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No início deste ano, o calendário de eventos das cidades de todo o planeta estava recheado de atrações: shows, maratonas, corrida de Fórmula 1, congressos científicos, cursos de especialização, só para citar alguns deles. Passagens compradas, hotéis reservados, todos esperando ansiosamente a data em que participariam dos tão aguardados acontecimentos. De repente, um ser tão pequenino que nem se consegue enxergar a olho nu chegou para mudar os planos de toda a humanidade. 
Com as pessoas trancafiadas em casa, as escolas tiveram de se adaptar em tempo recorde para transmitir as aulas on-line para seus alunos. Também não demorou muito para que artistas começassem a produzir “lives”. Eram tantas que muitos até criaram lembretes no celular para não perder nenhuma apresentação (sexta-feira às 21h, Nando Reis; sábado às 20h, Skank; domingo às 17h é dia de Jota Quest…). Além disso, o fechamento do comércio fez com que empresas criassem novos formatos para vender produtos, serviços e entretenimento, surgindo daí o “live commerce”, que une transmissão ao vivo pela internet e vendas. 
Mas e na oftalmologia? Como ficaram os congressos e eventos científicos nesse cenário de pandemia? Reinventaram-se. E fizeram isso muito bem. Um exemplo é o 64° Congresso Brasileiro de Oftalmologia que se transformou em um grande encontro, mas totalmente virtual. Foram quatro dias de muita informação que contou, inclusive, com um recorde de palestrantes internacionais, chegando a um total de 40. Os mais de seis mil inscritos tiveram mais de 400 horas de conteúdo, entre aulas pré-gravadas, painéis, e também entrevistas e mesas redondas ao vivo. E como foi virtual, todo o conteúdo ficou disponível na plataforma do congresso por três meses para os inscritos. 
“O congresso mostrou a qualidade suprema da oftalmologia brasileira no contexto mundial posicionando nossos palestrantes no nível esperado dos grandes eventos internacionais, com conteúdo pleno e completo. Além disso, a exposição comercial foi um grande sucesso e possibilitou aos parceiros comerciais apresentar seus produtos para uma comunidade que estava motivada. O recorde no número de participantes mostra a crença e a confiança dos oftalmologistas no Conselho Brasileiro de Oftalmologia”, aponta Marcos Pereira de Ávila, um dos presidentes do CBO 2020 ao lado de Elvira Barbosa Abreu e Keila Monteiro de Carvalho.  
Segundo ele, o Conselho Brasileiro de Oftalmologia quebrou paradigmas e acreditou na ideia do evento virtual e na estrutura das pessoas que fazem e trabalham para que a entidade seja cada dia mais forte. “As pessoas se dedicaram com exaustão e intensidade. Foram seis empresas principais e outras menores que participaram em cada uma das partes organizacionais. E isso foi possível graças ao apoio fundamental da diretoria do Conselho Brasileiro de Oftalmologia e do colegiado do CBO”, comenta.
“O CBO 2020 ficará marcado na história da oftalmologia brasileira por várias conquistas dentre as quais um congresso 100% virtual com conteúdo completo, que é o que se espera de um congresso anual brasileiro de oftalmologia”, endossa. 
O que se aprendeu com esse novo formato? “A gestão digital de tudo isso está trazendo como resultado um aprendizado que será aplicado doravante em todas as atividades de ensino a distância do CBO”, comenta Ávila. 
Tania Schaefer, presidente da Sociedade Brasileira de Lentes de Contato, Córnea e Refratometria (Soblec), diz que a pandemia acelerou o modelo de comunicação que já antevia há alguns anos. “Em 2006, quando me preparei para ser candidata à presidência da Soblec, a videoconferência se desenvolvia e a internet mostrava que era o caminho para levar informação e conhecimento científico de Norte a Sul deste país continental que é o Brasil. Foi gravando e, com todas as dificuldades de uma tecnologia inicial, que desenvolvemos e absorvemos a evolução tecnológica para chegar a uma plataforma de ensino solidificada que conta hoje com um arsenal de mais de 600 títulos renovados e atualizados em lentes de contato, córnea, refração e gestão”, afirma. A médica ressalta que a chegada da era 5G impulsionará ainda mais os avanços tecnológicos. “A comunicação on-line ainda sofrerá muitas evoluções e saborearemos esta delícia que é o desenvolvimento do conhecimento ao alcance de todos”, afirma.
Na Sociedade Brasileira de Retina e Vítreo a solução encontrada para a compartilhar conhecimento foram as lives semanais. “Transferimos o Congresso Brasileiro de Retina e Vítreo de 2020, que aconteceria na época em que a crise se instalou de forma aguda no país, para 2021. E como mecanismo de ensino criamos lives semanais que se transformaram na nossa forma de levar conhecimento ao público”, conta Maurício Maia, presidente da entidade. 
Maia afirma que o novo formato tem vários pontos positivos, como a questão da diminuição de custos, a facilidade que a ferramenta permite e a capilaridade. “As ações educacionais da SBRV se tornaram virtuais demonstrando um potencial de disseminação de conhecimento muito grande, com maior praticidade e eficiência. Além disso, observamos uma diminuição no custo porque tanto palestrantes de fora como nós, que somos convidados para dar aula e mostrar técnicas cirúrgicas – e na área de retina somos protagonistas internacionais, não precisamos mais pegar um vôo para ir a outro país mostrar uma cirurgia ao vivo. Hoje essa aula é transmitida em tempo real sem que eu precise pegar um avião, ficar em um hotel, e nem parar de atender os pacientes. É a realidade de um mundo virtual em que a presença física não é mais tão necessária”, explica.
Mas se há vantagens, há também algumas desvantagens nessa transição. “Na minha especialidade, observei que os médicos e especialistas em retina querem ter contato físico, rever as amizades, ter contato social, trocar experiências não só científicas, como testar as novas tecnologias in loco. É preciso ver um equipamento novo funcionando, tocá-lo”, comenta.
O que esperar para 2021 
A aposta para 2021 é que os congressos e eventos se tornem híbridos, ou seja, aconteçam tanto presencialmente quanto virtualmente. “Os eventos físicos não vão acabar. Eles serão mais eficientes, com participações virtuais para reduzir custo e tempo do palestrante que vem de fora. Este mundo novo de eficiência trouxe a realidade do mundo virtual como forma de disseminar o conhecimento. A globalização foi muito maior, mas notamos uma saturação dos colegas que assistem a tudo no formato on-line. Por isso acreditamos que o pós-covid será de eficiência atrelado à necessidade de presença física para questões de relacionamento interpessoal e também de compra de equipamento e novas tecnologias em que há a necessidade de contato físico do profissional da área clínica e cirurgia de retina e vítreo , explica Maia, da SBRV. 
O Congresso Brasileiro de Retina e Vítreo, que será entre 4 e 6 de março na Bienal, em São Paulo, já acontecerá de forma híbrida. Por questão não apenas de custos, mas de segurança, os palestrantes internacionais participarão de forma virtual e os nacionais presencialmente. “Tomaremos todos os cuidados seguindo as recomendações dos órgãos sanitários municipais e estaduais para evitar a contaminação pelo novo coronavírus”, diz Maia. Antes da pandemia, esperava-se um público entre 1.200 a 1.500 pessoas no congresso. No novo formato, espera-se entre 600 a 800 presenciais. “No total, entre virtual e real, devemos ter mais que 1.500 participantes. Acreditamos que se as vacinas estiverem disponíveis talvez tenhamos uma surpresa e um número recorde de pessoas”, completa. 
Para Tânia, da Soblec, a evolução tecnológica está aí e somente o que é bom poderá ter continuidade. “O ser humano é associativo e não será nunca feliz em isolamento a não ser que haja uma modificação radical de sua natureza. Por isso os eventos presenciais são uma realidade e uma necessidade clara , endossa. Ela comenta que a Soblec inovará em seu evento em abril para comemorar os 50 anos da entidade. “Será um novo modelo, mostrando o que é possível fazer nesta época de pandemia”, adianta. Novos modelos de comunicação estão chegando e a educação é o grande foco desta revolução”, finaliza. 
Além da oftalmologia
Assim como a oftalmologia, outras áreas da medicina se adequaram para continuar disseminando conteúdo e conhecimento em épocas de isolamento social. Um exemplo é a Sociedade de Pediatria de São Paulo (SPSP) que passou a realizar os eventos on-line a partir de junho. “Observamos que a aceitação entre os pediatras foi muito boa, as ações estão sendo bem avaliadas e houve uma penetração bem maior do que quando realizados presencialmente. Os palestrantes foram se familiarizando rapidamente à nova forma de divulgar o conhecimento, ministrando palestras on-line e respondendo às perguntas encaminhadas pelos internautas”, conta Lilian dos Santos Rodrigues Sadeck, pediatra neonatologista e diretora de cursos e eventos da SPSP.  
A pediatra também acredita que a partir de agora os encontros serão mistos, mesclando o mundo virtual com o real. “Os eventos presenciais são mais ricos, podendo lançar mão de outras formas de atividades com a participação da plateia para resolução de problemas, troca de experiências, especialmente nos cursos de capacitação que envolve procedimentos. Mas os cursos on-line podem realmente compartilhar o conhecimento para um grupo maior de pessoas , diz. Lilian completa que em 2019 os eventos eram basicamente presenciais e eram gravados e disponibilizados no site da SPSP. “Acredito que assim que for possível recomeçar os eventos presenciais, a maioria deles serão disponibilizados das duas formas, presencial e on-line. Estamos organizando o 4º Congresso Paulista de Urgência e Emergência para Junho de 2021 com essa lógica”, finaliza. 

Fonte: Revista Universo Visual

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