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Por Marina Almeida
“Eu me lembro bem de estar sentado na lanchonete do Centro de Convenções Rebouças, durante o 9º Congresso de Oftalmologia da USP, em novembro de 2006, quando li uma entrevista na Revista Universo Visual com o professor Rubens Belfort Jr, onde ele falava sobre a importância de iniciar linhas de pesquisas em sua área de atuação. Aquilo me tocou profundamente e desde então, nunca mais esqueci…. Foi com essa lembrança que Marcony Santhiago começa a entrevista para a Universo Visual.
Carioca de 37 anos, o Professor da University of Southern California (USC), em Los Angeles, professor da UFRJ e Professor da Pós-Graduação da USP, onde orienta doutorado, foi eleito um dos cinquenta oftalmologistas mais influentes do mundo com menos de 40 anos pela publicação científica The Ophthalmologist. O prêmio se deve ao desenvolvimento de uma técnica que torna as cirurgias oculares mais seguras. Santhiago é hoje o nome da vez. Autor de mais de 100 trabalhos publicados em revistas indexadas nacionais e internacionais, já ganhou os importantes Troutman Award, o mais importante premio de cirurgia refrativa, e Waring Memorial Award, ambos conferidos pela International Society of Refractive Surgery e pela American Academy of Ophthalmology por reconhecido mérito científico e relevante contribuição em cirurgia refrativa. Mas seu brilhantismo não para por aí. É também o idealizador do conceito de Percentual de Tecido Alterado – PTA, e revisor dos mais importantes periódicos em Oftalmologia no mundo. 
Agora, em 2018, é a sua vez de ser o entrevistado da Revista Universo Visual. Aqui ele conta como começou sua exponencial carreira, que serve de inspiração para tantos outros jovens oftalmologistas. Acompanhe!
Revista Universo Visual Para iniciarmos, onde e quando começou seu envolvimento com publicações científicas?
Marcony Santhiago Em 2006 estava no meu R2 e, apesar de já ter enviado vários relatos de caso para congressos, pôsteres, ainda não havia o saldo para publicações. Como já me interessava pelo universo científico, no ano seguinte acabei me envolvendo profundamente com publicações nacionais. Em 2008 obtive as primeiras publicações internacionais em jornais relevantes como Journal of Cataract and Refractive Surgery (JCRS) e American Journal of Ophthalmology (AJO). Na sequência, iniciei Doutorado em oftalmologia pela Universidade de São Paulo, e em 2009 me mudei para os Estados Unidos para ser Fellow em Cirurgia Refrativa realizado no Cole Eye Institute, Cleveland Clinic. E lá foi demais. Desenvolvi muitos projetos importantes, e quando voltei ao Brasil em 2012 continuei com minhas publicações e acabei virando editor de duas publicações internacionais Editor de Seção do JCRS e Editor Associado do Journal of Refractive Surgery (JRS). Este fato me manteve associado a inúmeras publicações, eu precisava ler ate o que nunca seria publicado. Hoje sou também editor associado dos Arquivos Brasileiros de Oftalmologia ABO, Editor Chefe da Revista Brasileira de Oftalmologia RBO, Conselheiro da Sociedade Brasileira de Catarata e Cirurgia Refrativa BRASCRS e Diretor de Publicações da Sociedade Brasileira de Oftalmologia. Ou seja, minha vida esta intimamente ligada a pesquisa e publicações. Acho que o reconhecimento dos meus pares aqui e fora vem do trabalho árduo, do reconhecimento da constância em relação a minha dedicação. E acho que nesse sentido posso servir de exemplo.
 
UV E as pesquisas clínicas? Vieram concomitantes ao seu trabalho com publicações?
Santhiago A publicação é resultado de todo o esforço dedicado a pesquisa clínica. É o “grand finale . É importante manter constância, tento manter uma alta de trabalhos relevantes publicados por ano. Em 2017, por exemplo, foram 18, que é um volume de publicação muito alta. 
UV Sempre com você coordenando?
Santhiago Sim. Alguns como primeiro autor e outros como co-autor. Em 2014 encontramos um fator de risco para a cirurgia refrativa, idealizado como Percentual de Tecido Alterado (PTA). Estudos prévios feitos por mim e pelos meus colaboradores demonstraram que o PTA apresenta maior relação com o risco de ectasia do que outros fatores já consagrados na literatura, como o leito residual estromal. Essa investigação ganhou muita visibilidade mundialmente. Hoje minhas principais linhas de pesquisa são sobre fatores de risco para ectasia da córnea, ceratocone e também em crosslinking. Atualmente estou muito entusiasmado com a nossa linha de pesquisa nessa área especifica, com auxilia da doutoranda comigo na USP, Larissa Stival, estamos no caminho de achados interessantes e que podem ter grande impacto na indicação de CXL, principalmente em crianças. E também dedicado muito tempo a nova tecnologia que resolvi aplicar como ferramenta diagnostica, é algo totalmente novo e que estamos desenvolvendo em conjunto com a Universidade de Tel Aviv, em Israel e em parceria com a USC, em Los Angeles, com o auxílio do David Smadja e Brad Randleman.
Bom são esses os principais temas sobre os quais tenho falado pelo mundo, e são os meus principais trabalhos publicados. São pesquisas que eu comecei na Cleveland Clinic, e continuei quando voltei para o Brasil. E isso é o legal, voltar e continuar no seu país de origem a linha de pesquisa (aqui relembramos as palavras do Prof. Rubens Belfort Jr. naquela entrevista em 2006). Muita gente vai para fora, publica naquele período, mas quando retorna ao seu país de origem interrompe e desperdiça o aprendizado adquirido naquela instituição e para de publicar. Para mim foi diferente. Eu me envolvi como docente na USP, continuei publicando na UFRJ também, que são as universidades que estou ligado atualmente como professor. A parte acadêmica é uma parte muito importante da minha vida, e é preciso conciliar. Acho que e fundamental para aqueles que saem do pais terem em mente que temos que oferecer de volta ao nosso país quando voltamos, à nossa população. Seja através de estudos realizados aqui, seja oferecendo o que aprendeu e desenvolveu à população menos favorecida economicamente, através de ações voluntarias como projetos que estamos realizando neste momento. 
UV E como conseguir equilíbrio entre consultório, cirurgia, pesquisa, vida acadêmica e vida pessoal? Você encontra tempo para conciliar tudo?
Santhiago Tem que ter. Todas as pesquisas fazem mais sentido se consigo vislumbrar a sua aplicabilidade clinica ou cirúrgica. O mais legal é estar com o paciente, operar, isso é fantástico. E tudo isso ocorre em paralelo a minha vida no consultório e centro cirúrgico o que acaba gerando (conquistando) respeito dos meus pares. Recebo muitos pacientes encaminhados por colegas, pois está tudo interligado, as cirurgias e a parte acadêmica. Em última análise, quem publica é uma pessoa que estuda muito e está envolvida com o que há de mais recente, e no final quem se beneficia de tudo isso é o paciente. Publicar é uma forma de se salvar. É como salvar um arquivo, pois sua publicação estará lá para sempre. Das mínimas as mais importantes pesquisas. A publicação vai viver independente de mim. E isso não tem preço.
A Universo Visual teve um papel fundamental para mim. É legal ter a capacidade de inspirar, e eu me senti inspirado naquele momento quando li a entrevista com o dr. Rubens. Me lembro perfeitamente daquele momento, como se fosse ontem…
UV Escutá-lo é contagiante! Como entusiasmar o jovem oftalmologista com pesquisa clínica? Que conselho você dá para quem quer iniciar na carreira acadêmica?
Santhiago Fico muito feliz, de verdade, em ouvir que sou contagiante, talvez seja o melhor elogia que alguém possa ouvir. Bom, primeiro devo dizer que também aprendo e me sinto inspirado pelos mais jovens. Sobre sua pergunta eu ouço com frequência que conselhos devo dar aos mais jovens, e talvez essa seja a minha maior responsabilidade. Depois que você consegue encontrar o seu espaço, respeito dos seus pares, é preciso ensinar os mais jovens e fazer com que eles entendam que com dedicação e empenho, qualquer um consegue. Meus pais nem são médicos, e olha eu aqui. O trabalho e dedicação tem a incrível capacidade de realizar seu sonho, e o jovem precisa entender isso. O trabalho científico é um árduo caminho para se chegar a uma publicação. Não é fácil. Claro que é muito gratificante olhar seu trabalho publicado na revista, mas aquilo é só a fase final de um processo que começou com uma ideia. Se envolver com pesquisa é um grande caminho para ser diferente na sua especialidade. Muitos me falam que querem dar aula em um congresso, e eu sempre retribuo com a pergunta: Por que você quer começar dando aula? Por que primeiro você não se envolve com pesquisa, não se torna um expert nessa área? O convite para a aula virá naturalmente. Esse é um dos caminhos que o jovem precisa seguir. Esse é um caminho, logicamente não o único. Mas é um bom caminho para conseguir o respeito dos seus pares na oftalmologia brasileira e mundial.
Ano passado fui convidado para ser o diretor do programa de cirurgia refrativa da Academia Americana de Oftalmologia, e claro, fiquei muito feliz. Mas isso não foi da noite para o dia, foi conquistado diariamente com meu trabalho como editor, como autor de trabalhos científicos importantes e pelas aulas que ministro, já que tudo isso demonstra o quanto eu me dedico.
Veja bem Marina, ministrar aulas é um dos poucos momentos de troca com várias pessoas ao mesmo tempo, é importante entender isso,  a importância deste momento, portanto eu preciso me dedicar, fazer com que os slides sejam gráficos, em que as pessoas prestem atenção na mensagem, é preciso repassar conhecimento novo, ir além do óbvio. E eu só consigo publicando, estudando, me envolvendo com assuntos científicos. E por último, eu preciso contar uma história. 
UV Quem serviu de inspiração para sua carreira, do começo da sua formação até hoje?
Santhiago Vou acabar deixando alguém de fora…. mas vou tentar brevemente citar alguns por ordem temporal: Yoshifumi Yamane, Armando Crema, Jose Fiuza, Newton Kara Jose Jr, Newton Kara Jose, Wallace Chamon, Samir Bechara, Jackson Barreto Jr, Paulo Schor, Fernando Trindade,  Mauro Campos, Rubens Belfort Jr., Remo Susanna Jr., Marcelo Netto e Renato Ambrósio Jr. Fora do país certamente Steven Wilson, um marco na minha carreira, e Brad Randleman, que é um amigo e meu mais importante colaborador científico atualmente. 
Foi com Prof. Samir Bechara que realizei as minhas primeiras cirurgias com excimer laser, um grande mestre. E ele foi, ao lado de Newton Kara Jr, um dos grandes incentivadores da minha carreira. Mas aqui é importante uma particular menção ao Wallace Chamon: Quando eu era residente eu assisti a uma aula dele, cujo título era “Cirurgia Refrativa: 10 anos em 60 segundos . Eu achei aquilo fascinante. Ali eu pensei: quero ser igual a ele, esse é o caminho! Isso exemplifica todos aqueles que me inspiram. Costumo dizer que se não fosse Wallace eu não teria feito cirurgia refrativa. Aprendi, continuo aprendendo e certamente aprenderei ainda mais com ele. E uma referência para mim. 
UV Por fim, por que oftalmologia?
Santhiago Como eu disse, meus pais não são médicos, e até nesse ponto eu sempre busquei exemplos de referências em outros médicos e outros oftalmologistas para ir me encontrando e me definido como eu gostaria de ser. Não há melhor maneira de ensinar do que por exemplos. Conselhos ajudam, mas exemplos arrastam. Eu fiz, mas você pode também. Cada um com sua característica pessoal, sua nuance, obviamente com sua personalidade, tudo isso conta muito, mas veja exemplos e veja que é possível. Meus pais me deram exemplos de outras áreas como ser humano, mas que eu utilizei para a medicina. Eu fiz Internato no setor de oftalmologia do Mount Sinai Hospital – School of Medicine – New York NY, onde pude acompanhar de perto a oftalmologia de alto nível. Ali eu me apaixonei e tive a certeza de que queria a oftalmologia como especialidade.

 

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