Felício A. da Silva – Diretor Clínico e Chefe do Departamento de Glaucoma do Centro de Oftalmologia Avançada (COA)
Introdução
O glaucoma é uma neuropatia óptica crônica progressiva decorrente da perda de células ganglionares retinianas em uma velocidade maior do que a perda fisiológica, com alterações características no disco óptico e no campo visual. O único tratamento disponível até o momento para tentar evitar sua instalação, desacelerar ou sustar sua progressão, é a redução da pressão intraocular, ainda que ela se encontre na faixa da normalidade, como nos casos de glaucoma de pressão normal. O tratamento clínico com hipotensores oculares ainda é a principal opção para buscar este objetivo.
Todos os hipotensores oculares disponíveis agiam nos mecanismos convencionais de produção ou escoamento do humor aquoso, até a introdução dos análogos das prostaglandinas, em 1996, que agem aumentando o fluxo uveoescleral, não convencional. Desde então, elas passaram a ser as drogas preferenciais, por sua eficácia, boa tolerância, facilidade de uso e pelo seu sinergismo com os outros hipotensores oculares até então disponíveis.
Contudo, nenhuma destas drogas tem como alvo restaurar a permeabilidade do trabeculado por uma ação direta, local da resistência aumentada ao escoamento do humor aquoso no glaucoma primário de ângulo aberto. O citoesqueleto trabecular tem um papel fundamental na homeostase da PIO, estrutural e funcionalmente, pois é um tecido dinâmico sensível às suas variações cuja complexidade está sendo cada vez melhor compreendida.
Como resultado disto, drogas capazes de agir nas várias vias metabólicas envolvidas nestes mecanismos, tendo como efeito uma redução da PIO, estão sendo pesquisadas, desde que há quase 20 anos foi observado que os inibidores da Rho-quinase tinham um grande potencial como redutores da PIO por uma ação direta no trabeculado, aumento a facilidade de escoamento do humor aquoso.
Inibidores da Rho-quinase
As proteínas da família Rho tornam-se ativas quando ligadas ao trifosfato de guanosina (GTP) e inativas quando ligadas ao difosfato de guanosina (DTP). As enzimas Rho-quinases ROCK 1 e ROCK 2 são as moléculas efetoras da Rho e, sendo ativadas quando ela se liga ao GTP, induzem contratilidade dos trabeculócitos, aumento das adesões intercelulares e alterações na matriz extracelular, resultando em uma maior resistência ao escoamento do humor aquoso. Portanto, a inibição das Rho-quinases leva a um relaxamento das células trabeculares e maior facilidade ao escoamento do humor aquoso, diminuindo a PIO.
Estes efeitos dos inibidores da ROCK nas vias convencionais de escoamento do humor aquoso já foram documentados in vivo em animais de experimentação com o uso de um protótipo especial de tomógrafo de coerência óptica de alta resolução, tendo sido confirmados: 1) aumento da secção transversal do canal de Schlemm; 2) aumento da área do trabeculado; 3) ampliação do ângulo da câmara anterior; 4) aumento de fluxo nos vasos esclerais regionais, e, também, histologicamente.
A inibição da Rho-quinase parece poder, também, aumentar o fluxo sanguíneo ocular (FSO) pelo relaxamento da musculatura lisa dos vasos e aumentar a sobrevida das células ganglionares da retina (efeito neuroprotetor?), inibindo a excitotoxicidade relacionada ao glutamato. Os inibidores da ROCK parecem ser, ainda, capazes de reduzir a cicatrização pós-operatória, principal causa de falência da trabeculectomia, ou outras cirurgias fistulantes externas (Figura 1). Tais efeitos potenciais dos inibidores da ROCK, bastante promissores ao longo de todo o espectro de tratamento do glaucoma, não foram, ainda, estudados em um cenário clínico.
Os inibidores da Rho-quinase seriam, então, capazes de provocar uma verdadeira regeneração ou um rejuvenescimento do trabeculado falido! Por possuírem um mecanismo de ação único e inédito, estas drogas são, pelo menos potencialmente, sinérgicas com os hipotensores oculares disponíveis no que tange à redução da PIO. Contudo, este tema precisa ser melhor estudado, porque há relatos de que o tratamento prévio com o inibidor da ROCK Y-27632 pode diminuir a penetração corneana do maleato de timolol e aumentar a penetração da brinzolamida. O esclarecimento desta questão é fundamental para o sequenciamento e o intervalo de uso de múltiplos hipotensores oculares.
Ademais, os inibidores da Rho-quinase não têm os inconvenientes dos análogos das prostaglandinas, dos betabloqueadores, dos inibidores tópicos da anidrase carbônica e nem dos alfa-agonistas, o que amplia o seu espectro de uso, particularmente em portadores de certas doenças cardiorrespiratórias.
Os inibidores da ROCK também podem ser úteis no tratamento do glaucoma cortisônico, porque a estimulação dos trabeculócitos pela dexametasona ativa a RhoA, resultando, subsequentemente, na produção de colágeno do tipo I, que se deposita na matriz extracelular das trabéculas, aumentando a resistência ao escoamento do humor aquoso. Já foi demonstrado que estes efeitos são suprimidos, pelo menos em parte, pelo Y-27632, um inibidor da ROCK.
Outro aspecto interessante é a relação entre as estatinas redutoras do colesterol e o glaucoma. Há relatos de que uso das mesmas a longo prazo pode diminuir o risco de desenvolvimento de GPAA. Algumas destas drogas podem despolimerizar a actina do citoesqueleto trabecular, facilitando o escoamento do humor aquoso.
Ripasudil 0,4% (K-115; GlanatecÒð; Kowa Company, Ltd., Japan)
Foi o primeiro inibidor da ROCK aprovado para tratamento da hipertensão ocular (HO) e do glaucoma, no Japão, em 26/09/14, cuja ação é na via convencional de drenagem do humor aquoso, facilitando o seu escoamento. O colírio é a 0,4% para ser instilado 2 vezes/dia.
Após 52 semanas de uso, foi observada uma redução da PIO no vale e no pico de 2,6 e 3,7 mmHg para a monoterapia, 1,4 e 2,4 mmHg para a adição com prostaglandinas, 2,2 e 3,0 mmHg para adição com betabloqueadores e 1,7 e 1,7 mmHg para adição com suas combinações fixas. Mesmo em pacientes não tratados, com PIO abaixo de 21 mmHg, o efeito do ripasudil foi significativo, em monoterapia. Os efeitos colaterais mais frequentes foram hiperemia conjuntival (74,6%), blefarite (20,6%) e conjuntivite alérgica (17,2%), sendo que 14,41% dos pacientes foram descontinuados do estudo por blefarite e/ou conjuntivite. Na maioria das vezes, a hiperemia foi leve, transitória e regrediu espontaneamente ou com a suspensão do medicamento.
O ripasudil pode induzir a formação transitória de guttae no endotélio humano (pseudoguttata), sem consequências adversas severas, sobre o que, contudo, o médico deve estar alerta para não confundir isto com uma verdadeira distrofia endotelial de Fuchs.
Netarsudil 0,02% (AR-13324; Rhopressa; Aerie Pharmaceuticals, USA)
Foi o primeiro inibidor da ROCK aprovado nos Estados Unidos, em 19/12/17, na concentração de 0,02%, para ser instilado uma vez ao dia (Figura 2).
Além do efeito clássico, aumentando a facilidade de escoamento por ação direta no trabeculado, este novo inibidor da ROCK também reduz a produção do humor aquoso, inibindo o transporte da norepinefrina, e parece diminuir a pressão venosa episcleral (PVE), o que potencializa o seu efeito hipotensor ocular, configurando um mecanismo de ação tríplice na PIO. Cerca de 3 horas após sua administração em coelhos, a PIO diminuiu 39% e a PVE em 35%. Estudos de perfusão em olhos humanos enucleados mostraram que o netarsudil expande a malha trabecular e dilata as veias episclerais, aumentando a facilidade de escoamento em até 60% durante 3 horas.
Este efeito redutor na PVE, único até o momento para um hipotensor ocular, pode ser útil no tratamento do glaucoma de pressão normal, porque ela é um fator determinante da PIO, segundo a equação de Goldmann. Pelo menos farmacologicamente, é impossível conseguir níveis pressóricos abaixo da PVE, sob pena de haver uma inversão do fluxo nas vias de drenagem do humor aquoso, a não ser que ela seja reduzida.
Em vários ensaios clínicos comparativos com o timolol 0,5%, a redução média da PIO diurna com o netarsudil variou de 3,3 a 5,0 mmHg e com o timolol, de 3,7 a 5,1 mmHg, para uma PIO inicial sem tratamento menor que 25 mmHg (Rocket 1 e Rocket 2), ou de 20,7 a 22,4 mmHg (Rocket 4), contudo hiperemia conjuntival foi muito mais frequente (Tabela 1).
Um estudo em pacientes com hipertensão ocular ou glaucoma, no 28º dia de tratamento, em monoterapia com o netarsudil a 0,01% e a 0,02% e a latanoprosta a 0,005%, para uma PIO basal de 25,8 mmHg, 25,6 mmHg e 25,5 mmHg, mostrou uma redução da PIO de 5,7 mmHg (22,09%), 5,6 mmHg (21,88%) e 6,8 mmHg (26,67%), respectivamente. Portanto, o netarsudil foi cerca de 1 mmHg menos eficaz na redução da PIO média diurna do que a latanoprosta. Hiperemia conjuntival foi inicialmente observada em 52%, 57% e 16% dos casos, diminuindo até o 28º dia para 18%, 24% e 11%. Lacrimejamento foi observado em 5%, 7% e 0% e hemorragia subconjuntival em 5%, 6% e 0% dos casos, respectivamente.
Netarsudil 0,02% + latanoprosta 0,005% (PG324; RoclatanÒð; Aerie Pharmaceuticals, USA)
Uma combinação fixa (CF) de netarsudil 0,02% + latanoprosta 0,005% (PG324; RoclatanÒð) foi estatisticamente mais eficaz do que ambas as drogas em monoterapia. Em pacientes com hipertensão ocular e glaucoma, no 28º dia, houve uma redução da PIO diurna média de 6,2 a 9,1 mmHg, para as drogas em monoterapia ou em combinação fixa, com uma diferença média a favor da CF de 1,6 a 3,2 mmHg em relação à latanoprosta e 1,7 a 3,4 mmHg em relação ao netarsudil. Interessante é que a redução da PIO pela latanoprosta foi maior em olhos com PIO basal mais elevada, enquanto que o netarsudil manteve o mesmo efeito hipotensor independentemente da PIO basal. Hiperemia conjuntival leve foi observada em 40 a 41% com a combinação fixa, similar ao netarsudil em monoterapia, e 13,7% com a latanoprosta; hemorragia subconjuntival leve a moderada, em 1,4 a 6,8% com o netarsudil e a combinação fixa e nenhum caso com a latanoprosta. A instilação deve ser apenas uma vez ao deitar.
Ensaios clínicos em fase III (Mercury 1 e Mercury 2) mostraram que o RoclatanÒð alcançou com sucesso seus resultados de segurança e eficácia após 1 ano de uso e foi estatisticamente superior, baixando a PIO 1 a 3 mmHg a mais do que os seus componentes em monoterapia (latanoprosta 0,005% e netarsudil 0,02%). O efeito adverso mais frequente foi hiperemia conjuntival (53,4%). A previsão é de que o colírio seja aprovado pelo FDA no início de 2019.
Doadores de óxido nítrico
Em 1992, o óxido nítrico foi reconhecido pela Science como a molécula do ano e os Drs. Robert F. Furchgott, Louis J. Ignarro e Ferid Murad receberam o Prêmio Nobel em Fisiologia ou Medicina em 1998 pelos seus estudos pioneiros relacionados com o óxido nítrico como uma importante molécula sinalizadora no sistema cardiovascular.
Em olhos normais, o canal de Schlemm produz óxido nítrico em resposta a uma elevação da PIO, para relaxar a malha trabecular e facilitar o escoamento do humor aquoso. O óxido nítrico ativa a PKG, a qual, por sua vez, diminui os níveis do cálcio intracelular e inibe a via da Rho-quinase, resultando em um relaxamento da musculatura lisa. Em olhos com GPAA, há uma diminuição de marcadores do óxido nítrico no humor aquoso, sugerindo que uma deficiência de óxido nítrico nestes olhos pode levar a uma contração da malha trabecular, aumentando a PIO. Medicamentos que induzem a produção de óxido nítrico relaxam o trabeculado, facilitando o escoamento do humor aquoso.
Estudos têm mostrado que, mesmo isoladamente, o óxido nítrico diminui a PIO em glaucoma experimental em animais, facilitando o escoamento convencional do humor aquoso por ação direta no trabeculado e no canal de Schlemm.
Latanoprostene-Bunod 0,024% (VyzultaÒð; Bausch & Lomb,USA)
Aprovado pelo FDA em 02/11/17 para tratamento da hipertensão ocular (HO) e do GAA, instilado 1x à noite, é a combinação da latanoprosta com uma molécula doadora de óxido nítrico (Figura 3).
Aplicado topicamente no olho, o medicamento é hidrolisado por esterases em ácido latanoprostico e mononitrato de butanediol e este, por sua vez, metabolizado em butanediol 1,4 e óxido nítrico.
O ácido latanoprostico, que é o princípio ativo da latanoprosta, aumenta o escoamento uveoescleral e o óxido nítrico induz um relaxamento do citoesqueleto dos trabeculócitos e do canal de Schlemm, aumentando o escoamento convencional, configurando, destarte, uma dupla ação na redução da PIO.
A concentração de 0,024% foi a menor que propiciou a maior redução da PIO, razão da sua escolha para a apresentação comercial. Comparado com a latanoprosta, em pacientes com hipertensão ocular e GPAA, durante 28 dias, o latanoprostene-bunod (LBN) mostrou uma redução de 34% (9,0 mmHg) na PIO diurna média e a latanoprosta 30% (7,7 mmHg), o que correspondeu a uma diferença de 1,0 a 1,5 mmHg.
Em comparação com o timolol 0,5% de 12/12h, em pacientes com hipertensão ocular e GPAA, o LBN, instilado 1 vez à noite, foi sempre superior, com uma redução média da PIO diurna ao fim de 3 meses de 32% vs 27%, um número significativamente maior de olhos com PIO £ð 18 mmHg (18% a 23% vs 11%) e com redução da PIO ³ð 25% (31 a 35% vs 19 a 20%). O efeito adverso mais comum observado foi hiperemia conjuntival (3% a 8% vs 1%), sem comprometer o perfil de tolerância do medicamento, contudo (Tabela 2).
Em japoneses sadios, com instilação às 8h da manhã, a redução média da PIO foi de 27% no 14º dia, apesar da baixa PIO média inicial de 13,6 ±ð 1,3 mmHg. Esta ação se manteve, inclusive pela manhã, quando a PIO costuma ser mais alta. Os efeitos adversos mais comuns foram ceratopatia punctata e hiperemia conjuntival, todos leves. Outro estudo, também em japoneses, mas com HO ou GPAA, mostrou uma redução da PIO de 26% ao cabo de 52 semanas, apesar de uma PIO inicial média de 19,6 mmHg. Os efeitos adversos observados foram os já conhecidos para os análogos das prostaglandinas.
Estes estudos são muito importantes porque indicam que o latanoprostene-bunod (LBN) pode ser de grande valia mesmo no glaucoma de pressão normal, certamente o componente mais relevante nestas amostragens, dada a alta prevalência deste tipo de glaucoma nesta população.
Em portadores de HO e GAA, o LBN se mostrou mais eficaz do que o timolol 0,5% na redução média da PIO diurna (3,9 vs 2,4 mmHg), ao longo das 24 horas (3,5 vs 1,7 mmHg) e, sobretudo, no período noturno (2,8 vs 0,2 mmHg). Em laboratório de sono, também a pressão de perfusão ocular foi sempre maior com o LBN, inclusive à noite.
Portanto, o latanoprostene bunod 0,024%, por aliar na mesma molécula o perfil de segurança e eficácia já notório da latanoprosta com a capacidade inédita de liberar óxido nítrico nos tecidos oculares, associando o aumento do fluxo uveoescleral da primeira com a capacidade de aumentar diretamente o fluxo trabecular do segundo, representa uma quebra de paradigma e um inquestionável avanço no tratamento do glaucoma.
Bimatoprosta doadora de óxido nítrico (NCX 470)
É uma molécula com dupla ação que combina a bimatoprosta com um componente químico que libera óxido nítrico nos tecidos. Em 3 modelos experimentais de glaucoma em coelhos, cães e primatas não humanos, na concentração de 0,042%, ela baixou mais a PIO do que a bimatoprosta equimolecular isolada.
Em cães, o efeito máximo foi observado 6 a 24h após a instilação, sem efeitos adversos relevantes após o uso repetido do colírio.
Estudos clínicos de fase II estão programados para serem iniciados ainda este ano pelo laboratório oftalmológico Nicox AS/Nicos Visible Science (www.nicox.com) , que tem como principal plataforma de pesquisa explorar as potencialidades terapêuticas do óxido nítrico.
Inibidores da anidrase carbônica doadores de óxido nítrico
Estudos pré-clínicos promissores estão em andamento com moléculas de dorzolamida e brinzolamida acopladas a compostos capazes de liberar óxido nítrico quando instiladas na forma de colírio no olho, associando a ação redutora na produção do humor aquoso dos inibidores tópicos da anidrase carbônica com o aumento da facilidade do escoamento do humor aquoso pelo óxido nítrico.
Agonistas dos receptores da adenosina (INO-8875; trabodenosona)
A adenosina é um nucleotídeo endógeno da purina que modula processos fisiológicos e patológicos ativando receptores da adenosina ligados à proteína G. Os subtipos de receptores da adenosina identificados são A1, A2A, A2B e A3. É sabido que os receptores A1 e A3 são ligados às proteínas Gi, capazes de diminuir os níveis de AMPc, e os receptores A2A e A2B sinalizam através das proteínas Gs, aumentando os níveis de AMPc.
O mecanismo pelo qual os agonistas dos receptores da adenosina aumentam o escoamento do humor aquoso parece ser por ativação ou secreção da metaloproteinase 2 pelos trabeculócitos, com redução do volume celular e remodelação da matriz extracelular do trabeculado relacionada à fibronectina e à degradação do colágeno IV.
Dos vários agonistas da adenosina pesquisados, o mais promissor foi o INO-8875 (trabodenosona), desenvolvido pela Inotek Pharmaceuticals Corporation, USA. É um mimético de primeira classe da adenosina que tem alta especificidade pelos receptores A1. Estudos pré-clínicos mostraram que ela foi capaz de reduzir a PIO de 20 a 25%, 1 a 2 horas após a instilação, em coelhos e macacos com PIO normal.
Estudo de Fase II, para avaliar a segurança, a tolerância, a farmacocinética e a eficácia da trabodenosona em portadores de hipertensão ocular e glaucoma, durante 2 a 4 semanas, usando o colírio 2 vezes ao dia, mostrou ótima tolerância, sem efeitos oculares ou sistêmicos adversos de monta. Hiperemia conjuntival, o mais comum efeito colateral, ocorreu em cerca de 20% dos casos, na maioria das vezes leve a moderada. A redução diurna média da PIO foi 4,1 mmHg (20 a 25%).
Ensaios clínicos de Fase III estão em andamento, comparando a trabodenosona 3% e 6% QD ou 4,5% BID com o timolol 0,5 BID e placebo, em portadores de HO ou GPAA, durante 3 meses (www.clinicaltrials.gov).
Experimentos em animais também sugerem que esta droga possa ter uma ação neuroprotetora nas células ganglionares da retina, mas isto ainda não foi estudado em olhos humanos.
Uma combinação fixa com a latanoprosta está sendo investigada, porque os mecanismos de ação das duas drogas, no que concerne à redução da PIO, são complementares.
Agonistas dos receptores prostanóides (DE-117 e ONO-9045)
O receptor prostanóide FP, para a prostaglandina F2 (PGF2), é o receptor-alvo através do qual os análogos das prostaglandinas reduzem a PIO. Recentemente, tem havido um interesse crescente em outros receptores prostanóides, tais como Ep2 e Ep3, como alvos para redução da PIO com drogas de uso tópico.
A DE-117 (butaprosta; Santen Pharmaceutical, Japan) é um agonista Ep2. Em modelos animais, baixa a PIO facilitando o relaxamento das células endoteliais do canal de Schlemm e aumentando o fluxo uveoescleral em macacos normais ou com glaucoma induzido por laser (dose única a 0,1%), tendo sido observadas alterações estruturais no corpo ciliar (aumento dos espaços entre os feixes musculares e formação de novos canais) e no trabeculado, após 1 ano de uso. De fato, recentemente foi demonstrado que a butaprosta age no trabeculado, diminuindo a contratilidade celular e a deposição de colágeno pela via TGF-bð2, inibindo a transição fibroblástica dos trabeculócitos, ao contrário da latanoprosta, que aumenta a contratilidade celular, embora também diminua a deposição de colágeno. Isto pode explicar o maior potencial redutor na PIO da butaprosta em relação à latanoprosta.
Estudos clínicos em hipertensos oculares ou portadores de GPAA ao longo de 4 semanas mostraram similares segurança e eficácia para o DE-117 (concentrações de 0,0003%; 0,001%; 0,002% e 0,003%) em relação à latanoprosta (0,005%) e placebo. Hiperemia conjuntival, fotofobia, e dor ocular ocorreram em 14% dos casos. A concentração de 0,002% foi superior às outras e similar à latanoprosta 0,005%. Ensaios clínicos de Fase III estão em andamento.
A ONO-9054 (Ono Pharmaceuticals, Japan) é um novo composto que busca potencializar a ação dos análogos das prostaglandinas tendo como alvo os receptores FP e EP3. A propriedade de ativar os receptores EP3, localizados no trabeculado e no músculo ciliar, confere a esta droga uma ação dual na redução da PIO, aumentando o escoamento trabecular e uveoescleral. Os receptores FP, EP1 e EP3 são constrictores, enquanto que os EP2 e EP4 têm propriedades relaxantes.
Estudos pré-clínicos, mostraram uma redução da PIO mais profunda e duradoura em macacos com PIO normal do que a latanoprosta e a travoprosta, indicando que a estimulação concomitante dos receptores FP e EP3 tem efeitos terapêuticos mais profundos do que apenas a estimulação dos receptores FP pelos análogos das prostaglandinas.
Em pacientes com hipertensão ocular ou GPAA, foi observada uma significativa redução da PIO de 7 mmHg após a primeira dose pela manhã, ou 8,2 mmHg após múltiplas doses, em diversas concentrações, preenchendo os requisitos para apenas uma instilação diária. O percentual de redução da PIO permaneceu maior que 30% ao longo de 19 dias, em todas as medidas, até 33 horas após a instilação do colírio na concentração de 0,001%. Ao longo de 4 semanas, em pacientes com HO ou GPAA, com instilação de 1 gota do colírio a 0,003% às 7h ou às 19h, ao término de 14 dias, a redução média da PIO foi 6,8 mmHg (28,6%) com instilação pela manhã e 7,5 mmHg (31%) com instilação à noite. A instilação noturna foi associada com uma ocorrência um pouco maior de hiperemia conjuntival, o mais comum efeito adverso local (17%).
Estudo recente mostrou que a redução média da PIO, foi levemente maior com a ONO-954 (7,2 mmHg) do que com a latanoprosta (6,6 mmHg). Reduções da PIO de 25 a 35% foram mais prováveis do que com o Xalatan e a probabilidade de se alcançar uma PIO £ð 15 mmHg foi 2,4 vezes maior com a ONO-954 do que com o Xalatan. O efeito colateral adverso mais comum foi hiperemia conjuntival, de pequena relevância.
A redução média da PIO com a ONO-954 (7,2 mmHg), em comparação com as principais dentre estas drogas com novos mecanismos de ação para tratamento da HO e do GPAA nos ensaios clínicos de Fase II ou III até agora publicados, é bem mais significativa do que a observada com os inibidores da ROCK (ripasudil 3,7 mmHg e netarsudil 5,5 mmHg) e a trabodenosona (4,1 mmHg) e apenas superada pelo LBN (8,4 mmHg).
Diante de resultados tão encorajadores, ensaios clínicos em Fase III estão em andamento para avaliar a eficácia da ONO-954 no tratamento da HO e do GPAA, sobretudo a longo prazo.
Small interfering RNA (siRNA ou miRNA; bamosirana; SYL040012; Sylentis S.A., Espanha)
O “small interfering RNA ou “micro RNA é um RNA de cadeia dupla com 21 nucleotídeos, de baixo peso molecular, reconhecido como agente poderoso capaz de modular a expressão de genes específicos ou receptores, dentre eles, o receptor 2-adrenérgico (ADRB2). Ao bloquear especificamente este receptor, a bamosirana diminui a produção do humor aquoso. O miRNA regula a expressão do RNA mensageiro de uma maneira negativa. Há cerca de 13 anos, Fire e Mello receberam o Prêmio Nobel pela descoberta deste mecanismo em platelmintos, que está se mostrando uma fonte promissora para uma nova classe de agentes terapêuticos.
Instilada no olho, a bamosirana fica restrita aos tecidos oculares, praticamente sem alcançar os tecidos sistêmicos, porque é uma molécula altamente específica, o que evita os principais efeitos colaterais cardiovasculares e pulmonares do betabloqueio. Para isto, também contribui o fato de que ela é rapidamente metabolizada pelos rins tão logo chega à corrente sanguínea. Seu efeito na PIO é 15 vezes mais longo do que a dorzolamida e a latanoprosta e ela é capaz de manter uma redução ainda significativa da PIO por até 72 horas.
Em voluntários normais, durante 7 dias, não foram registrados efeitos adversos locais nem sistêmicos e em nenhum momento a droga foi detectada no sangue.
Em pacientes com GAA, usando várias concentrações, a bamosirana 1,125% não foi inferior ao timolol apenas em olhos com PIO maior que 25 mmHg, mas a tolerância foi melhor. Hiperemia conjuntival, o efeito adverso mais comum, foi menor que 8%. A concentração de 0,75% foi a mais eficaz após 28 dias, com boa segurança e tolerância e deveria ser a dose a ser usada em estudos futuros. Parâmetros sobre a redução da PIO não foram relatados.
Estudos recentes no campo da epigenética têm mostrado que os miRNA podem ser, também, biomarcadores para tipos distintos de glaucoma. A epigenética estuda as alterações fenotípicas que decorrem da modulação na expressão dos genes e não da modificação na estrutura dos mesmos, propriamente.
Conclusão
Nunca, a um só tempo, os olhos e a criatividade dos pesquisadores estiveram tão voltados para o verdadeiro local onde ocorrem os eventos primários que fazem com que a PIO se eleve no GPAA. Como está acontecendo no tratamento cirúrgico do glaucoma com as MIGS, também no que tange ao tratamento clínico está sendo inaugurada uma nova era com a introdução de hipotensores oculares que, pela primeira vez, têm como alvo direto o local da resistência aumentada ao escoamento do humor aquoso no GPAA, que é o trabeculado (Tabela 3). Além da comodidade e da tolerância ao seu uso, eles ainda trazem consigo novos mecanismos de ação até então inexplorados e, pelo menos farmacologicamente, sinérgicos com os outros hipotensores oculares atuais, inclusive em combinações fixas, como inibição da via ROCK, liberação de óxido nítrico nos tecidos-alvo, ativação da via da adenosina, do receptor prostanóide e modulação do RNA.
Isto é inédito até então e mais fisiológico, porque, exceto a pilocarpina, hoje usada apenas em situações especiais, todos os hipotensores de uso corrente exercem sua ação precípua ou exclusivamente diminuindo a produção do humor aquoso ou estimulando uma via não fisiológica para o seu escoamento, a via uveoescleral. Sempre houveram especulações de que a diminuição farmacológica do fluxo trabecular, ainda que para reduzir a PIO, poderia, por desuso, comprometer ainda mais a permeabilidade desta via por desuso. Também não se sabe que consequências a redução do fluxo pós-trabecular pode trazer a longo prazo para as vias distais de escoamento do humor aquoso e nem o aumento do seu escoamento para as vias secundárias por ele agora percorridas em maior volume, como o corpo ciliar e o espaço supracoroidal, no caso dos análogos das prostaglandinas. Então, drogas que têm como ação direta o resgate da permeabilidade do trabeculado poderão representar uma oportunidade de restaurar as condições fisiológicas da hidrodinâmica do humor aquoso, evitando comprometer ainda mais suas vias naturais de escoamento.
Este é um momento muito auspicioso, portanto, porque o tratamento clínico ainda é a opção preferencial no manejo da hipertensão ocular e do glaucoma de ângulo aberto e uma grande parte dos pacientes necessita de mais de um medicamento (44,5%, em afrodescendentes com HO; 88,7%, em glaucomas avançados). Resta aguardar o futuro para saber quais destas drogas consolidarão o seu lugar, com relação à segurança, tolerância e eficácia. De qualquer forma, com a paulatina aprovação e introdução destes medicamentos na prática clínica está sendo definitivamente inaugurada uma nova e alvissareira era neste cenário movediço e desafiador da glaucomatologia, por certo, como já disse alguém, a Renascença II no tratamento clínico do glaucoma!
Fonte: Universo Visual