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Paulo Schor – Cirurgião e Professor de Oftalmologia & Ciências Visuais da Epm-Unifesp, Ficsae-Hiae e Ita

Em menos de um mês passei por duas experiências educacionais incríveis. Uma delas como Professor Colaborador do ITA e outra como Professor Convidado da Faculdade de Medicina do Einstein. Solicitei férias na Escola Paulista de Medicina, onde sou Professor Adjunto, e tive de me flexibilizar ao extremo para dar conta do recado. De um lado oferecendo um formato ativo aos estudantes tradicionalmente focados, do ITA; de outro tendo de me adaptar e não oferecer conteúdo teórico durante as aulas, no Einstein.
As metodologias ativas pressupõem que os estudantes pré-conheçam a teoria, e o professor utilize as aulas presenciais (dialogadas) para nivelar o conhecimento e enfatizar aspectos fundamentais dos grandes temas. Dentro do extenso leque que abordamos, levei uma proposta em comum para as duas instituições, que foi a de dar relevância, e com isso fortalecer o entendimento e apreensão do conhecimento, sobre Acuidade Visual.
Como material pré-aula separei, entre outros, um vídeo bastante didático e descontraído http://youtu.be/dmleVISsBIs, além de capítulos básicos de óptica fisiológica e desenvolvimento da visão. Após alguma introdução e discussão do que é enxergar, métricas e sensações, passei a ambas as turmas o seguinte problema, para ser resolvido em 4 minutos:
Calcule o ângulo (em minutos de arco) de resolução, entre dois pontos, separados 8,73 milímetros, localizados a 6 metros de distância. A fórmula geral é o título dessa coluna.
As reações, como esperado, foram diametralmente opostas. Estudantes de engenharia ficaram em silêncio, e os de medicina fizeram um alvoroço. Também previstas foram as entregas. Após 2 minutos um dos alunos do ITA falou: Cinco. Após os 4 minutos eu percorri a fórmula com os estudantes da área da saúde que com essa pequena ajuda, resolveram o problema.
De posse da resposta partimos para uma dinâmica inesperada, que foi a de construir, em grupo, um optotipo não óbvio, que tivesse dimensões corretas (um angulo de resolução de 1 minuto de arco entre os detalhes, para definir uma AV de 1.0) e um desenho original. Note-se que a resposta 5 (cinco) refere-se ao tamanho do “E” de Snellen clássico, que pode ser subdividido em 5 (cinco) partes, cada uma com 1 minuto de ângulo. Novamente reações opostas. Os futuros médicos rapidamente se agruparam e discutiram opções, enquanto em São José dos Campos, precisei animar e organizar os times.
Após 30 minutos de monitoria, onde incentivei, desafiei, elogiei e desconstruí ideias, surgiram soluções inéditas. Um sorriso “banguela” foi apresentado como forma a ser identificada por crianças, que ao ver a falta de um dente, teriam conseguido separar dois pontos (dentes) separados por um minuto de angulo. A ponta de um garfo (talher mesmo) foi outra proposta apresentada, e como há bastante uniformidade nas distâncias, haveria uma facilidade extra na obtenção desse optotipo concreto. Símbolos matemáticos de operações, corretamente dimensionados e com espessura maior do que nas fontes convencionais, formando pequenas equações, que ao terem sua solução expressa, revelariam a visão do paciente me surpreenderam como proposta. Também exata, foi a ideia de identificar as horas, minutos e segundos, baseado no tamanho dos ponteiros do relógio analógico, assim como a “simples” contagem de quadrados pintados, numa folha quadriculada.
Imagino que vocês consigam saber quais soluções vieram de cada grupo, e me pergunto se o ambiente faz a cultura ou se as pessoas já tinham essa lógica quando escolheram tal ou qual rota intelectual (engenharia ou medicina). De qualquer modo, independente do viés, foi possível unificar as chegadas, utilizando-se da curiosidade e consequente criatividade dos serem humanos motivados.
Tirar as pessoas de suas zonas de conforto, e sair ileso da nossa própria, demanda energia extra e equilíbrio emocional. A cada passo há a tendência de se olhar para baixo, e a sacada “imperceptível” deixa no ar o cheiro gostoso do passado. Me parece que tratar com cuidado o que já vivemos, mas avançar com ternura e determinação rumo ao desconhecido, é o segredo do ensino que fica, demanda legítima e necessária das gerações, e quaisquer outras que resolvam rotular.
Cabe reconhecer as dificuldades no caminho, principalmente porque temos poucos exemplos a seguir, mas não vale negar que em alguns meses estaremos em 2020! Tempos de cones e bastonetes. Ver os detalhes e como fazer, com conhecimento profundo e detalhado (mácula) mas principalmente estar atento ao cenário global, aos movimentos e sombras periféricas.
A importância de entender e tratar das relações, no nosso caso o cateto oposto e o adjacente, revelam a beleza da simplicidade e do absolutismo matemático. Poder transitar dentro da ciência, agregando aspectos sociais e humanos aos conhecimentos exatos e biológicos faz dos professores de hoje inovadores por natureza. As aulas devem ser oportunidades de relacionamento. Networking, liderança, negociação, mas principalmente conexões impensadas e criação. Que as salas de aula ocupem cada vez mais espaços inusitados, e a relevância seja seu mote.

 

 

Fonte: Universo Visual

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