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De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), 80% de todas as causas de deficiência visual são preveníveis ou curáveis. Por outro lado, estima-se que existam 285 milhões de deficientes visuais no mundo, sendo 39 milhões de cegos e 246 milhões com baixa visão. Apenas no Brasil, existem mais de 6,5 milhões de pessoas com deficiência visual, sendo 582 mil cegas e seis milhões com baixa visão, segundo a medição do Censo 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Desde então, tais índices certamente são maiores, mas a ausência de pesquisas mais atualizadas dificulta um panorama mais preciso do problema.
As razões para números tão expressivos são as mais variadas, e vão desde displicência com a saúde ocular, minimização dos sintomas que podem indicar algo mais sério, até a falta de acesso ao atendimento especializado. Neste último caso, contar com profissionais engajados e dispostos a entender e a escutar o paciente que relata seus sintomas e históricos familiares faz toda a diferença para a melhor qualidade de vida de quem sofre com algum distúrbio na visão.
Por mais que a tecnologia avance dia a dia e que equipamentos de última geração facilitem tanto o diagnóstico como o tratamento de doenças oculares, algumas técnicas utilizadas no século passado ainda se mostram mais eficazes, como é o caso da anamnese, que nada mais é do que a história sintomatológica do paciente, em que ele narra ao médico o que sente, desde quanto tempo, se há um fator genético que precisa ser considerado, entre outros fatores. Os oftalmologistas são unânimes quanto à eficácia da anamnese: ouvir o paciente ainda é a melhor forma de conhecer seu estado e estudar o tratamento de modo mais assertivo.
Durante a realização do 61º Congresso Brasileiro de Oftalmologia este ano, realizado em Fortaleza (CE) entre 6 e 9 de setembro, o tema oficial do evento foi justamente sobre “Diagnósticos Complementares em Oftalmologia: da anamnese à genética , que culminou, inclusive, com o lançamento de uma obra completa acerca do assunto, que leva o mesmo título. O livro teve a diretora do Departamento de Oftalmologia da Santa Casa de São Paulo, Profa. Dra. Maria Auxiliadora Monteiro Frazão como relatora e traz em seus 17 capítulos temas distintos, que tiveram a participação de mais de 200 profissionais.
Como explica a relatora, a intenção da obra é justamente preencher uma lacuna na literatura oftalmológica nacional, já que ajuda a estabelecer os parâmetros decisivos para a realização de diagnósticos relacionados às doenças mais prevalentes da especialidade. “O livro privilegia os aspectos práticos de como fazer diagnóstico com preceitos mais modernos e auxilia os profissionais a construírem a hipótese diagnóstica ao mesmo tempo em que concretizam os passos necessários para sua verificação.
A professora explica ainda que escrever sobre Diagnóstico em Oftalmologia: da Anamnese à Genética, selecionando as doenças de maior prevalência e importância em saúde pública, aguçou ainda mais o cuidado sobre a obra ser uma leitura de fácil compreensão, porém completa, capaz de reger diretrizes para formulação de diagnósticos. “Nosso direcionamento foi auxiliar o leitor, profissional da área, a formular desde o diagnóstico de doenças que nada necessitam, além da realização de anamnese e exame ocular completos, até aquelas que exigem as mais modernas tecnologias , afirma. “A realização do diagnóstico correto envolve amplo conhecimento, clareza de raciocínio e permeia a tomada de decisão para o melhor tratamento, sem contar que diagnósticos precoces, aliados a tratamentos adequados com amplo arsenal disponível, têm aumentado cada vez mais a qualidade e expectativa de vida da população e a inserção social , finaliza.
Para o oftalmologista Marcos Ávila, ex-presidente do Conselho Brasileiro de Oftalmologia, Professor Titular de Oftalmologia da Universidade Federal de Goiás e prefaciador do livro, tecnologia e diálogo com o paciente devem caminhar juntos. “A oftalmologia está completamente inserida na era do Big Data e a anamnese continua sendo a parte fundamental de qualquer exame médico , diz. “Considerando este movimento dentro da área de saúde, temos dois grandes movimentos em curso: os movimentos que vão tratar do sistema nervoso central, e as áreas que vão tratar das doenças dos olhos, e por este motivo é tão importante conversar com o paciente e com sua família para construir o diagnóstico , explica. “Dessa forma, teremos os melhores médicos e nossos pacientes os melhores tratamentos, com os melhores resultados! , enfatiza.
A saúde ocular está diretamente relacionada à tríade estilo de vida, diagnóstico precoce e tratamento adequado. Um bom profissional complementa o cenário. É fato que há algumas doenças que estão relacionadas às características anatômicas do olho, por isso não podendo ser evitadas, mas elas não são a maioria.
Como lembra o oftalmologista e professor Paulo Augusto Arruda Mello, 75% dos diagnósticos são feitos por meio de uma anamnese apropriada e trazem resultados extremamente satisfatórios em seus tratamentos. “Ainda que as máquinas tenham uma grande colaboração, elas ainda são incapazes de reconhecer que nível de dor o paciente está sentindo ou que cuidado ele precisa , lembra.

Patologias prevalentes
Atualmente, entre as doenças oculares de maior prevalência estão a Refração, Catarata, Retinopatia Diabética e Glaucoma.
No caso da Refração, as patologias podem ser divididas em Miopia, que tem prevalência entre 11% a 36% na população em geral; Hipermetropia, com 34%; e Presbiopia, que atinge cerca de 100% na população a partir dos 55 anos, o que representa 18,2% do contingente brasileiro.
Os números da Catarata também são bastante expressivos. Estima-se que a prevalência atual no Brasil seja de aproximadamente 350 mil cegos por catarata. E mais, o número de novos casos da doença a cada ano é estimado em 20%, motivados e desencadeados em função das variações quanto às condições socioeconômicas da população. “A prevalência de catarata senil é de 17,6%, antes dos 65 anos; 47,1% no grupo entre 65-74 anos e 73,3% nos indivíduos acima de 75 anos , lembra o oftalmologista Paulo Augusto de Arruda Mello Filho. “O impacto social da cegueira e a grande prevalência da catarata entre a população mais idosa leva à necessidade de ampliação do número de cirurgias de catarata oferecidas para a população, mas sempre seguindo normas de segurança da ANVISA e padrões que não causem riscos aos pacientes , ressalta.
Já quando falamos em Retinopatia Diabética, vale lembrar que cerca de 50% dos portadores de diabetes desenvolverão algum grau de retinopatia diabética ao longo da vida. O paciente diabético tem quase 30 vezes mais chance de tornar-se cego do que um paciente não diabético. “A porcentagem de pacientes diabéticos com algum grau de retinopatia diabética aumenta em função do tempo de instalação da doença: após 25 anos, 80% dos pacientes apresentarão algum grau de retinopatia diabética , lembra Mello Filho. “No Brasil, estima-se que a cegueira entre diabéticos possa alcançar a prevalência de 4,8% , conclui.
Mello Filho ressalta, ainda, que aguardar a baixa da visão para encaminhar o paciente ao oftalmologista pode causar perda irreversível e decréscimo substancial na qualidade de vida do paciente portador de diabetes. “Embora o exame periódico e o tratamento da retinopatia não eliminem todos os casos de perda visual, eles reduzem consideravelmente o número de pacientes cegos pela doença , pondera.
Finalmente, o Glaucoma, patologia que não é reversível e é a segunda maior causa da cegueira no mundo, tem uma incidência estimada de 1% a 2% na população geral, aumentando após os 40 anos (2%), podendo chegar a 6% ou 7% após os 70 anos de idade. O acometimento é bilateral, na maioria dos casos. “O caráter hereditário dá aos parentes de 1º grau 10 vezes mais chances de desenvolver a doença , afirma Mello Filho. “Estima-se que entre 2%-3% da população brasileira acima de 40 anos possa ter a doença, sendo que em 50% a 60% destes o diagnóstico é de glaucoma primário de ângulo aberto, e aproxidamente 20% com glaucoma primário de ângulo fechado , explica.
Além dessas, Ceratocone, Retinose Pigmentar e Degeneração Macular Relacionada à Idade também figuram entre as patologias mais recorrentes.

Fatores de risco para a cegueira
É comum ouvir de muitos especialistas que alguns pacientes chegam tarde aos seus consultórios, isto é, procuram o profissional quando a doença se encontra em um estágio avançado, o que muitas vezes compromete ou impossibilita as chances de cura.
Globalmente, as três grandes causas de cegueira predominantes são a pobreza, crescimento populacional e envelhecimento. A pobreza é um fator de risco de cegueira porque impacta no acesso a serviços de saúde ocular. Isso é especialmente relevante para doenças oculares que podem ser prevenidas ou curadas. Já sobre o crescimento populacional e envelhecimento, embora as novas projeções demográficas da Organização das Nações Unidas (ONU) mostrem que a população mundial chegará a 8,6 bilhões até 2030 um aumento de 1 bilhão de pessoas em 13 anos ainda assim muitos países registrarão aumento populacional significativo. “No Brasil, há uma tendência de envelhecimento da estrutura etária, com necessidade de avaliações das políticas voltadas para o atendimento oftalmológico de adultos e idosos que crescerá muito , pondera Mello Filho. “Focando o grupo etário de 60 anos ou mais, observa-se que o mesmo duplica, em termos absolutos, no período de 2000 a 2020, ao passar de 13,9 para 28,3 milhões, elevando-se, em 2050, para 64 milhões , complementa.
Independentemente da classe social, a estimativa de cegueira cresce em função da idade, chegando a ser 15 a 30 vezes maior em pessoas com mais de 80 anos do que na faixa com até 40 anos de idade. Já em crianças, de acordo com a Agência Internacional de Prevenção à Cegueira, é possível considerar que o Brasil tenha cerca de 29 mil crianças cegas por doenças oculares, que poderiam ter sido evitadas ou tratadas precocemente.

Importância do diagnóstico correto
A maioria das doenças que levam à perda visual irreversível evolui de maneira silenciosa. Diferentes realidades ao longo da vida dos pacientes fazem com que os pacientes se apresentem ao médico oftalmologista com queixas específicas. Por exemplo, a partir dos 18 anos a necessidade visual para longe geralmente aumenta, assim como aumentam as queixas de miopia. A partir dos 40 anos de idade os pacientes apresentam presbiopia, com dificuldade visual para perto. Na Terceira Idade temos aumento da prevalência de doenças degenerativas, com queixas específicas sobre a dificuldade visual para as atividades diárias.
A anamnese se faz cada vez mais importante, para que se estabeleça um diagnóstico correto, preciso e precoce, em todos os planos. Ao ouvir o paciente, o oftalmologista pode orientá-lo sobre atitudes que venham a diminuir as chances de determinada condição piorar. “Casos complexos, de evolução aguda ou cirúrgica, deixam mais clara a importância do diagnóstico correto levar a condutas que venham salvar o olho do paciente , lembra Mello Filho.
Quanto mais cedo, melhor. E isso serve desde o momento do nascimento também, alertam os especialistas. Em se tratando de crianças, o bom exemplo da importância do diagnóstico correto e precoce é o teste do reflexo vermelho, também chamado de Teste do Olhinho, realizado ainda na maternidade em todos os recém-nascidos. É um teste capaz de detectar catarata, glaucoma congênito, opacidades de córnea, tumores intraoculares grandes, inflamações intraoculares importantes ou hemorragias vítreas.
No Brasil, os erros de refração não corrigidos são a principal causa de deficiência visual entre as crianças. O diagnóstico correto e precoce das ametropias (refração ocular que dificulta a nitidez da imagem na retina) tem grande impacto social e diminui a incidência de ambliopia (imprecisão de visão sem que haja lesão orgânica perceptível do olho) entre as crianças.

Desafios
Entre os principais desafios em relação a tratamento e terapia quando falamos em problemas oculares está o estabelecimento de um diagnóstico correto do paciente. Porém, antes disso, é preciso ampliar o acesso da população ao médico especialista e às técnicas mais inovadoras. “Os custos envolvidos nos tratamentos estão desproporcionais ao investimento realizado pelo governo e empresas da saúde, com poucas exceções , explica Filho. “O desafio é aumentar investimentos para o desenvolvimento de serviços de saúde ocular em nível nacional e maior amplitude das campanhas de conscientização à população leiga, com o objetivo de sensibilizar gestores públicos e a iniciativa privada para um problema que é cada vez mais relevante e deve ser prioritário , pontua.
Para o profissional, também é preciso fortalecer os serviços e melhorar o acesso, a oferta de serviços para catarata e erros de refração; doenças focais que não podem ser tratadas nos estágios finais, como opacidades de córnea, tracoma e cegueira infantil; além de facilitar a triagem e serviços de identificação precoce de doenças crônicas, como o glaucoma e a retinopatia diabética. “Dessa forma teremos o potencial de reduzir o peso em serviços de saúde ocular e eventualmente erradicar a cegueira evitável, visando eliminar 80% das deficiências visuais , diz.
Contar com médicos oftalmologistas melhor preparados e equipados para o exame oftalmológico completo, dispostos a ouvir o paciente, aliando um pensamento crítico dos resultados combinado à anamnese, entendendo efetivamente suas queixas, é um grande caminho rumo à cura ou melhor qualidade de vida desse paciente.

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