do nervo óptico na junção ao ângulo anterior do quiasma), podem gerar um padrão típico que é o escotoma juncional, composto por um escotoma central unilateral e no olho contralateral uma perda campimétrica temporal superior, justificada pela existência do “joelho de Wilbrand”, que são fibras nasais inferiores que dão volta anteriormente a cerca de 1 a 2 mm do nervo óptico contralateral.² 
Lesões que afetam o corpo do quiasma óptico produzem um defeito clássico de hemianopsia heterônima bitemporal, que já foi explicado acima. Quando a lesão faz a compressão do quiasma de baixo para cima, como no adenoma de hipófise, o padrão de perda de campo se inicia nos quadrantes superiores temporais. Em lesões que se iniciam acima do quiasma como craniofaringioma, alguns meningiomas ou aneurismas, a perda campimétrica ocorre inicialmente nos quadrantes inferiores tempo-rais. ² 
No OCT, podem apresentar-se com atrofia horizontal em faixa bilateral.
Algumas lesões em regiões posteriores do quiasma quando atingem trato óptico, podem produzir padrão de hemianopsia homônima contralateral ao lado afetado. 
Trato óptico 
As lesões de trato óptico são mais comumente homônimas e incongruentes, atingindo de um lado as fibras temporais e do outro as fibras nasais que cruzam. O padrão mais comum é a perda incongruente, porém em lesões que atingem o trato óptico inteiro podemos ter hemianopsia homônima completa contralateral à lesão de trato, já que atingiria a hemirretina nasal à fóvea de um lado e a temporal de outro.  
O OCT mostrando perda superior e inferior (região das fibras arqueadas temporais) no lado ipsilateral à lesão e perda em faixa (padrão bowtie) nasal e temporal no lado contralateral à lesão causada pela afecção das fibras nasais cruzadas.
Quanto aos reflexos pupilares, há presença de defeito pupilar aferente relativo no lado contralateral à lesão, ou seja, onde foram afetadas as fibras nasais cruzadas, em que ocorre a palidez em faixa. Outra alteração semiológica descrita é a pupila hemianópica de Wernicke, em que haveria diminuição da contração pupilar quando a luz estivesse focada em direção à metade da retina afetada. 
Corpo geniculado lateral
As lesões de corpo geniculado lateral são raras, geralmente isquêmicas, podendo ter outras etiologias. Podem ser semelhantes às do trato óptico, incongruentes, algumas vezes congruentes. Dois padrões típicos podem ser encontrados, chamados de sectoranopia, com um padrão para lesões de artéria coroidal anterior e outro para artéria coroidal lateral. 
Lesões de corpo geniculado lateral alteram OCT e campimetria, mas os reflexos pupilares são normais. 
Radiações ópticas
As lesões de radiações ópticas refletem a anatomia da alça de Meyer, sendo que a porção de radiações ópticas que atravessam anteriormente o lobo temporal são responsáveis pelos campos visuais superiores, produzindo um defeito homônimo nestes quadrantes – um defeito homônimo incongruente clássico é o chamado “pie in the sky”.
Já as radiações ópticas que atravessam o lobo parietal superior são responsáveis pelo campo visual inferior. Suas lesões produzem defeitos homônimos, mais congruentes que os temporais, formando quadrantopsias homônimas inferiores. Nesta região denominamos o defeito como “pie in the floor”.  Nas radiações ópticas, os reflexos pupilares são normais e não haverá lesões na fundoscopia e consequentemente no OCT, ao menos em lesões recentes.
Lobo occipital
Quanto mais posterior a lesão, mais congruente será o campo visual, portanto, o lobo occipital é responsável mais comumente por hemianopsia homônima completa do lado contralateral à lesão. A mácula tem dupla irrigação, tanto pela artéria a. cerebral posterior, quanto pela a. cerebral média, o que previne que a região macular seja afetada facilmente em caso de isquemia de uma de suas artérias. Portanto, em lesões lobo occipital é comum perda campimétrica com padrão de hemianopsia completa homônima poupando área central. 
Estas lesões afetam exclusivamente o campo visual, com fundoscopia/ OCT e reflexos pupilares dentro da normalidade ao menos em lesões recentes, assim como as radiações ópticas. 
Referências Bibliográficas
1- Purves, Dale, George J. Augustine, David Fitzpatrick, William C. Hall, Anthony-Samuel LaMantia, Ja-mes O. McNamara, and Leonard E. White (2008). Neuroscience. 4th ed. [S.l.]: Sinauer Associates. pp. 290 1.
2- Walsh FB, Hoyt WF, Miller NR, editors. Walsh and Hoyts – Clinical neuro-ophthalmology. 6th ed. Bal-timore: Williams & Wilkins; 1982.

Fonte: Universo Visual

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