A doença do olho seco moderado a grave tem sérias implicações para a qualidade de vida dos pacientes, causando muitas vezes dor, limitações nas atividades diárias, redução da vitalidade, declínio geral da saúde e até depressão.
Essa condição está relacionada à diminuição ou alteração da produção da qualidade da lágrima e, atualmente, não há cura. Entretanto, é possível controlar seus sinais, sintomas e adequações no estilo de vida podem contribuir muito com o tratamento. A indústria tem destinado esforços nesse sentido, principalmente no desenvolvimento de lágrimas artificiais, colírios mais modernos, como também no desenvolvimento de aparelhos para diagnóstico e tratamento. Além disso, os pesquisadores têm dedicado um tempo especial para buscar soluções para a condição; algumas delas incluem até mesmo o uso da Inteligência Artificial (IA).
Um estudo brasileiro – publicado pela Arquivos Brasileiros de Oftalmologia – foi realizado especialmente para avaliar a prevalência da doença na cidade de São Paulo. Participaram 582 pessoas acima de 18 anos, residentes na zona leste da cidade. O veredicto foi: o olho seco é mais frequente no sexo feminino que no masculino. Idade e hipertensão também foram fatores de risco maiores para doença do olho seco no sexo feminino, enquanto o uso de colírios foi um indicador da doença do olho seco para ambos os sexos. E um levantamento publicado pela The Ocular Surface em fevereiro desse ano reforça a suspeita de que medicamentos de uso sistêmico podem estar associados a doença do olho seco mais grave.
Uma outra avaliação revelou que a doença do olho seco é prevalente entre as populações jovens do País. Com base nos dados da pesquisa publicada pela Plos One, estima-se que mais de dois milhões de estudantes brasileiros de graduação podem sofrer da doença do olho seco. Segundo os estudiosos, esses dados destacam a importância de manter a conscientização sobre essa condição comum e continuar a pesquisa sobre suas causas e tratamento. “Nós identificamos cerca de 23% dos jovens com sinais e sintomas do olho seco, muito devido ao uso de telas, contraceptivos orais, lentes de contato e menos de seis de sono”, comenta um dos pesquisadores, o oftalmologista José Álvaro Pereira Gomes. “O que estamos vendo nos últimos anos é que a faixa etária mais jovem tem apresentado um aumento da incidência de olho seco crescente. Esse é um dado que aparece em um estudo feito pela Harvard University há uns dois, três anos, que mostra que realmente o número de casos de olho seco tem aumentado ano após em todas as faixas etárias ano também no sexo masculino. Provavelmente isso está muito ligado a mudança de hábitos que piorou principalmente na pandemia”, alerta.
Para Mônica Alves, professora livre docente do departamento de oftalmologia da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), a doença anteriormente estava estritamente associada à população idosa, o que não reflete mais a realidade. “Essa doença hoje é muito prevalente em jovens também. Quando estamos expostos a ambientes hostis para o filme lacrimal, como telas, computador, ar-condicionado, poluição, tudo isso faz a lágrima evaporar mais até em pessoas que têm a produção normal e aí os sintomas aparecem”, detalha. A médica, que também é especialista em doenças da superfície ocular e olho seco, explica que os avanços na forma de diagnosticar e tratar são uma consequência desse que seria um problema científico. “No aspecto de inovações no diagnóstico temos vários testes clínicos corriqueiros em nossa prática diária, mas temos visto também diversos equipamentos que usam programas e IA para poder quantificar, detectar e fotodocumentar diversos aspectos dessa doença. A outra área de avanços, dos tratamentos, temos novas moléculas, novos lubrificantes e dispositivos utilizados para procedimentos, como a luz pulsada e a pulsação térmica, novos desenhos de plugs para fazermos oclusão do canal lacrimal; tudo isso tem sido contabilizado como inovação no campo do olho seco”, comenta Mônica.
Além do estilo de vida, cosméticos e procedimentos estéticos também podem ser um fator de risco significativo para o desenvolvimento da doença do olho seco, que só nos Estados Unidos afeta mais de 40 milhões de pessoas e é uma das principais causas de visitas de pacientes a oftalmologistas. Esse é um alerta da “Alliance for Eye and Vision Research (AEVR)” e a “Tear Film & Ocular Surface Society (TFOS)”, líderes globais em educação em saúde ocular. A campanha mundial ‘Julho Turquesa’, por exemplo, é uma parceria realizada aqui no Brasil pela TFOS e a Associação dos Portadores de Olho Seco (APOS).
Gomes, que também é presidente da APOS, da Sociedade Brasileira de Córnea e Banco de Tecidos (SBC) e professor adjunto livre-docente da especialidade na Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), conta que 24,4% da população da cidade de São Paulo apresenta sintomas e/ou diagnóstico clínico da doença do olho seco. “Nesse estudo também identificamos uma frequência maior nas mulheres (baixa dos hormônios na menopausa), além de fatores de risco como hipertensão (devido a medicações utilizadas que diminuem a produção de lágrimas) e idade acima de 55 anos”, afirma.
O oftalmologista Richard Hida, co-chefe do setor de óptica cirúrgica e colaborador do setor de doenças externas e córnea da UNIFESP, lembra do impacto do olho seco evaporativo, que é aquele paciente que tem lágrima, porém elas evaporam rápido, pois não tem a camada lipídica. Em pesquisa de 2020 da ARVO, maior instituição no mundo de pesquisas sobre visão e Oftalmologia, essa é uma das disfunções visuais que mais cresce em todas as faixas etárias, atingindo 25 milhões de brasileiros na proporção de três mulheres para cada homem e chega a afetar quase 70% da população em várias partes do mundo. A pesquisa mostra também que a disfunção das glândulas meibomianas é uma causa importante da síndrome.
IA
De acordo com um estudo publicado pela Clinical & Experimental Ophthalmology, especialistas acreditam que a inteligência artificial (IA) parece ser o caminho para um diagnóstico mais preciso e de qualidade da doença do olho seco. A análise sugere que tanto a aquisição facilitada quanto o aumento da precisão foram obtidos por meio da automação. Também foi observada que a disfunção da glândula meibomiana poderia ser o método de quantificação que a IA pode impulsionar. Os exames de disfunção das glândulas meibomianas (DGM) têm métodos de fácil aquisição de dados, assim como os exames de superfície ocular. Ainda, vídeos e imagens de lâmpada de fenda também podem ser facilmente usados na implementação de aprendizagem profunda (deep learning) para automação.
No que diz respeito ao que vem pela frente, os especialistas acreditam que o ambiente, as mudanças climáticas, e os estilos de vida das pessoas (indoor x outdoor) podem ser ainda mais desafiadores para o tratamento da doença. Hida acredita que, nesse sentido, a abordagem e envolvimento do médico serão determinantes para um melhor tratamento.
“Já estão em curso várias inovações para o tratamento, seja com colírios que tem tempo de permanência mais alta, colírios que sejam de uso menos frequente, lentes de contato inteligentes que liberam componentes da lágrima, alguns outros dispositivos de lubrificação do olho. Há também vários mecanismos para usuários de tela que você pode baixar para ser estimulado a piscar, por exemplo. Além, claro, de enriquecimento de ambiente com o uso de umidificadores de ar. Acho que a IA já está entrando de uma maneira muito forte no diagnóstico e na orientação e monitoramento do próprio paciente afinal seus hábitos influenciam diretamente o tratamento dessa doença que é crônica”, expõe Gomes.
“A oftalmologia é uma especialidade extremamente tecnológica. Com relação ao futuro, acredito que entenderemos cada vez mais o que é gatilho, o que desencadeia e o que melhora e usaremos isso para educar as pessoas para essas possíveis alterações comportamentais. Quando a gente fala de diagnóstico, um tempo atrás fazíamos isso com alguns corantes fazendo teste de volume lacrimal, hoje temos equipamentos que medem a camada lipídica, a frequência do piscar, diversos questionários padronizados, entre outros; o futuro isso ficará ainda mais incorporado e reprodutível. Entenderemos também novas moléculas, a superfície ocular tem um acesso muito fácil então é possível que a gente consiga quantificar doenças sistêmicas ou da superfície ocular avaliando parâmetros e mediadores na lágrima que é muito mais fácil que coletar que o sangue, por exemplo”, conclui Mônica.
Camila Abranches