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Com a pandemia do novo coronavírus (Covid-19), a telemedicina ganhou uma relevância ainda maior em tempos de isolamento social. Uma modalidade na prestação de serviço de saúde que existe há décadas, o atendimento médico a distância obteve novos recursos de inteligência artificial e de conectividade e, hoje, é essencial para tratar pacientes que não podem se deslocar até clínicas e hospitais para serem atendidos. 
No Brasil, foi aprovada em 20 de março a Portaria nº 467/2020 e, menos de um mês depois, em 15 de abril, foi transformada na Lei 13.989/20, que autoriza o uso da telemedicina enquanto durar a crise provocada pela pandemia. Como está previsto no artigo 4º da Portaria nº 467, o atendimento remoto precisa ser registrado em um prontuário. E, além do atendimento médico em si, a consulta remota pode resultar na necessidade de prescrição médica, que deve ser assinada eletronicamente. 
Segundo Donizetti Dimer Giamberardino, 1º vice-presidente do Conselho Federal de Medicina (CFM), as diretrizes no período pré-Covid-19 estão estabelecidas no Código de Ética Médica e outras resoluções do CFM – Resolução CFM 1643/2002 sobre telemedicina e outras sobre telerradiologia e telepatologia. “Em relação ao primeiro atendimento entre o profissional e o paciente a distância, apesar de autorização legal, recomenda-se muita cautela e a possibilidade de reversão para consulta presencial diante de qualquer insegurança percebida”, orienta o porta-voz do CFM. 
Para Giamberardino, estas diretrizes apresentam princípios em que a consulta presencial representa um valor ouro da medicina e na qual a telemedicina é um método propedêutico para o exercício da medicina, através de tecnologias, sendo que a consulta a distância deve buscar a mesma segurança ao paciente que representa a consulta presencial. “Deve existir autonomia para o paciente e para o médico, em que ambos devem optar ou não pelo uso da metodologia , afirma o especialista.
O médico explica que no período da pandemia da Covid-19, com a necessidade do distanciamento social e o decreto de calamidade pública pelo governo brasileiro, em caráter excepcional neste período de pandemia, a Portaria nº 467/20 do Ministério da Saúde e a lei 13.989/20 da telemedicina, sancionada pelo executivo, autorizam a telemedicina no Brasil de forma mais ampliada. “O CFM preconiza a teleorientação, teletriagem, telemonitoramento e teleinterconsulta (médicos nas duas pontas) , informa, salientando que o atendimento médico a distância entre profissionais de saúde e pacientes foi liberado conforme a lei, para o seguimento de indivíduos que já realizaram consultas presenciais prévias com o mesmo especialista.
Melhoria no acesso à saúde 
De acordo com Giamberardino, a telemedicina vem para melhorar o acesso à saúde das pessoas, não devendo ser utilizada para substituir o ato presencial do médico. “Todo atendimento por telemedicina deve possuir um prontuário, com níveis de segurança para garantir sigilo, privacidade, inviolabilidade e rastreabilidade”, observa, esclarecendo que todo paciente tem direito a ter um médico e a impessoalidade do atendimento deve ser evitada, assim como todo trabalho médico merece ser remunerado. “O médico só deve atender por telemedicina se desejar e o paciente da mesma forma. Para esta consulta, deve existir um termo de consentimento informado, o qual descreva as limitações do método e a possibilidade da não resolução do problema apresentado, com necessidade de consulta presencial”, afirma o 1º vice-presidente do CFM. 
Conforme explica o especialista, as videochamadas pelo WhatsApp são consideradas vias de comunicação, entretanto não representam os registros no prontuário do paciente. “A plataforma a ser utilizada deve possuir níveis de segurança aos dados do paciente, na transmissão, arquivamento, privacidade e sigilo destes. A chave ou assinatura digital mais segura e do tipo qualificada é o padrão ICP Brasil”, pontua, afirmando que a pactuação ou contrato entre o médico e paciente são fundamentais para estabelecer entre as partes os valores atribuídos, período de validade do atendimento e as limitações do método, sendo essencial a formalização do termo de consentimento informado. “Recomendam-se avaliações presenciais periódicas para verificação e controle da segurança do atendimento”, complementa. 
Segundo o porta-voz do CFM, a fiscalização do exercício da medicina é realizada pelos conselhos regionais de medicina, devendo existir cadastro dos serviços de telemedicina nestes órgãos. “A telemedicina é mais um método propedêutico da profissão, dessa forma deve seguir todas as normas éticas para o exercício da medicina”, enfatiza Giamberardino. Ele comenta que a telemedicina vinha sendo implantada com muita cautela até 2019, quando, de forma disruptiva, a pandemia da Covid-19 realizou um impulso no ano de 2020, em caráter excepcional, frente ao distanciamento social, enquanto durar a crise. 
Dessa maneira, o especialista revela que há o desafio do novo, uma nova propedêutica, cuja execução abrupta leva a uma insegurança técnica e jurídica. “Temos ainda a carência de estruturas e plataformas para atender com segurança às necessidades do atendimento por telemedicina, cumprindo as normas vigentes para proteção e sigilo de dados”, destaca. Na opinião do médico, existe o desafio do contrato entre o profissional e o paciente a ser estabelecido, com a pressão das operadoras de saúde, que têm o domínio da intermediação do trabalho médico. “E após este período, teremos suas heranças, a análise de sucessos e insucessos, mas com a possibilidade de que a telemedicina terá outro patamar de importância em relação ao passado recente”, conclui Giamberardino.
Vantagens do atendimento a distância
No cenário da pandemia pelo coronavírus, a médica oftalmologista Aline Lütz de Araujo, que é membro da Comissão de Tecnologia, Telemedicina e Inovação do Conselho Brasileiro de Oftalmologia (CBO), explica que a principal vantagem da telemedicina é prover atendimentos sem quebrar o distanciamento social preconizado pelos órgãos sanitários. “Os benefícios anteriores à epidemia também se aplicam no momento atual: aumento do acesso aos serviços de saúde e melhor utilização do tempo por pacientes e profissionais”, pontua a especialista. 
Ela diz que há ainda o impacto sobre os custos envolvidos: “Um paciente que necessita sair de sua cidade para, digamos, mostrar resultados de exames, gera gastos em transportes e perda de dia de trabalho. A telemedicina pode conectar paciente e médico e encurtar a distância e o tempo dispendido”, cita como exemplo. “Já o cuidado direto ao paciente por telemedicina traz novos desafios, principalmente porque um bom atendimento baseia-se em um exame físico minucioso do olho e da visão, tradicionalmente realizado no consultório. Na telemedicina, o médico baseia o seu diagnóstico em dados recebidos (por exemplo, imagens)”, continua a médica. 
Outras vantagens, de acordo com a oftalmologista, são a conveniência, por trazer o cuidado de saúde para a casa do paciente, além da possibilidade de maior interação entre médico e paciente ao longo do tempo. “Esse último item é especialmente importante para o monitoramento de doenças crônicas, como diabetes e doenças cardiovasculares. Neste sentido, a telemedicina, na forma de telemonitoramento, adiciona cuidado médico ao paciente no período entre as consultas”, afirma, enfatizando que a evolução em prontuário médico é obrigatória. “Deve-se registrar que é um teleatendimento e qual a plataforma utilizada”, acrescenta.
“Vivemos uma época inusitada, em que mudanças importantes de hábitos nos foram impostas de forma súbita. A adaptação aos novos tempos demanda calma, parcimônia e abertura a novas possibilidades”, avalia o médico oftalmologista Alexandre Taleb, professor de Telemedicina da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Goiás (GO), enfatizando que a telemedicina surge como uma opção ética e viável. “Defino a telemedicina como um novo modo de cuidar. Ora cuidamos de nossos pacientes clinicamente, ora cirurgicamente. Agora temos a opção de também cuidar virtualmente deles”, analisa o especialista, para quem esse novo modo de cuidar soma-se aos demais, sem pretender substituí-los ou sobrepor-se a eles. 
Teleoftalmologia
Segundo Aline, o oftalmologista há muito tempo pratica uma modalidade de telemedicina, que é a teleinterconsulta: discussão de casos entre médicos. Ela diz que na oftalmologia são muitas as variáveis a serem consideradas para substituir um exame físico por dados. “Não é impossível fazer uma teleconsulta oftalmológica, mas, de maneira geral, não estamos preparados em termos de equipamentos, treinamento, infraestrutura de rede etc., para prestar consultas a distância. Telemedicina não significa, necessariamente, teleconsulta”, avisa. O que se tem feito, de acordo com a médica, é um tipo mais restrito de atendimento, geralmente chamado de teleorientação, cujo objetivo é orientar cuidados a serem tomados em casa e a necessidade de consulta em pronto-atendimento ou eletiva, conforme o quadro relatado pelo paciente. 
“A Pandemia da Covid-19 trouxe muitas mudanças à rotina de todos nós. Há cidades cujos consultórios oftalmológicos estão impedidos de funcionar há mais de 60 dias, enquanto que em muitas outras cidades, o funcionamento está limitado (horários, número de pacientes na sala de espera, tempo de desinfecção de consultório a cada atendimento…)”, relata Taleb. Ele salienta que pela proximidade que o oftalmologista fica dos pacientes, o risco de contaminação é um dos maiores entre os especialistas. “Esta nova realidade impactou significativamente no nosso modo de atuar”, revela, ressaltando que a telemedicina se apresentou, então, como uma alternativa prática e viável para se continuar realizando o cuidado oftalmológico dos pacientes a distância. 
O oftalmologista explica que para muitos colegas, a teleorientação tornou-se uma modalidade de rápida implementação, na qual o médico conversa diretamente com o paciente e passa orientações gerais sobre manutenção de tratamentos anteriores, orientações sobre procedimentos adiados, além de esclarecer dúvidas e angústias dos seus pacientes. “A teleconsulta, outra modalidade de telemedicina, foi adotada por muitos outros colegas. Nela, o médico tem a possibilidade de prescrever medicamentos, exames e emitir laudos, porém, por exigir recursos um pouco mais complexos (assinatura digital e prontuário eletrônico), ainda não é praticada por todos”, informa.
Entre as plataformas possíveis de serem utilizadas para o atendimento oftalmológico a distância, Aline enfatiza que a telemedicina síncrona (ou on-line) é realizada por meio de videochamadas. “Outros canais de comunicação, devidamente seguros, dão suporte ao atendimento – por exemplo, para envio de exames para o médico, envio de termo de consentimento, receitas e atestados para o paciente”, comenta, pontuando que para garantir um bom atendimento existe um documento precursor das normas éticas na prática da telemedicina, a Declaração de Tel Aviv, de 1999, que afirma que o médico deve decidir se está seguro em emitir a sua opinião ou conduta, conforme a qualidade e a quantidade de informação recebida de um  paciente. “Este deve ser o norte para qualquer tipo de prática médica a distância”, garante Aline.
Na opinião de Taleb, é fundamental que todos os oftalmologistas que optem por realizar telemedicina esclareçam os seus pacientes, através de um TCLE (Termo de Consentimento Livre e Esclarecido), sobre as possibilidades, vantagens e limitações do teleatendimento. “O TCLE é o primeiro passo e deve ser assinado pelo paciente antes da teleconsulta. Quando o atendimento for começar, o médico deve estar em um local silencioso, com excelente conexão à Internet e com fones de ouvido (para garantir a privacidade do paciente)”, orienta. De acordo com o especialista, recomenda-se que o paciente tenha a melhor conexão possível, para que a interação seja a mais estável e nítida. “Todos os dados trocados devem ser anotados no prontuário do paciente (preferencialmente eletrônico) e os documentos enviados (receitas, exames etc.) devem, também, ser arquivados”, pontua. 
O médico afirma que o atendimento depende de onde o paciente se encontra. “Caso ele esteja em casa, isolado, há muitas avaliações que são possíveis, como identificar a presença/ausência de hiperemia ocular, lesões oculares externas (como hordéolo, por exemplo), posição palpebral, presença/ausência de estrabismo, e a motilidade ocular”, comenta. Ele diz que se o paciente for ao consultório e o oftalmologista estiver remoto, dependendo dos equipamentos de captura de imagem disponíveis, é possível receber imagens da lâmpada de fenda e de exames complementares, como o retinógrafo (que completam, sobremaneira, a capacidade diagnóstica do oftalmologista a distância). “Entretanto, ainda não há como avaliar a pressão intraocular do paciente de forma remota”, finaliza o oftalmologista.  
  

Fonte: Revista Universo Visual

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