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Paulo Schor – Diretor de Pesquisa e Desenvolvimento Tecnológico da Unifesp e Professor Chefe do Setor de Óptica Cirúrgica da Escola Paulista de Medicina.
A função primária da escola de medicina é formar médicos, certo? Claro que sim, mas a pergunta é qual o significado de “formar” um médico. Para os órgãos reguladores, que devem proteger a sociedade, treinar de modo a adquirir uma habilidade, que pode ser testada ao final do curso, em provas diagnósticas e até cirúrgicas pode ser suficiente, e na maioria dos cenários estáticos é mesmo. Poder esclarecer um quadro clínico ou realizar até o final um procedimento, capacita o indivíduo a exercer a profissão. Os conhecimentos aplicados são, portanto, quase suficientes para formar o estudante.
Esse cenário contemporâneo faz coro à observação que os alunos fazem de que “o curso médico começa no terceiro ano”, ou com as faculdades de medicina que atuam sem professores das “áreas básicas”, e mais ainda, com os jovens que são atraídos e se concentram no “que e no como”, dissociados do “porquê”.
Esses conceitos foram bem apresentados por Simon Sinek (The Golden Circle) e estão sendo continuamente explorados na descrição da geração Y, no sucesso de líderes e empresas. Ocorre que produtos “revolucionários”, com inúmeras funções inexploradas e altíssima carga tecnológica, podem não ter o uso esperado, se na sua concepção não for feita a pergunta primária: qual a função que se espera dessa “inovação”? Se o esforço for predominantemente nas soluções de engenharia, corremos o risco de procurar aplicações para ferramentas “espetaculares”.
Foram poucos seres humanos que conseguiram empiricamente entender o desejo das pessoas, e ao mesmo tempo efetivar seus sonhos. Para a maioria de nós, vale conhecer o poder do “design”, como conector entre forma e função. Processos como “design thinking e brainstorm” maximizam o porquê, deixando o como para uma etapa posterior, tendo usuários envolvidos na criação e desenvolvimento iterativo das soluções. O foco primário é na relevância dos desenvolvimentos, e isso vale ouro, podendo significar o sucesso ou fracasso de um processo.
Professores com vivência acadêmica entendem que conteúdos básicos de forma e função, como histologia, anatomia, bioquímica, fisiologia e patologia por exemplo, são a base fundamental sobre a qual se depositam peculiaridades de cada especialidade, que têm uma raiz comum. Conhecer profundamente a inflamação nos deixa confortável em todas as áreas, e permite uma liberdade de raciocínio pós-cirúrgica, frente a infecções, no entendimento de novas drogas, etc. Conhecer e memorizar os sinais e sintomas de todas as doenças é humanamente impossível, e nos faz perder qualquer batalha (antes mesmo do seu início) para as máquinas. Nossa vantagem adaptativa vem da conexão e reconhecimento de peculiaridades.
Do mesmo modo que o “porquê” diferencia homem e máquina, ele impacta o entendimento de ciência e tecnologia. A ciência pressupõe uma “pergunta”, do homem curioso, que quer saber o “porquê”. A tecnologia deveria, idealmente, partir dessa base relevante (importante, existente, conhecida), e propor soluções práticas, na forma de métodos, produtos, algoritmos, aplicativos, etc. Tecnologia sem ciência equivale ao médico prático. Um técnico treinado, útil no momento atual, sem capacidade de aprender continuamente e sozinho, com restrito entendimento de sua função (pessoal, social).
Hoje assistimos a uma explosão de start-ups, hackathones e aplicativos, com uma taxa de sucesso de menos de 1%. O funil faz sucesso em terrenos ultraférteis, como o Vale do Silício, mas a repetição do modelo leva ao desperdício de energia cara e rara, em solos ordinários, como os nossos. Empresas de base tecnológica dissociadas da economia local, da demanda social, das capacidades críticas têm menos chance de sucesso. Tal distância tem sido naturalmente diminuída pela aproximação com o ambiente crítico por natureza, a academia. Não por acaso, os solos férteis de Palo Alto e Boston são circundados por Stanford e Harvard/MIT. Do mesmo modo, nosso maior caso de sucesso, a Unicamp, tem posição estratégica frente a empresas incipientes, que se fixam ao seu redor. Os parques tecnológicos do Estado também foram assim concebidos, ao redor de São José dos Campos, Ribeirão Preto, etc. Com forte tradição universitária. Mais especificamente, com reconhecimento em pesquisa.
Saber o porquê do que fazemos é fundamental em todos os aspectos. Da formação médica até o sucesso dos produtos. Vale perseguir tal objetivo e lembrar disso em todas as fases do nosso caminho. 

Fonte: Universo Visual

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