Por Sabrina Duran
Em uma lista com diversos casos complexos com os quais um oftalmologista pode lidar no seu dia a dia, a visão monocular é um deles. Caracterizada pela perda visual irreversível de um dos olhos, com valores de acuidade visual compatíveis com a cegueira em um olho abaixo de 20/400 e com uso de correção óptica, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS) , a visão monocular exige do médico atenção ao olho remanescente e também à adaptação do paciente, que precisará aprender a conviver com as consequências dessa perda visual.
Causas
As causas da perda da visão de um dos olhos são diversas e podem se apresentar já na infância. De acordo com a coordenadora do Núcleo de Oftalmopediatria da UNIFESP (Universidade Federal do Estado de São Paulo) e chefe do Setor de Baixa Visão e Reabilitação da mesma instituição, Célia Nakanami, a malformação ocular com o não desenvolvimento do globo ocular (anoftalmia) ou a falha no seu desenvolvimento (microftalmia, coloboma) são duas possíveis origens da visão monocular com início na infância. “Há as causas infecciosas congênitas, como lesões intraoculares por toxoplasmose, rubéola, sífilis, ou por causas como catarata congênita e glaucoma congênito , indica a especialista. Outras perdas oculares apontadas por ela, comuns em todas as idades, são ocasionadas por trauma direto ou contuso do olho e órbita que podem causar lesão perfurante da córnea, extrusão de conteúdo intraocular, descolamento de retina e lesão de nervo óptico; há, ainda, os casos de ambliopia profunda, como estrabismos e anisometropias na infância que não foram tratados; queimaduras de córnea com sequelas como opacidade grave no eixo visual , e traumatismos cranianos, contusos ou não, que podem causar lesão cortical de áreas visuais, lesões do nervo óptico ou vias ópticas. “Doenças oculares inflamatórias, infecciosas, distrofias degenerativas ou metabólicas, também podem se manifestar de forma assimétrica ou comprometer apenas um olho, com graves sequelas unioculares. Entre as doenças oculares degenerativas, a degeneração macular relacionada à idade (DMRI) com acometimento assimétrico pode ser causa de visão monocular no idoso. Uma causa de visão monocular muito prevalente na população brasileira é a toxoplasmose ocular com cicatriz macular, observada na prática clínica e em diversas publicações nacionais de serviços de baixa visão. A retinopatia diabética, doença prevalente na população adulta brasileira, também pode ter manifestação pior em um dos olhos e levar o indivíduo à visão monocular , completa Nakanami.
Para a médica-chefe do Setor de Visão Subnormal da Clínica Oftalmológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) e oftalmologista da Laramara (Associação Brasileira de Assistência à Pessoa com Deficiência Visual), Maria Aparecida Onuki Haddad, é importante ressaltar que nos casos de doenças que podem acometer os dois olhos pode haver maior comprometimento de um dos olhos. “Teremos, nesse caso, um olho com perda visual profunda e outro olho com visão com valores considerados normais. A perda visual pode ser decorrente de doença que lese qualquer estrutura ocular ou nível da via óptica, responsável pela condução da informação visual ao cérebro , explica Haddad.
Consequências
Entre as consequências iniciais para o paciente com visão monocular estão a perda da metade do campo visual, correspondente ao olho afetado, e a dificuldade para a visão de profundidade, em função da perda da visão binocular. “Dessa forma, o indivíduo terá dificuldades para localização de obstáculos, objetos e pessoas posicionadas dentro da região do campo visual perdido; a pessoa poderá ter dificuldades na realização de tarefas como detectar desníveis no chão e degraus de escada, e deverá aprender a utilizar o campo visual do olho com visão normal a partir da varredura do ambiente. No entanto, com o passar do tempo, há a adaptação funcional e o cérebro irá procurar ajustes a partir de informações visuais obtidas do olho com visão normal , relata a oftalmologista da Laramara.
A especialista Célia Nakanami ressalta que quando a perda da visão de um dos olhos acontece desde o nascimento ou nos primeiros anos de vida, não existem dificuldades de adaptação do indivíduo com visão monocular, pois desde cedo ele aprendeu a viver com a função visual de apenas um olho. Se a perda ocorrer após a fase de desenvolvimento visual binocular, entre os quatro e cinco anos de idade, as consequências apontadas por Haddad serão sentidas, mas mesmo assim é possível ao paciente com visão de um só olho levar uma vida sem dificuldades. “Existe uma adaptação, e é necessário um tempo que pode ser um mínimo de seis meses para que essas dificuldades despareçam ou se amenizem , afirma Nakanami.
Visão monocular a partir de traumas e doenças: primeiro tratamento
Nos casos em que a visão monocular se dá em função de um trauma, o tratamento do paciente inicia-se no serviço de urgência do pronto-socorro. É preciso avaliá-lo desde a parte externa do olho, verificando se ambos os olhos estão íntegros, se há lesões externas nas pálpebras, edema, hematoma, ferimento cortocontuso, presença de corpo estranho e assimetria entre os olhos, como enoftalmo e proptose. “Em seguida, medir a acuidade visual de cada olho, avaliar as pupilas e reflexos, exame da motilidade extraocular, biomicroscopia verificar estruturas do segmento anterior, córnea, íris, pupila, cristalino, câmara anterior, ângulo iridocorneano e sua integridade; verificar a presença de corpo estranho, processos inflamatórios/hemorrágicos intraoculares células em câmara anterior, hifema , presença de vítreo anteriorizado na câmara anterior; tonometria, exame de mapeamento de retina para avaliar vítreo, retina, coroide descolamento de retina, opacidades vítreas, hemorragia vítrea e retiniana , pontua Nakanami. Nos casos de trauma ocular orbitário, a oftalmologista diz que exame de imagem é mandatório, como a tomografia computadorizada (TC) de órbita com janela óssea. “Em muitos serviços de pronto-socorro nem sempre é possível a TC com contraste, mesmo assim, o exame auxilia muito nas informações quanto à integridade do globo ocular, nervo óptico, paredes orbitárias e músculos extraoculares. No caso de trauma cranioencefálico associado, avaliação neurológica e TC de crânio são indispensáveis. Exame oftalmológico completo e tratamento do problema ocular deve ser instituído para todos os casos. Dependendo da causa, se metabólica, infecciosa, sistêmica, neurológica, a avaliação clínica geral e/ou com especialista da área é imprescindível para o controle da doença sistêmica e neurológica , completa a especialista.
Nos casos em que a visão monocular é causada por doença, em primeiro lugar, é necessário saber se há acometimento do outro olho, em especial em doenças progressivas. “Caso haja, o paciente poderá ter quadro compatível com deficiência visual (binocular), com impacto funcional e grande dificuldade para realizar tarefas diárias. Nesse caso, será necessário o encaminhamento para oftalmologistas na área da reabilitação visual na perda visual irreversível que irão realizar a avaliação nas diversas faixas etárias e prescrever auxílios especiais, ópticos, não ópticos, eletrônicos e de informática, para a melhora da resposta visual. De acordo com a perda visual, em especial a partir de casos com deficiência visual grave, há indicação para atendimento multidisciplinar especializado e que o oftalmologista indicará , explica a especialista Maria Aparecida Onuki Haddad.
Reabilitação
Haddad pontua algumas etapas para a reabilitação do paciente com visão monocular:
” Em primeiro lugar, o oftalmologista deve avaliar a função visual do olho remanescente, e certificar-se de que o caso é de visão monocular e não de deficiência visual binocular. É fundamental, nesse momento, conhecer o prognóstico visual do olho remanescente nos casos de doenças progressivas;
” Em seguida, orientar o paciente para o uso funcional do campo visual remanescente e estratégias para adaptação às dificuldades de percepção da profundidade;
” Como consequência das etapas anteriores, o oftalmologista passa a acompanhar o paciente quanto à sua percepção na realização de tarefas e qualidade de vida;
” A adaptação funcional ocorre em alguns meses do início do quadro. Nesse momento, caso o oftalmologista verifique queixas importantes para realização de tarefas, mesmo após algum tempo, será preciso reforçar estratégias para uso da visão remanescente.
Diante desse cenário, é fundamental, portanto, que o oftalmologista informe o paciente quanto ao aspecto temporário da fase de adaptação e aquisição de habilidades que lhe permitam voltar à vida normal. No caso dos idosos, Célia Nakanami alerta que a adaptação pode ser mais lenta, pois à perda da visão de um dos olhos são somadas as dificuldades inerentes à idade. Por isso esses pacientes devem ser acompanhados, além do oftalmologista, por terapeuta ocupacional, psicólogo, fisioterapeuta e outros profissionais da área de reabilitação.
“O oftalmologista é o agente catalisador do processo de reabilitação visual. As informações obtidas por meio da avaliação oftalmológica serão fundamentais aos outros profissionais da equipe assistentes sociais, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, educadores, profissionais de orientação e mobilidade, psicólogos, ortoptistas que irão atuar junto ao indivíduo com deficiência visual para seu desenvolvimento, autonomia e independência , resume a especialista Maria Aparecida Onuki Haddad.
Reabilitando bebês e crianças com visão monocular
Célia Nakanami
Visão monocular não é deficiência visual
Maria Aparecida Onuki Haddad
Fonte: Universo Visual