Tempo de leitura: 6 minutos
O retinoblastoma pode ser raro, mas é o tumor ocular mais comum na infância, com cerca de 400 novos casos todos os anos no Brasil, sendo 90% deles em crianças de até 4 anos. Ele ocorre, inicialmente, na retina e tem como sinal mais comum o reflexo pupilar branco e o estrabismo. Assim como em outros tipos de câncer, o diagnóstico tardio reduz as chances de sobrevivência mas, se diagnosticado precocemente, a cura ocorre em 90% dos casos, de acordo com a TUCCA (Associação para Crianças e Adolescentes com Câncer). 
A fim de chamar atenção para a doença e alertar sobre seus sintomas, foi instituído o Dia Nacional de Conscientização e Incentivo ao Diagnóstico Precoce do Retinoblastoma, que acontece em 18 de setembro. A data foi criada por iniciativa da TUCCA, que vê na disseminação de informações sobre a doença a chave para identificar os primeiros sinais e aumentar as chances de cura.
O número de diagnósticos realizados no Brasil já em estágio avançado é bastante alto, representando cerca de 50% dos casos. O Dr. Rubens Belfort Neto, especialista em Oncologia e Patologia Ocular que presidiu a Sociedade Pan-Americana de Oncologia Ocular entre 2016 e 2018 e que atualmente realiza atendimentos na Clínica Belfort, em São Paulo, ressalta a importância do oftalmologista estar atento aos primeiros sinais da doença: “É um câncer muito raro. Nesses casos, é difícil você educar toda a população sobre todas as doenças muito raras. (…) Então a gente sempre foca em educar os médicos oftalmologistas para que eles suspeitem de retinoblastoma e, no caso de uma suspeita forte, encaminhem para um super especialista”.
As origens e classificações do retinoblastoma
A origem do retinoblastoma é genética, a partir de uma mutação no gene Rb ou RB1, responsável por controlar o ciclo celular e desacelerar o crescimento das células. Cada célula da retina tem dois desses genes e, enquanto pelo menos um dos dois estiver funcionando normalmente, não há problemas. Porém, quando ambos apresentam a mutação, há um crescimento celular descontrolado que leva à formação do tumor. Dependendo de quando ocorre essa mutação, o retinoblastoma pode ser dividido em dois tipos: retinoblastoma congênito (hereditário) e retinoblastoma não hereditário.
Retinoblastoma Congênito (Hereditário): 
Cerca de 30% das crianças com a doença possuem a alteração no gene RB1 de forma congênita e em todas as células do corpo (mutação da linha germinativa). Dessas, cerca de 25% herdam a doença de um dos pais enquanto, nas outras 75% a mutação ocorre durante o desenvolvimento do feto. Com a alteração genética presente em todo o organismo, as crianças com retinoblastoma congênito têm chances elevadas de desenvolverem outros tipos de câncer durante a vida.
Para identificar o tipo de retinoblastoma, pode-se realizar um mapeamento genético, mas existem alguns sinais clínicos que indicam a versão congênita da doença, como aponta o Dr. Rubens Belfort Neto: “quando acomete várias partes do mesmo olho (multifocal) ou quando é bilateral, acomete os dois olhos, a gente sabe que é uma criança que tem a forma hereditária da doença, que todas as células têm a mutação e essa criança vai ter um risco maior de câncer em outras partes do corpo. Mas também pode ser feito o estudo genético que revela essa alteração.”
Retinoblastoma não hereditário
Já na maioria dos casos de retinoblastoma (70%), a mutação do RB1 ocorre após o nascimento, em uma fase muito precoce da infância e em apenas uma célula. Por isso, todos os retinoblastomas não hereditários são apenas unilateral. Mesmo assim, caso não haja tratamento, as células cancerígenas podem chegar a outras partes do olho com o crescimento do tumor e atingir outros órgãos.
A suspeita é o primeiro passo para o diagnóstico
Devido a sua raridade, é normal que haja poucos oftalmologistas especializados em retinoblastoma. E esses, por sua vez, atuam em grandes centros. Mas tanto o médico pediatra quanto os oftalmologistas com qualquer outra especialização conseguem identificar os sinais de atenção sobre a doença e encaminhar a criança para o especialista correto.
Durante a infância, exames como teste do olhinho e a avaliação do fundo do olho são fundamentais para o diagnóstico de retinoblastoma e outras doenças. No caso do tumor ocular, os sintomas que dão o alerta são:
Reflexo pupilar branco (leucocoria), que pode ser observado durante o exame de rotina ou até mesmo pelos pais em fotos tiradas com flash.
– Estrabismo
– Dor nos olhos
– Vermelhidão da parte branca do olho
– Sangramento na parte inferior do olho
– Abaulamento dos olhos
– A pupila não se contrai quando exposta à luz
– Cor diferente de cada íris
Ao suspeitar de retinoblastoma, o Dr. Rubens Belfort Neto reforça a importância de encaminhar a criança para um centro especializado no diagnóstico e tratamento da doença. “Retinoblastoma não é das doenças que a gente recomenda que sejam tratadas pelo oftalmologista não especialista em retinoblastoma, porque é uma doença muito rara, com um tratamento muito difícil, que depende de um grupo multidisciplinar. A gente precisa de um pediatra especializado em oncologia, de um radioterapeuta, de um radiologista especializado nisso. Então esses colegas todos juntos têm a capacidade e as ferramentas pra salvar a criança”, salienta.
Entre os exames realizado pela equipe especializada para confirmar o diagnóstico, estão:
Punção lombar
Aspiração da medula óssea e biópsia
Ultrassom
Ressonância magnética
Tomografia computadorizada
Se for comprovada a presença do retinoblastoma, esses exames também ajudam a identificar o estágio da doença que, de acordo com a Classificação Internacional, pode ser dividido em cinco grupos, nomeados de A a E, sendo o primeiro o estágio em que o tumor tem até 3 mm de diâmetro e está confinado à retina, com maiores chances de cura. Já os tumores de classificação E são muito grandes, estendendo-se até a parte frontal do olho, são hemorrágicos, causam glaucoma ou possuem qualquer outra característica que quase sempre levam à enucleação.
Tratamento
Com a confirmação do câncer, a criança deve iniciar o mais cedo possível o tratamento, que é conduzido por uma equipe multidisciplinar e pode incluir a quimioterapia (sistêmica ou intra-arterial), radioterapia, radioterapia a laser, braquiterapia e crioterapia. 
Na última década, como conta o Dr. Rubens Belfort Neto, a quimioterapia intra-arterial tem mudado a história do retinoblastoma, permitindo que muito mais crianças sejam salvas. “Você entra com um caninho pela artéria da criança, vai até a artéria que irriga o olho e joga a quimioterapia em uma alta dose só dentro do olho. Com isso, claro, você diminui muito os efeitos da quimioterapia no resto do corpo e consegue dar uma dose muito maior do que você daria se fosse a quimioterapia convencional pelo sangue e isso permite tratar e curar quase todos os retinoblastomas”, explica. Esse é um procedimento complexo e com custo elevado, mas que já é realizado em alguns centros de tratamento, como Centro de Atenção Integral à Criança com Retinoblastoma da Tucca e o Hospital do GRAAC.
O tratamento mais extremo para o retinoblastoma é a enucleação ocular, mas ela só acontece quando o tumor está em estágio avançado, chegando próximo à parte frontal do olho e causando problemas como o glaucoma. Por isso, quanto mais cedo for feito o diagnóstico, maiores são as chances de cura e de preservação do globo ocular.
Após o tratamento, a criança pode apresentar sequelas na capacidade visual, perder o olho (no caso da enucleação) e, em crianças com a versão congênita da mutação no Rb1, será necessário um acompanhamento frequente pois há o risco de novos tumores nos olhos ou em outras partes do corpo. A maioria dos casos de retinoblastoma, no entanto, é do tipo não hereditário, que ocorre de forma isolada e não oferece risco de novos tumores. Com o diagnóstico precoce e tratamento adequado, essas crianças podem continuar vivendo normalmente.
 
Há 33 anos combatendo o câncer  em crianças e adolescentes
A TUCCA (Associação para Crianças  e Adolescentes com Câncer) foi fundada em 1988 por médicos, pais de pacientes e representantes da sociedade civil com o propósito de elevar as taxas de cura e qualidade de vida de crianças e adolescentes de baixa renda com câncer. Apesar de inicialmente a sigla TUCCA corresponder a crianças e adolescentes com câncer cerebral, hoje a associação estende a assistência e oferece tratamento a pacientes com todos os tipos de câncer da infância e adolescência. 
Foi por iniciativa da TUCCA que em 2012 o governo federal aprovou a lei nº 12.637, que institui 18 de setembro como o Dia Nacional de Conscientização e Incentivo ao Diagnóstico Precoce do Retinoblastoma. O objetivo é educar profissionais de saúde e o restante da população sobre a importância do diagnóstico precoce e, assim, salvar a visão e a vida de vários pequenos brasileiros por todo o país.
Desde 2011, a TUCCA trabalha em parceria com o Centro de Oncologia Pediátrica da Zona Leste de São Paulo, no Hospital Santa Marcelina, realizando o diagnóstico, tratamento e reabilitação de centenas de crianças e adolescentes com câncer. Além disso, a equipe multidisciplinar também atua na pesquisa e capacitação de outros profissionais da saúde. Anualmente, são atendidos mais de 300 pacientes carentes que têm, com o trabalho da instituição, mais qualidade de vida e maiores chances de cura.

Fonte: Revista Universo Visual

Compartilhe esse post