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Por Sabrina Duran
“Como seriam os olhos dos centenários? , perguntou o oftalmologista e professor Rubens Belfort Junior aos seus colegas, um dia após o atendimento de uma paciente centenária. A questão, feita em 2004, veio acompanhada de um estímulo: “isso daria um estudo interessante. Topam? A partir daquele desafio, os oftalmologistas começaram a buscar pacientes centenários. “Eu assumi a coordenação do projeto, que depois se estendeu para pacientes longevos idosos com idade de 80 anos ou mais e que acabou se tornando minha tese de doutorado na UNIFESP (Universidade Federal do Estado de São Paulo) , conta a oftalmologista Marcela Cypel.
Em junho do ano passado, Cypel teve um artigo de sua tese, intitulado “Visão, avaliação oftalmológica e qualidade de vida em longevos , publicado na revista Arquivos Brasileiros de Oftalmologia. Realizado entre abril de 2007 e julho de 2008, o estudo de observação transversal envolveu 150 idosos acima de 80 anos, entre os quais 30 centenários, que foram submetidos a exame oftalmológico com medida da acuidade visual apresentada e da acuidade visual melhor corrigida e questionário de qualidade de vida (SF-36) e qualidade de visão (VFQ-25). O objetivo do trabalho era determinar a visão, achados oftalmológicos e qualidade de vida em longevos.
Além de Marcela Cypel, assinaram o artigo os especialistas Solange Rios Salomão, Paulo Elias Correa Dantas, Claudio Luiz Lottenberg, Niro Kasahara, Luiz Roberto Ramos e Rubens Belfort Junior.
Principais achados
Entre os principais achados, Cypel destaca que nenhum indivíduo possuía visão 20/20, mas após exame refracional (correção do grau com óculos), aproximadamente 25% apresentaram visão considerada normal (> 20/30). Além disso, os melhores escores nos questionários de qualidade de vida e qualidade de visão foram nos indivíduos de melhor visão, independentemente da idade. “Tais dados chamam a atenção para a importância de se investir na melhora refracional do idoso, não importando a idade. Com a aplicação dos questionários de qualidade de vida e qualidade de visão pode-se reforçar como a melhora da visão está diretamente relacionada com a melhora da qualidade de vida , afirmou a especialista. Ela destaca que no campo da oftalmologia ainda é restrito o número de estudos sobre população longeva. “Temos o São Paulo Eye Study, liderado pela professora Solange Rios Salomão e publicado em 2008, que trouxe dados e números nacionais e que também mostra a importância do exame refracional e a melhora que este pode trazer ao idoso , pontuou Cypel. Questionada sobre o motivo de haver poucos estudos em oftalmologia com o público da faixa etária abordada em sua pesquisa, a especialista respondeu apontando a dificuldade de se estudar essa população. “Parte-se do princípio de que, para se estudar uma alteração específica, tenta-se buscar indivíduos que tenham apenas a tal alteração, mas que sejam saudáveis no restante. A população de idosos, e especialmente a de longevos, costuma conviver com mais de uma comorbidade a média de um idoso é ter pelo menos cinco comorbidades e usar ao redor de dez medicações.
Outro achado importante foram as principais causas de baixa visão: catarata, erro refracional, degeneração macular relacionada à idade (DMRI) e glaucoma sendo a catarata e o erro refracional causas reversíveis de baixa visão. “Esse resultado é de extrema importância, exatamente por serem causas reversíveis de baixa visão. A própria Organização Mundial da Saúde (OMS) passou a ter como meta a eliminação da cegueira/baixa visão causada por erro refracional não corrigido. Afinal, se com a prescrição correta de óculos você faz com que um indivíduo deixe de ser classificado como cego e passe a ter uma visão considerada normal, em se tratando de saúde pública, este é um ponto que deve receber toda a atenção e dedicação. A oftalmologista reforça que esse resultado está presente na maioria de estudos populacionais oftalmológicos recentes, nacionais e internacionais. “Temos importantes estudos populacionais nacionais do São Paulo Eye Study e do Brazilian Amazon Region Eye Survey (BARES), este último realizado na população amazônica de Parintins. Os dois estudos foram realizados pelo Departamento de Oftalmologia da UNIFESP, liderados pela professora Solange Rios Salomão e com a participação do professor Rubens Belfort Junior. Tive a oportunidade de participar de uma parte do estudo BARES. Termos dados nossos e formar o nosso banco de dados reforça um espaço internacional que a oftalmologia brasileira já tem, além do grande valor de podermos traçar políticas de prevenção baseadas nos dados da nossa população.
Desafios e surpresas
Um dos principais desafios da pesquisa, de acordo com a oftalmologista, foi o acolhimento da demanda dos idosos por atenção. “Estudos científicos prospectivos feitos de forma séria demandam tempo e empenho, e nesse não foi diferente. O atendimento do público idoso requer um outro timing ; pude perceber isso rapidamente durante as entrevistas iniciais. Eles gostam de conversar, contar suas histórias de vida e eu gosto muito de ouvi-las. Acho importante o entendimento desse novo perfil da população e o respeito à forma de funcionamento deles , afirmou Cypel. A busca pelos 30 idosos centenários também demandou empenho da equipe. Além de localizá-los, era preciso que tivessem disponibilidade de ir até o Departamento de Oftalmologia da UNIFESP para a realização de exames. A maioria dependia de alguém que os acompanhasse. “Tive o prazer de presenciar famílias, netos e até bisnetos preocupados com seus avós e se disponibilizando em trazê-los para a consulta .
Marcela Cypel mostrou-se surpresa com um achado que aponta para a presença da DMRI em basicamente 100% dos centenários. Ela diz que, embora fosse um resultado possível, a descoberta é diferente quando você a confirma com dados através do exame clínico da amostra. “Pode-se dizer que se você viver o bastante, algum grau de DMRI você terá. Outro importante resultado encontrado foi que nenhum idoso da amostra estudada tinha 20/20 de visão em um ou ambos os olhos, o que reforça a ocorrência de uma perda fisiológica das funções visuais com o envelhecimento (senescência da visão).
Com o aprendizado que teve durante o estudo a partir do contato com a população idosa e com suas queixas sobre a visão, a oftalmologista afirma que melhorou a própria prática clínica no atendimento a esse grupo. “O aprendizado me permitiu um entendimento mais adequado da atual realidade desta população, que hoje está em outro patamar de atividades e exigências. Enxergar bem traz consequências que vão além do olho, traz inserção social, diminui o risco de queda e ajuda a retardar a evolução de demências, pois mantém o idoso ativo e com qualidade de vida.
Outra surpresa decorrente da pesquisa foi em relação à qualidade da visão de idosos com catarata. “Quando fui a campo para a coleta de dados esperava encontrar toda uma população de longevos e centenários com catarata ou operados de catarata, mas não foi bem assim. Tive a boa surpresa de encontrar idosos com opacidade de cristalino fisiológica pela idade avançada, mas que não estava interferindo de forma significativa na acuidade visual final, e que, portanto, não tinham a catarata classificada como principal causa da baixa visão. Isso nos faz pensar em fatores de proteção ou indicativos de longevidade , declarou a oftalmologista.

Cuidados necessários
Os resultados da pesquisa permitiram que suas autoras e autores identificassem cuidados necessários à qualidade de vida dos idosos entrevistados. “A avaliação das respostas dos questionários destaca dois pontos principais: o primeiro, a importância da visão de perto para a pessoa idosa. Diria que o idoso, quando está vendo mal para longe, não se incomoda tanto, mas quando a visão para perto está ruim, o impacto é maior, pois a maioria das atividades por ele realizada é na média distância e perto, como ver televisão, usar computador, celular, ler, jogar cartas, etc. O segundo ponto que se destaca é como a visão pode interferir e interfere na qualidade de vida geral do idoso: uma visão ruim pode trazer isolamento, depressão, falta de cuidado consigo mesmo , pontua Cypel. A partir dessas constatações, a oftalmologista aponta para a importância da avaliação oftalmológica de rotina na população idosa. “Nós, ligados à oftalmogeriatria, sugerimos que idosos acima de 60 anos, e especialmente acima dos 70, realizem exame oftalmológico anualmente para avaliação da catarata, risco de DMRI e também, se necessário, reajuste no grau dos óculos.
Para 2018, Marcela Cypel adianta que, juntamente com Solange Rios Salomão e Rubens Belfort Junior, está envolvida em projetos direcionados tanto à população centenária quanto à de longevos. O objetivo dos projetos é levantar informações e correlações dessas populações específicas que possam ter aplicação em políticas públicas de saúde e em intervenções específicas na prática clínica oftalmológica do dia a dia do consultório. 

Fonte: Universo Visual

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